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"O que aconteceu com seu rosto? Acidente de carro? Não, foi só acne mesmo"

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Melissa Matos*

Depoimento ao UOL

18/09/2015 06h00

Eu não tenho fotos minhas dos 10 aos 15 anos. Não tirava muitas fotos, e as que tirei, rasguei. Nunca gostei da minha imagem. Comecei a ter acne com 10 anos, ano em que fiquei menstruada pela primeira vez. E, para mim, essa foi uma mudança muito maior do que só ter "virado mocinha".

Aos 11, meu rosto já estava completamente coberto de espinhas, cravos, mas também nódulos e cistos. Não havia muito rosto ali. Tomei todos os remédios que são receitados para acne --loções, cremes, e até alguns comprimidos que eram bem duros de engolir. E nada fazia efeito. Não faltaram os muitos conselhos geniais, daquelas pessoas que sempre têm uma solução milagrosa à mão: água de arroz, pasta de dente e até xixi... Confesso que tentei quase tudo isso, tamanho era meu desespero em me livrar “daquilo”.

Nessa época, eu era chamada de "chokito" na escola. Não tinha muita coragem de olhar nos olhos das pessoas porque eu sabia que elas veriam, antes de qualquer coisa, aquelas espinhas nojentas na minha cara. Sim, eu também as achava nojentas. Mas não sabia como tirá-las de mim.

E tinha que ser justo no rosto? Por que elas aparecem onde não dá para esconder? Sempre me perguntei isso. Muita gente tem espinhas nas costas, eu não tinha. Só no rosto. Só no “cartão postal” de qualquer pessoa. Também usava o cabelo comprido, caído sobre o rosto. Valia qualquer tentativa, ingênua que fosse, de esconder o que era impossível de ocultar.

Comecei a usar muita maquiagem para tentar disfarçar as espinhas. Só hoje percebo o quanto isso destacava “aquilo” ainda mais. Naquela época, em 1994, não existiam (ou eu não tinha acesso a -- o que, para uma adolescente desiludida, era a mesma coisa) BB Cream, base, primer e todas essas maquiagens que hoje são tão comuns nos tutoriais em vídeo de blogueiras.

O que eu fazia então? “Tacava” um monte de base, pó e corretivo para tirar o vermelho. Era a única menina de 12 anos a sair maquiada desse jeito na rua. Ainda mais em Pindamonhangaba, cidade de 200 mil habitantes, no interior de São Paulo, onde eu cresci.

Quando eu cheguei aos 13 com o quadro só piorando, meus pais decidiram me levar a uma dermatologista em São José dos Campos, a 60 km de casa, já que as da cidade e da cidade vizinha, Taubaté, não conseguiam combater a minha acne. A médica resolveu me receitar a isotretinoína. Como eu era muito jovem, os médicos tinham receio de me prescrever o remédio, mesmo ele sendo indicado para casos como o meu havia mais de 16 anos.

Mas havia uma ressalva. Eu teria que tomar anticoncepcional enquanto usava essa medicação, pois não poderia ficar grávida – já que esse remédio pode provocar má formação para o bebê. Eu tinha 13 anos e nunca tinha sequer dado um beijo na boca! Quem iria querer beijar uma menina com aquele rosto? Eu realmente me sentia a pessoa mais repulsiva do mundo.

As marcas que não cicatrizam

Em dois anos, minhas espinhas tinham sarado totalmente, mas, em seu lugar, ficaram cicatrizes. Marcas que não me deixam esquecer todos os dias do que foi ter acne por cinco anos da minha vida.

Meu apelido passou a ser então “deformada”. Não tinha mais as espinhas, mas os buracos estavam em todo o meu rosto. A pergunta que eu mais ouço é: “Mas o que aconteceu com o seu rosto?” Já me perguntaram se foi acidente de carro ou queimadura. E não faltam aqueles que me culpam: “Ah, mas você cutucava!”

Não! Eu dormia, e isso já era suficiente para estourar várias espinhas. Muitas eram internas, que deixam marcas. Também não comia muito chocolate ou açúcar ou gordura. Tudo isso ajuda, mas para casos de acne severa como o meu, a genética é o fator principal.

Então, quando eu tinha 16 anos, consegui convencer meus pais a fazer um peeling a laser de CO2. A médica disse que o tratamento melhoraria 90% das minhas cicatrizes, já que ele destroi as camadas superficiais da pele. Enfim, eu iria ter o rosto liso, mais parecido com o de qualquer pessoa!

O tratamento é feito com anestesia geral, depois você fica uma semana com películas no rosto, já que ele está em “carne viva”. Quando eu tirei a película, após os mais longos sete dias da minha vida meu rosto estava.... igual. Acho que foi a maior decepção que sofri na vida. Para você pode parecer bobagem, mas eu só queria parecer com qualquer pessoa.

Quando vim para São Paulo fazer faculdade, em 2004, guardei meus R$ 500 de salário –já tinha meu primeiro emprego--, para pagar mais tratamentos para o rosto. O médico me disse com todas as letras que o que viesse era lucro. Em 2004, fiz oito sessões, quatro de R$ 600, quatro de R$ 800, no total de R$ 1400 reais por mês. Juntei todo o meu dinheiro para tentar ter uma aparência melhor. Isso não é vaidade ou estética, é autoestima. É o tratamento de uma doença.

Os procedimentos não fizeram muita diferença no meu rosto e resolvi aceitar que essa era eu. Faço terapia há 8 anos, também para, quem sabe um dia, parar de brigar com meu rosto. Por muitos anos, achei que ninguém poderia gostar de mim por causa dele. Por muitos anos, achei que ninguém poderia me achar bonita, me desejar. Ainda hoje, quando me olho no espelho, vejo um monte de marcas e cicatrizes com olhos castanhos, um cabelo comprido, nariz e boca.

Já consigo até aparecer em vídeos (que preciso fazer para meu trabalho como jornalista), mas choro quando leio comentários que falam do meu rosto. Já consigo sair na rua sem maquiagem e mostrar para todo mundo como é meu rosto de verdade. Mas não consigo, e não sei se um dia vou conseguir, ver uma foto e me achar bonita, digna de receber esse elogio de alguém.

*Melissa Matos é um pseudônimo