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Por que o Brasil não consegue se livrar de novo do mosquito Aedes aegypti?

Guerra ao mosquito "Aedes aegypti" tem se tornado cada vez mais difícil  - Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Guerra ao mosquito 'Aedes aegypti' tem se tornado cada vez mais difícil Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

02/02/2016 06h00

O mosquito Aedes aegypti, transmissor do zika, foi eleito o “inimigo número um do Brasil”, segundo o ministro da saúde Marcelo Castro. No entanto, após erradicar por duas vezes o mosquito, o país não consegue mais se livrar do vetor de ao menos mais três doenças: dengue, chikungunya e febre amarela. A razão do Brasil ter conseguido eliminar o mosquito com menos tecnologias não é simples. Sim, houve um relaxamento no combate, mas outros fatores pesam para o Aedes escapar das nossas mãos – neste caso, literalmente.

A ameaça amarela

O combate ao mosquito foi primeiramente realizado no início do século passado contra o então avanço da febre amarela no Brasil. À época, Oswaldo Cruz comandou uma campanha contra o Aedes. Mas, só em 1958 a OMS (Organização Mundial de Saúde) considerou o inseto erradicado do Brasil. 

A ação foi realizada em quase todo o continente americano com sucesso. As poucas exceções, contudo, foram preponderantes para a volta do mosquito.

“Perdemos a guerra para nós mesmos. Contra o Aedes, ganhamos na década de 50, quando foi considerado extinto. Ele não é um bicho nosso, é exótico. Por não ser um bicho nosso, foi possível erradicá-lo na década de 50, menos no sul dos Estados Unidos e algumas pequenas ilhas do Caribe. Não deu outra: em 67, ele entrou no Belém do Pará e em outros países”, explicou o professor José Carvalheiro, do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo), em participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite da última segunda (1°).

Realmente o mosquito voltou a assombrar o Brasil nos anos 60, mas novamente a batalha foi vencida – em 1973, novamente a OMS declarava o Brasil livre do inseto. Daí em diante a situação nunca foi controlada.

Fumacê Aedes - Betina Carcuchinski/PMPA - Betina Carcuchinski/PMPA
O famoso "fumacê" não é mais tão eficaz como antigamente
Imagem: Betina Carcuchinski/PMPA

O Mosquito Contra-Ataca

O retorno do mosquito ao Brasil passa por duas razões principais. Uma é que houve um relaxamento tanto governamental quanto da população em relação ao inseto. Por muito tempo, não se combateu o Aedes como se deveria – não à toa, o país completa em 2016 uma data significativa: 30 anos de epidemias sucessivas de dengue. Outra razão para a volta do inseto ao território nacional é uma resistência cada vez maior do mosquito ao combate. Sim, atualmente ele é até mais capaz de escapar das suas mãos.

“Hoje em dia não podemos usar os defensivos de antigamente porque se mostraram tóxicos- DDT não se usa mais. Existem outros, menos tóxicos, mas talvez não tão eficazes. O mosquito hoje é mais difícil de matar, por uma seleção natural ele consegue fugir mais, é mais rápido", relatou Jorge Kalil, diretor do Instituto Butantan.

O Aedes também tornou-se mais flexível e resistente, e hoje vive também em temperaturas mais amenas --não apenas em locais quentes-- e pode se reproduzir em águas não tão limpas, explicou o pesquisador. 

São somadas a isso novas doenças que ele é capaz de transmitir – além das já citadas, também é vetor da febre do Nilo ocidental, (ainda) inexistente no Brasil.

A alta urbanização do Brasil nas últimas décadas também ajudou e muito o inseto, tanto para a sua reprodução quanto para a transmissão de doenças em regiões com maior população.

Água - aedes - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Fornecimento de água corrente para a população seria estratégia eficaz a longo prazo contra Aedes
Imagem: Beto Macário/UOL

Qual o foco?

Em meio ao combate, uma discussão ronda os meios científicos: o que é melhor, erradicar o mosquito ou manter a população do inseto controlada? Um terceiro viés surge em meio a essas teorias: o combate não deve ser ao mosquito, mas sim aos criadouros, afirma a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). O foco a longo prazo deveria ser em ampliar o saneamento básico e acesso à água corrente para a população.

“A posição atual que defendo é a da Abrasco, de que está errado apostar na erradicação e controle dos mosquitos, tem que pensar na eliminação dos criadouros. Isso implica em abastecimento de água contínuo em todas as moradias do país e saneamento”, afirmou Carvalheiro.

Por enquanto, o Ministério da Saúde e secretarias manterão a mesma tendência: o apelo à sociedade para que se junte à luta. “Precisamos ganhar a guerra contra o inimigo número um do Brasil: o mosquito Aedes. O governo federal está fazendo o máximo esforço, como nunca foi feito, juntamente com a sociedade. Se juntarmos ministério, secretarias e a sociedade, ganharemos a batalha", disse Marcelo Castro, ministro da Saúde, durante a entrevista no Roda Viva.