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Especialistas defendem vacina contra HPV para homens

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Henrique Contreiras

Da Agência de Notícias da Aids

21/05/2015 16h36

Homens também são vítimas de cânceres causados pelo vírus HPV e, portanto, deveriam ser vacinados. É o que defendeu a pesquisadora americana Ana Giuliano no 10º Congresso da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis e 6º Congresso Brasileiro de DST/Aids, em São Paulo.
"Espero que o Brasil inclua os meninos em seu programa de vacinação", afirmou Giuliano, que é autora de um dos principais estudos já feitos sobre a infecção pelo vírus na população masculina, o HIM (HPV In Men), que incluiu voluntários americanos, mexicanos e brasileiros. A pesquisadora mostrou que os homens gays seriam os maiores beneficiados em razão das altas taxas de câncer no ânus relacionados ao HPV, mas ressaltou que todos os meninos devem ser incluídos.

Existem dezenas de tipos de vírus HPV, que é considerada a mais comum das DSTs. Os de baixo risco causam somente incômodas verrugas genitais. Já os mais perigosos – 16 e 18 – podem provocar lesões que evoluem para câncer em diferentes órgãos, como colo do útero, ânus, pênis e boca. Estima-se que 5% dos cânceres humanos sejam relacionados ao HPV.

A vacina, que protege contra os dois tipos mais temidos, existe desde 2006. Mas só em 2014 o SUS começou a oferecê-la, focando um dos cânceres mais frequentes: o de colo de útero. Foi liberada inicialmente apenas para meninas pré-adolescentes, já que o máximo benefício da vacina é obtido em quem ainda não se expôs ao vírus, ou seja, não iniciou a vida sexual. No começo deste ano, a vacina foi estendida a mulheres de até 26 anos portadoras do HIV, já que o risco de câncer de colo é cinco vezes maior neste grupo.

No entanto, a vacina também pode ser usada em meninos. Em seu site de perguntas e respostas sobre a vacina, o Ministério da Saúde explica por que os garotos foram excluídos: "Como o objetivo desta estratégia de vacinação é reduzir câncer de colo do útero, será restrita ao sexo feminino. Estudos comprovam que os meninos passam a ser protegidos indiretamente com a vacinação no grupo feminino (imunidade coletiva), havendo drástica redução na transmissão de verrugas genitais entre homens."
No entanto, a vacinação de meninos é recomendada no calendário vacinal da Sociedade Brasileira de Pediatria, que é referência para a prática médica privada.

Questão econômica

A divergência pode ser explicada, em parte, pelo fato de que para ser incluída nos sistemas públicos de saúde, não basta uma vacina ser efetiva e segura. Ela tem de ser custo-efetiva – ou seja, a economia gerada com a prevenção dos casos de doença deve compensar o dinheiro gasto com as vacinas.
Verrugas genitais por si só não justificariam o gasto com a vacina, por exemplo, mas os cânceres sim. Por ser muito comum, o câncer de colo de útero foi eleito prioridade no Brasil e na maior parte dos 100 países que adotaram a vacina. Como o câncer de pênis, por exemplo, é raro e os homens já se beneficiariam indiretamente da vacinação feminina, o uso da vacina para sua prevenção não seria uma estratégia custo-efetiva. 

Gays tem 15 vezes mais câncer de ânus

A pesquisadora Luísa Lina Villa, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, aponta uma falha no argumento usado pelo Ministério. "Os homens gays não têm benefício indireto da vacinação feminina", afirmou durante o congresso, mostrando estudos que comprovam o óbvio.

Segundo Villa, que também trabalhou na pesquisa HIM, a carga de doença causada pelo HPV em homens justifica a vacinação masculina. "Provou-se que a vacina reduz em 90% as verrugas genitais em todos os homens, e reduz em 75% as lesões precursoras de câncer anal nos homens gays."

Além de excluídos do benefício indireto, os homens gays têm muito mais câncer por HPV. O câncer de ânus é 15 vezes mais comum entre gays do que na população geral – se aproximando das taxas de câncer de colo de útero em mulheres antes da existência do exame preventivo Papanicolau.

No subgrupo de gays com HIV, a taxa de lesões pré-cancerosas anais é quase o dobro dos soronegativos, sendo portanto o HIV um fator de risco para o câncer – como foi reconhecido pelo próprio Ministério da Saúde no caso das mulheres.

Daí o fato de que, para gays com ou sem HIV, a vacinação possa ser custo-efetiva.

No entanto, os homens héteros também têm sido atingidos por câncer. Estudos têm mostrado um aumento das taxas de câncer de boca e de garganta relacionado ao HPV.
Giuliano não acredita, contudo, que vacinar somente os gays seja viável. "Muitas vezes, o rapaz não se sente confortável em revelar sua orientação sexual para o profissional da saúde, entre outras barreiras. Isso faz com que percamos a oportunidade de vaciná-lo no melhor momento, ou seja, quando menino".

Arthur Reingold, pesquisador americano, concorda que o preconceito em relação a homossexualidade tornaria difícil na prática a vacinação seletiva. "O melhor seria vacinar todos os meninos". Defende, porém, que estudos de custo-efetividade sejam realizados antes de qualquer decisão.

Villa destacou que o efeito indireto sobre os homens héteros depende de uma alta cobertura feminina com vacinação, o que nem sempre é obtido – o que apoiaria a tese da vacinação masculina. Reingold se opôs ao argumento: "Para a imunidade coletiva, melhor uma boa cobertura das meninas que uma cobertura ruim de ambos os sexos".

Cenário internacional

As crescentes evidências do benefício masculino vêm sendo incorporadas de forma heterogênea. Austrália, Áustria e Canadá já vacinam todos os meninos. Os Estados Unidos, além de recomendar a vacinação universal de adolescentes, ampliaram para 26 anos no caso de gays ou portadores do HIV.

No Reino Unido, o Comitê Britânico de Imunizações publicou uma declaração provisória em novembro passado afirmando que vacinar gays entre 16 e 40 anos seria custo-efetivo e recomendou que as autoridades estudassem a medida. Nos últimos dois anos, a ampliação tem sido defendida por setores da comunidade acadêmica e o debate tem estado presente na mídia britânica.

Ministério da Saúde: "não vamos estender para homens"

Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, apresentou no evento a experiência nacional com a vacinação contra HPV. Segundo ela, um terço do orçamento em vacinas está sendo gasto somente com a de HPV. Enquanto que a primeira dose foi um sucesso, na segunda dose foram vacinadas somente 60% das meninas. "Relatos mal apurados sobre efeitos colaterais na mídia e redes sociais comprometeram a campanha. A vacina é segura."
Como a imunização masculina vinha sendo discutida durante o congresso, Carla adiantou-se em explicar por que os meninos não receberiam a vacina, repetindo o argumento do site: "Os homens serão protegidos indiretamente".

Quando questionada sobre os homens excluídos do benefício indireto, e sobre se estavam sendo realizados estudos de custo-efetividade para os gays, respondeu: "Reconhecemos que a demanda é justa e baseada em dados científicos, mas não vamos estender para outros grupos enquanto não resolvermos a população feminina".
O ativista Leo Mendes, da Articulação Brasileira de Gays, criticou a postura. "Precisamos da proteção da vacina. O gay tem doença anal, de difícil visualização e tratamento. Sabem de nossa vulnerabilidade, da nossa epidemiologia, mas, mesmo assim, as políticas de saúde para gays estão sempre atrasadas."

Vacinação para homens com HIV

Em relação a vacinação de homens com HIV, Adele Benzaken, diretora adjunta do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, declarou: "Enviamos ao PNI a proposta, junto com estudos, para a vacinação tanto de homens como de mulheres com HIV, mas foi aceito somente a das mulheres."
O médico Roberto José de Carvalho Silva, do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids do estado de São Paulo, na capital, afirmou: "Nós entendemos que os homens com HIV também merecem a vacina, mas dependemos das decisões do Ministério da Saúde".

A faixa etária da vacina foi recentemente ampliada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para até 45 anos. Sobre uma possível inclusão de mulheres com HIV até essa idade, Domingues respondeu: "É possível que ocorra. A Anvisa não havia mudado a faixa etária quando decidimos sobre a vacina para mulheres com HIV".

Henrique Contreiras, médico sanitarista e colaborador da Agência de Notícias da Aids (henrique@agenciaaids.com.br)