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Justiça adia para abril decisão sobre transplante de adolescente nos EUA

Antônio Gleiber Cassiano Júnior, 15, está internado em um hospital de Curitiba à espera de transplante. Ele sofre de Síndrome do Intestino Ultracurto, que fez com que perdesse 95% do intestino delgado - Divulgação
Antônio Gleiber Cassiano Júnior, 15, está internado em um hospital de Curitiba à espera de transplante. Ele sofre de Síndrome do Intestino Ultracurto, que fez com que perdesse 95% do intestino delgado Imagem: Divulgação

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

25/03/2015 06h00Atualizada em 26/03/2015 13h24

A decisão sobre o caso do adolescente Antônio Gleiber Cassiano Júnior, 15, que precisa de um transplante de intestino para sobreviver e pediu que a União custeie o procedimento nos Estados Unidos, foi adiada para 8 de abril. Júnior está internado no hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR), desde setembro do ano passado e só se alimenta por sondas.

O jovem sofre de uma condição chamada Síndrome do Intestino Ultracurto, que fez com que ele perdesse 95% do intestino delgado. Para sobreviver, Júnior recebe alimentação parenteral, diretamente na veia, e não pode ingerir alimentos de forma convencional. O procedimento que pode resolver o problema tem custo aproximado de R$ 3,5 milhões e é feito no Jackson Memorial, em Miami, mas o governo brasileiro afirma que instituições brasileiras estão aptas a realizar o transplante e, por isso, insiste que a verba não seja liberada.

Enquanto a disputa judicial não chega ao fim, o menor segue internado. “É uma tristeza muito grande, meu filho me pede comida e eu não posso dar. Não sei como o governo faz uma coisa dessas. Se fosse o filho deles, já estaria liberado”, desabafa a mãe Alessandra Marques Ribeiro.

Internado há sete meses em Curitiba e contando apenas com a presença da mãe -- o pai permaneceu em Minas Gerais --, Antônio Gleiber Cassiano Júnior diz que deixou de estudar e aguarda pela cirurgia para prosseguir com sua vida. “Nem tem o que falar. Não tem como estudar, não tem como fazer nada, estou em um hospital. É muito triste, só falo de vez em quando com meus amigos”, afirma.

O adolescente, entretanto, prefere não discutir a demora do governo em resolver a questão. “Vou falar o quê, sou só o paciente. Não tenho que dizer nada, só esperar que resolvam isso”, diz. Para a mãe, entretanto, falta sensibilidade ao governo federal. “Não tinha que ser assim, agora ele vai ter que ficar aqui até o mês que vem. É muito tempo, ninguém aguenta mais. Parece que estão esperando ele morrer para pagar”, desabafa.

O caso

Em 23 de agosto de 2014, Antônio Gleiber Cassiano Júnior sentiu dor intensa na região da barriga, mas foi tratado com analgésicos e liberado. A dor se intensificou e, no mesmo dia, ele voltou a receber atendimento em Campos Gerais (MG), cidade onde mora com a família. Ele foi transferido em 24 de agosto para o Hospital Universitário Alzira Velano, em Alfenas (MG), onde, no dia seguinte, foi diagnosticado e operado, sendo que 95% do intestino foi retirado.

Em setembro, Júnior foi enviado ao Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, para se submeter a uma cirurgia de alongamento do intestino. O procedimento chegou a ser feito, mas os médicos perceberam que havia restado apenas 10 centímetros de intestino, sendo que o mínimo necessário seria 40 centímetros. Desde então, Júnior e a mãe vivem em Curitiba.

“Decidimos não realizar o tratamento e manter o paciente internado, recebendo alimentação na veia e esperando pela indicação do local onde o transplante será realizado”, diz Julio Cesar Wiederkehr , especialista em cirurgia pediátrica e responsável pelo acompanhamento de Júnior em Curitiba.

A família entrou, em novembro, com uma ação pedindo que a União bancasse o transplante no Jackson Memorial Hospital, em Miami, nos Estados Unidos, alegando que o procedimento não é realizado no Brasil. Em dezembro, houve uma decisão favorável, em primeira instância, mas o Ministério da Saúde conseguiu impedir que o procedimento fosse realizado antes do julgamento em segunda instância, que ainda não ocorreu.

Argumento

O argumento do Ministério da Saúde é que o procedimento que Júnior necessita para viver pode ser feito no Albert Einstein e no Hospital das Clínicas, ambos em São Paulo, por um valor muito inferior ao cobrado nos EUA -- R$ 51 mil contra aproximadamente R$ 3,5 milhões.

Já segundo a família, as instituições não registraram um único caso de sucesso -- foram seis procedimentos realizados no país desde 2010, que resultaram na morte dos seis pacientes em um prazo de até seis meses após a realização dos transplantes.

De acordo com o médico brasileiro Rodrigo Vianna, responsável pelo setor de transplantes do Jackson Memorial, nos EUA, somente nos últimos dois anos, 27 pacientes foram submetidos ao transplante de intestino no hospital, com sobrevida de 23 pacientes, resultando em uma taxa de sobrevida de mais de 85%. “Fica evidente que o Brasil não tem a expertise para realizar o procedimento”, avalia o advogado Claudinei Szymczak, que representa a família.

A reportagem do UOL procurou o Ministério da Saúde, mas a instituição se limitou a informar que os dois hospitais brasileiros estão habilitados a realizar o procedimento e que irá acatar a decisão final da Justiça.

Polêmica

A situação envolvendo Júnior não é a primeira que coloca em lados opostos a União e famílias que buscam a Justiça para garantir que procedimentos de alto custo sejam bancados pela União. Um deles é o caso da bebê Sofia Gonçalves, que aguarda um transplante multivisceral, mas já está em Miami à espera de doador, com custos pagos pelos SUS (Sistema Único de Saúde).

Outro caso no qual a União foi condenada diz respeito a Júlia Marqueti Ferraz, 5, diagnosticada com paralisia cerebral de nível três e que necessitava de uma operação para recuperar os movimentos. A família ingressou com uma ação judicial e o procedimento foi realizado em fevereiro nos Estados Unidos. Depois da cirurgia, Júlia voltou a andar.

Já o menino Davi Miiguel Gama, que completou recentemente um ano, nasceu com a doença de inclusão das microvilosidades intestinais, a chamada diarreia intratável, e aguarda decisão judicial para realizar um transplante nos Estados Unidos. O custo do procedimento é de R$ 4 milhões.

De acordo com o médico especialista em transplante de pâncreas e gestor em saúde José Sebastião dos Santos, que também já foi secretário de Saúde em Ribeirão Preto, a questão do financiamento dos procedimentos pelo SUS é complexa, especialmente em áreas em que há projetos nacionais em curso. “Não falo sobre os casos específicos, mas em geral, se há a possibilidade de se fazer os procedimentos no Brasil, é mais barato e mais correto que eles sejam feitos aqui. Até para o desenvolvimento da nossa medicina”, diz.

André Lucirton Costa, especialista em gestão da saúde pública pela FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto acredita que é necessário que se ache um equilíbrio entre a necessidade das famílias e o financiamento do SUS. “Não podemos negar o atendimento, mas o SUS tem recursos finitos. E é preciso que a situação seja analisada globalmente. Essa é uma questão importante e que tem que ser debatida pela sociedade e que precisa de regras claras”, avalia.

A família de Júnior também realiza uma campanha online para buscar fundos para financiar o procedimento. Para quem quiser fazer doações, está disponível a conta do pai do menor, Antonio Gleiber Cassiano, no Banco do Brasil (agência 1723-X; conta 12125-8). Até o momento, segundo a família, R$ 400 mil foram arrecadados.