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Pesquisador diz que pílula anticâncer foi testada em pessoas; hospital nega

Do UOL, em São Paulo

29/10/2015 19h53

Gilberto Chierice, principal pesquisador da "pílula do câncer" da USP (Universidade de São Paulo) São Carlos, disse que a fosfoetanolamina sintética foi testada em humanos pelo hospital Amaral Carvalho de Jaú, cidade no interior paulista, seguindo regras do Ministério da Saúde. Ele diz não ter documentos da pesquisa, que estariam com o hospital. Procurados pelo UOL, tanto o hospital quanto o ministério afirmaram desconhecer qualquer teste clínico com a substância.

O professor de química aposentado deu a declaração durante audiência pública nas comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, que reuniu pesquisadores da droga, médicos, pacientes e parlamentares. Todos defenderam testes clínicos para confirmar a segurança e a eficácia da substância e liberar a distribuição. O médico Renato Meneguelo chegou a ajoelhar-se no chão pedindo estudos com a substância.

O Ministério da Saúde anunciou que irá criar um grupo de trabalho para apoiar os estudos clínicos e a produção da fosfoetanolamina. "Estamos colocando à disposição do professor responsável pela síntese dessa molécula a possibilidade de submeter à fosfoetanolamina a todos os protocolos para verificar se a substância é ou não eficaz e por fim a essa celeuma. Por isso, a recomendação do Ministério da Saúde é que as pessoas não façam uso dessa substância até que os estudos sejam concluídos", orienta o ministro da Saúde.

Por meio de sua assessoria, o ministério disse que vai criar um grupo de trabalho agora, o que mostra que não há qualquer registro anterior de estudo da substância.

Histórias desencontradas

“Esse trabalho começou com uma instituição chamada Amaral Carvalho de Jaú. (...) As pessoas foram testadas não pelas regras da Anvisa, mas nas regras do Ministério da Saúde. Isso está documentado, apenas não existe um foro para registrar isso", afirmou Chierice, que acrescentou: "é uma complicação muito séria, o hospital nos usou como trampolim e deixou acabar. Eu não tenho um dado clínico dessas pesquisas, mas tem um monte de gente que tomou. (...) O que estou pedindo não é nada para ninguém, é provar que não funciona".

Em e-mail enviado ao UOL, o hospital afirmou que "não existem registros oficiais no Hospital Amaral Carvalho da realização de testes em seres humanos portadores de câncer com a substância fostoetanolamina. A instituição não irá se pronunciar sobre o assunto".

Segundo o pesquisador, foram feitas várias etapas da pesquisa, que seguem regras gerais do Ministério da Saúde, para atestar a toxicidade da droga (o quanto ela pode fazer mal), mas que "por outros interesses, esse convênio não foi terminado".

Chierice disse que o convênio foi de 1995 a 2000, e que depois disso, os pacientes passaram a pegar a substância diretamente em São Carlos. "Isso cresce de uma maneira às vezes incontrolável, mas nós nunca nos inserimos na área médica porque todas as recomendações vinham do hospital de Jaú. [...] Eu não faço exercício ilegal da medicina, tenho 80 teses defendidas, sou reconhecido, eu não seria tão tolo ou infantil de fazer o exercício legal da medicina."

"A universidade cancelou o que eu tinha há 25 anos porque o hospital transferiu a responsabilidade para mim. As pílulas do Gilberto nunca existiram, deveria ser as pílulas do Amaral Carvalho. Pessoas dizem que a universidade está sendo onerada. A universidade nunca colocou um centavo na pesquisa. Colocamos dinheiro do nosso bolso para fazer as pílulas, que são tão caras que dá para pagar com o nosso salário. Nós fizemos isso durante 25 anos e hoje, com as liminares, nós financiamos também. Nós levamos a substância, as pastilhas e todo o material para a USP doar ou reclamar que doa."

A USP diz que não vai se pronunciar sobre o caso, mas em nota afirmou que: "a substância fosfoetanolamina foi estudada de forma independente pelo Prof. Dr. Gilberto Orivaldo Chierice. (...) Chegou ao conhecimento do IQSC que algumas pessoas tiveram acesso à fosfoetanolamina produzida pelo citado docente (e por ele doada, em ato oriundo de decisão pessoal) e a utilizaram para fins medicamentosos".

Sobre a distribuição atual, mediante liminar na Justiça, a nota diz: "em caráter excepcional, o IQSC está produzindo e fornecendo a fosfoetanolamina em atendimento a demandas judiciais individuais".

Entenda

Após uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a suspensão da distribuição das cápsulas para quem conseguisse liminar na Justiça, o que obrigou a USP a voltar a produzir e distribuir a fosfoetanolamina sintética. Com isso, mais de 700 liminares foram expedidas e o IQSC ficou sobrecarregado. A USP pede na Justiça a suspensão da entrega das cápsulas.

Oncologistas, a USP, o ICQS e os próprios pesquisadores alertam que a substância nunca foi testada em humanos, o que a inviabiliza como remédio. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável por registrar e permitir o comércio de qualquer medicamento no país, diz que a distribuição da droga é ilegal por nunca ter passado por testes clínicos.