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Suspender tratamento como Charlie Sheen pode deixar HIV mais resistente

Do UOL, em São Paulo

13/01/2016 17h06

Pacientes portadores do vírus HIV que suspendem o uso dos antiretrovirais podem provocar uma aceleração do curso natural da doença. Mesmo a interrupção temporária do tratamento não é indicada por médicos, que afirmam que o vírus pode se tornar resistente aos remédios quando o uso não é feito da forma indicada.

O ator Charlie Sheen, que recentemente revelou ser portador do vírus, disse em entrevista que suspendeu a medicação temporariamente e buscou um tratamento alternativo no México.

"Vai haver efeito a curto, médio, ou longo prazo, com retorno da replicação viral", diz Marcos Tadeu Nolasco da Silva, professor da faculdade de ciência médica da Unicamp e responsável pela área de Crianças e Adolescentes Infectados por HIV da instituição.

O efeito direto da interrupção do tratamento é a multiplicação do vírus HIV, que ataca as células de defesa do organismo. Assim, a suspensão pode levar ao enfraquecimento do sistema imunológico do paciente."[Com a interrupção], ocorre a perda de controle do vírus, a piora da defesa do corpo, o indivíduo desenvolve aids e pode morrer", afirma Esper Kallas, médico infectologista e imunologista da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Para Kallas, o uso da medicação deve continuar para evitar que o vírus volte a se multiplicar pelo organismo. O argumento principal é de que a suspensão do tratamento traria o risco de tornar mais fácil o contágio. Segundo ele, o vírus pode voltar a ser detectado no organismo de 10 a 14 dias após a suspensão do uso de medicamentos.

"O uso dos medicamentos faz com que caia enormemente a transmissão para terceiros. Não é só um benefício individual, é benefício para a saúde pública como um todo", diz.

Aids é diferente de ter HIV

O médico explica que ser portador do vírus HIV não é o mesmo que ter aids. "A pessoa pode ter o vírus detectável, mas não ter desenvolvido sintomas. Já a aids é a presença das doenças oportunistas ou a queda da defesa em nível crítico", diz.

Paralisações temporárias, como a que Charlie Sheen diz ter adotado, e o uso indisciplinado dos medicamentos também recebem críticas dos especialistas, que afirmam que a prática pode promover uma seleção dos vírus mais resistentes.

"Essa seleção de variantes resistentes ocorre principalmente quando não se utiliza de forma disciplinada os remédios", diz Nolasco. "A grande batalha [de médicos que tratam pacientes com HIV] é ajudar o paciente a ter adesão ao tratamento", diz ele.

Segundo os médicos, quem faz tratamento correto leva uma vida normal e de boa qualidade, podendo ter expectativa de vida semelhante a da média da população.

"Lamento a declaração de Charlie Sheen, pois esse recado pode repercutir para jovens que estejam em vulnerabilidade e influenciar suas decisões", completa o professor da Unicamp.

Os médicos também afirmam que tratamentos alternativos, mencionados por Charlie Sheen, não tem credibilidade científica e não são testados em estudos clínicos rigorosos, como ocorre com antirretrovirais. "Infelizmente, esses métodos acabam ganhando destaque pegando carona em declarações de celebridades", completa Nolasco. 

Suspensão já foi estudada

A suspensão do uso de medicamentos já foi testada em diversos estudos para avaliar o quanto o organismo poderia dar conta do vírus sem o auxílio de remédios. O uso disciplinado dos antirretrovirais por portadores de HIV reduz a carga viral e possibilita manter o nível de células CD4 - responsável pela defesa do organismo que é atacada pelo HIV - em número elevado.

Contudo, segundo os médicos, a orientação que hoje prevalece é a de não suspender o tratamento mesmo quando há acompanhamento médico e a carga viral do paciente é indetectável.