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Sabia que uma em cada 200 pessoas tem colesterol alto por herança genética?

A austríaca Gabriele Hanauer-Mader, presidente da Organização de Pacientes Austríacos com HF, tem uma filha com a doença e só descobriu depois que o marido morreu de um ataque cardíaco aos 33 anos - From the heart/Youtube/Reprodução
A austríaca Gabriele Hanauer-Mader, presidente da Organização de Pacientes Austríacos com HF, tem uma filha com a doença e só descobriu depois que o marido morreu de um ataque cardíaco aos 33 anos Imagem: From the heart/Youtube/Reprodução

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em Londres*

22/09/2015 06h00

Ter as taxas de colesterol nas alturas pode não estar relacionado apenas com a falta de hábitos de vida saudáveis. Mesmo “andando na linha”, uma parcela da população tem níveis altos de LDL, o colesterol ruim, no sangue e está exposta a sofrer problemas cardiovasculares precocemente, como acidente vascular cerebral (AVC) e infarto. Isso porque ter o “colesterol alto”, como é dito popularmente, também pode indicar a presença de uma doença genética: a hipercolesterolemia familiar - ou HF. E ela não é rara.

Estima-se que 1 pessoa entre 200 e 500 pessoas sofram da doença - segundo estudo publicado em 2013 no European Heart Journal e relatório publicado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1998. Nesse cenário, entre 14 a 34 milhões de pessoas teriam a doença no mundo, mas menos de 1% desses casos são diagnosticados.

Não há estudos no Brasil sobre o assunto, mas, baseados na medição feita em outros países, especialistas afirmam que a prevalência da doença aqui é de uma pessoa a cada 200 habitantes, a mesma proporção da epilepsia.

A filha da austríaca Gabriele Hanauer-Mader, hoje presidente da Organização de Pacientes Austríacos com HF, tinha dois anos quando foi diagnosticada com a enfermidade. Gabriele conta que resolveu levar a criança ao pediatra logo após o marido morrer de um ataque cardíaco aos 33 anos. “Eu não sabia nada sobre a doença, mas tive um ‘feeling’ depois da morte do meu marido e resolvi levar a minha filha ao médico”, conta. Ela disse ter ficado em choque ao ver que a taxa de LDL estava acima de  400 mg/dl de sangue. Nessa faixa etária, a criança deve ter um nível de cerca de 50 mg/dl de LDL no sangue.

O diagnóstico veio em seguida. Ligando os pontos, o profissional verificou que a menina sofria da doença genética que teria sido a causa do ataque cardíaco sofrido pelo pai dela. “Como descobrimos cedo, começamos um tratamento com uso de estatinas (tipo de medicamento usado para controlar os níveis de colesterol) e hoje, com 15 anos, ela é uma menina saudável, que adora praticar esportes e temos 100% de certeza de que ela não vai morrer de um infarto”, diz Gabriele.

Diagnóstico precoce é sinônimo de longevidade

O problema é que, na maioria das vezes, não se descobre a doença precocemente, então, o colesterol (um tipo de gordura produzido em nosso organismo) vai se depositando nas artérias e quando menos se espera a doença cardiovascular se manifesta. “A primeira manifestação já é o infarto. O HF é uma doença silenciosa que mata e bastante precocemente”, afirma o cardiologista Marcelo Betolani, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Por isso, segundo ele, é tão importante que o médico faça o chamado rastreamento em cascata a partir do paciente com hipercolesterolomia familiar, ou seja, investigue todos os parentes de primeiro grau, principalmente porque crianças e adolescentes não costumam ter as taxas de colesterol controladas.

Outro sinal de HF pode estar na formação de xantomas (depósitos de gordura na pele na região dos cotovelos, joelhos e tendões) e xantelasmas (bolsas amareladas e salientes nas pálpebras, que funcionam como depósitos de colesterol). “Por isso, durante a consulta, o médico não deve apenas avaliar os níveis de colesterol. Ele precisa estar atento a possíveis xantomas e xantelasmas, ao histórico familiar, além dos hábitos de vida do paciente. É através dessas informações que ele vai saber se se trata de um paciente com essa alteração genética, pois o diagnóstico é clínico”, conta cardiologista Marcelo Lima, diretor médico do laboratório Amgen.

Segundo o presidente do departamento de aterosclerose da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), José Rocha Farias, também professor titular da PUC-PR, apesar de esse diagnóstico ser clínico, muitos médicos não estão por dentro das diretrizes estabelecidas sobre a doença – no Brasil, a SBC publicou um documento informando aos médicos sobre a condição em 2012.

“Os pacientes são tratados, porque toda pessoa que chega a um consultório com o LDL muito alto precisa ser tratada. Mas, o médico não reconhece que aquele colesterol na verdade é um problema que vem da família e perde a grande oportunidade de rastrear familiares e evitar que eles também tenham problemas cardiovasculares precocemente”, diz.

Como é a alteração genética

A doença é causada por uma alteração no gene localizado no cromossomo 19. Se um pai ou uma mãe tem essa mutação, existe 50% de chance de passar o “defeito” para os filhos. “Nós temos a metade dos genes do nosso pai e a outra metade da nossa mãe. Se a pessoa der o azar de ter herdado essa mutação dos dois genitores, ela tem uma doença chamada HF homozigoto. Nesses casos, a pessoa vive, em geral, até os 20 anos de idade e tem um LDL que pode atingir 1.500 mg/dl de sangue. A partir dos 10 anos de idade já tem a necessidade de fazer cirurgias de revascularização e até os 20 pode morrer de um AVC ou um infarto”, conta o professor do departamento de cardiologia da Unicamp, André Sposito, que há 20 anos estuda a doença.

Ele explica, no entanto, que a forma homozigótica da doença é bastante rara, atingindo 1 em cada 1 milhão de pessoas. “A forma mais comum é a heterozigótica, quando um dois genitores passa a alteração para o filho”, conta. 

*  A jornalista viajou para o Congresso Europeu de Cardiologia a convite do laboratório Amgen