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Brasil se omitiu na reunião da ONU sobre epidemia de HIV, dizem ativistas

Henrique Contreiras, colaborador da Agência Aids, de Durban

Da Agência de Notícias da Aids

17/07/2016 18h11

A epidemia de HIV está crescendo entre gays e bissexuais em todo o mundo. O fato se explica por falta de financiamento e ausência de políticas voltadas a esses grupos, o que pode piorar depois de vitória conservadora na ONU (Organização das Nações Unidas) em junho. O assunto foi discutido no encontro do Fórum Global de Homens que Fazem Sexo Com Homens (MSMGF, em inglês), que ocorreu nesse sábado (16), em Durban, na África do Sul.

O evento faz parte da programação preliminar da 21ª Conferência Internacional de Aids, que começa oficialmente nesta segunda (18). O MSMGF é uma organização de ativistas que representa internacionalmente os interesses de gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH, um termo amplamente usado na saúde e que inclui os que não se identificam como gays ou bissexuais).

Em 2014, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a defender que a epidemia jamais será controlada se não se concentrarem esforços nos grupos mais afetados, que desde então são chamados de populações-chave: gays e outros HSH, mulheres transexuais e travestis, usuários de drogas injetáveis, profissionais do sexo e população privada de liberdade.  No entanto, nada parece ter mudado desde então.

O americano Chris Beyrer, o primeiro homem abertamente gay a presidir a IAS (International Aids Society), que organiza o evento, declarou: "A epidemia está aumentando em gays e outros HSH em todo o mundo, com poucas exceções como São Francisco (Estados Unidos). Apenas seis países adotaram a profilaxia pré-exposição (PrEP), que foi o primeiro método preventivo biomédico inventado desde a camisinha".

A PrEP, que existe desde 2012, consiste no uso contínuo de medicação anti-HIV em caráter preventivo por pessoas que tenham alta chance de adquirir o vírus, sendo considerado uma estratégia fundamental para HSH e outras populações-chave.

George Ayala, coordenador do MSMGF, citou resultados de pesquisa feita pela organização em sete línguas. "Os HSH não acessam serviços de saúde, têm pouco acesso a camisinha ou lubrificantes. Vão menos a serviços de saúde porque são discriminados."

Para Ayala, "políticas contra o HIV genéricas, que não se dirijam especificamente às necessidades de HSH, não ajudam".

Argumentos econômicos

José António Izazola, coordenador do  Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids) no México, apresentou dados de recente pesquisa da organização. "O prejuízo global trazido pela homofobia em termos de perda de produtividade e em saúde é de 119 bilhões de dólares ao ano. Se não vamos convencer as autoridades pelos direitos humanos, vamos mostrar os argumentos econômicos", ressaltou.

"Do gasto internacional com HIV, somente 2% vão para a atividades de prevenção com populações-chave", afirmou Izazola (foto  à esquerda), mostrando que a priorização recomendada pela OMS está longe de ser uma realidade. E completa: "Muitos países não investiram nada em HSH. E quase 80% do gasto internacional foi feito por um pequeno grupo de 14 países". O Brasil está nesse grupo.

No entanto, é preciso muito cuidado com as estatísticas que os países apresentam sobre gays, segundo Sarah Davis, pesquisadora da escola de Direito da Universidade de Nova York.

"Os países apresentam dados que parecem objetivos, mas podem mascarar a realidade. Por exemplo, muitas vezes a população de gays é francamente subestimada, fazendo parecer que as poucas ações de saúde realizadas com o grupo estão alcançando a todos", disse Sarah, para quem as organizações LGBT devem fiscalizar as estatísticas oficiais de saúde.

Retrocesso político na ONU

Segundo o MSMGF, razões políticas e homofobia estão por trás do retrocesso em relação à epidemia entre gays e bissexuais, como ficou claro em junho, na Reunião de Alto Nível da ONU sobre HIV. O encontro teve como missão traçar as diretrizes internacionais para os próximos cinco anos.

Pouco antes da reunião, um grupo de países que incluía Egito, Rússia e Irã barrou a participação de 22 organizações não-governamentais (ONGs) LGBT, segundo dados do MSMGF. A embaixadora americana na ONU, Samantha Power, protestou em carta ao presidente da Assembleia Geral.

No entanto, os países conservadores conseguiram influenciar uma declaração final que foi considerada pelo MSMGF uma retumbante derrota para os LGBT.

Segundo o MSMGF noticiou, o rascunho inicial foi modificado de forma a excluir as populações-chave em uma visão "revisionista" da epidemia. "Não há nenhum compromisso com apoio e financiamento de serviços específicos para as populações-chave. Também não destaca as leis e políticas que nos estigmatizam nem a violência estrutural sancionada pelos Estados".

Ainda assim, Egito, Irã, Arábia Saudita, Sudão, Indonésia e Vaticano condenaram a menção explícita das populações-chave. Em contrapartida, vários países, incluindo Estados Unidos, os países da União Europeia, Argentina e El Salvador e Jamaica, e posicionaram a favor de esses grupos serem incluídos nas políticas nacionais de HIV.

O ativista Sergio López, da ONG paraguaia SomosGay e participante da Reunião pelo MSMGF afirmou: "A linguagem usada na declaração nos apresentou como vetores de disseminação da infecção. Não foram abordados as questões relativas aos nossos direitos e sua relação com a epidemia."

Omissão brasileira

Segundo o médico Fábio Mesquita, que renunciou em maio do cargo de diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, a delegação brasileira se omitiu em defender a postura original do documento em relação às populações-chave, o que pode ter feito diferença.

"O Brasil sempre foi líder na defesa dos direitos humanos nos fóruns internacionais de HIV. A própria existência deste Encontro de Alto Nível, que garante o comprometimento com a causa por parte do órgão máximo da ONU, a Assembleia Geral, deve muito à atuação brasileira", afirmou o ex-diretor.

Segundo Mesquita, a representatividade do país foi enfraquecida por opção dos novos dirigentes do Ministério da Saúde nomeados pelo presidente interino Michel Temer.

"Primeiro, recebemos uma ordem do secretário executivo do Ministério, Antônio Nardi, proibindo a participação do Departamento de Aids no Encontro. Depois de eu renunciar ao cargo e denunciar o fato, o novo ministro da Saúde Ricardo Barros voltou atrás. Mas enviou uma delegação muito fraca politicamente pois, em vez de privilegiar técnicos experientes, incluiu quatro deputados sem qualquer histórico na luta contra a aids. Isso comprometeu qualquer capacidade de influência brasileira na questão das populações-chave."

Segundo Mesquita, o governo Temer foi ainda mais longe no comprometimento dos direitos das populações-chave, ao congelar por seis meses todas as ações da secretaria de Direitos Humanos – que foi rebaixada da posição de ministério e passou a responder ao Ministério da Justiça.

O fotógrafo Marcelo Maia, brasileiro residente em Nova York e integrante do Act Up, importante grupo de ativismo em HIV, e de um coletivo de brasileiros chamado Defend Democracy in Brazil, que se posiciona contra o afastamento da presidenta Dilma Roussef, disse: "Denunciamos a fragilidade da delegação e protestamos em frente às Nações Unidas. Acredito que a falta de uma delegação de peso do Brasil fechou as portas para uma declaração mais progressista que incluísse as populações-chave.

O grupo levou cartazes com os dizeres "Cadê o Ministro da Saúde?" e "Temer, perigo para as políticas de HIV no Brasil".

Segundo publicou a assessoria de comunicação do Departamento de DST, HIV/Aids e Hepatites Virais, a delegação brasileira incluiu três representantes do departamento, incluindo a diretora Adele Benzaken, que destacou os compromissos assumidos pelo Brasil perante a OMS, como o tratamento bem-sucedido (ou seja, que mantém o vírus suprimido) em 90% dos que tomam a medicação anti-HIV. Ainda segundo a assessoria,  o embaixador do Brasil na ONU afirmou em discurso no último dia do evento que "a reunião realizada em Nova York entrará para a história por focar nas populações-chave, que são aliadas fundamentais na resposta ao HIV/aids".

A Agência de Notícias da Aids cobre a 21ª Conferência Internacional de Aids, em Durban (África do Sul), com apoio do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, da DKT do Brasil e da Jansen Farmacêutica.