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Pacientes reclamam de falta de insulina na PB e improvisam com "vaquinha"

Leonardo Ângelo, 19, que tem diabetes tipo 1, toma insulina há seis anos e reclama da escassez de seu remédio na Paraíba - Colaboração para o UOL
Leonardo Ângelo, 19, que tem diabetes tipo 1, toma insulina há seis anos e reclama da escassez de seu remédio na Paraíba Imagem: Colaboração para o UOL

Colaboração para o UOL, em João Pessoa

18/04/2017 04h00

Há mais de dez anos, a dona de casa Marta Costa* (nome fictício) foi diagnosticada com diabetes tipo 1 e desde então precisa tomar doses diárias de insulina. Foi orientada pelo médico a procurar a Secretaria Estadual da Saúde da Paraíba (SES-PB) para receber o medicamento. Após meses, conseguiu ser inserida na lista de usuários.

Só que os problemas de Marta não acabaram aí: a falta de insulina é um problema constante no Estado, onde os pacientes passam dois, três e às vezes até seis meses à espera do remédio de uso contínuo.

A reportagem esteve na central de distribuição, em João Pessoa, cinco vezes entre novembro de 2016 e março deste ano. Em pelo menos quatro ocasiões a insulina estava em falta. 

Segundo usuários, a insulina Novorapid, uma das mais procuradas, passou mais de seis meses em falta nas prateleiras da secretaria. Diante de uma situação assim, alguns usuários fazem “vaquinha” entre amigos e familiares para arrecadar o dinheiro necessário para a compra do medicamento por conta própria. 

A pensionista Maria Barbosa toma insulina Lantus e Novorapid há sete anos, quando descobriu os altos índices de glicose no sangue. Perdeu as contas de quantas vezes saiu da secretaria sem nada nas mãos. Quando a insulina entra em falta, o bolso aperta.

“É uma situação que a gente pede a Deus para nos ajudar. Aí eu começo a pedir ajuda a filho, irmão. É um sufoco, ninguém quer fazer ‘vaquinha’ para comprar a insulina, mas infelizmente não nos resta outra solução. Eu já tenho outro remédio de R$ 170 para comprar todo mês, acabo ficando praticamente sem nada”, diz.

Maria Barbosa - Colaboração para o UOL - Colaboração para o UOL
A pensionista Maria Barbosa toma insulina há sete anos
Imagem: Colaboração para o UOL
“Sempre que falta eu faço campanha nos meus grupos de WhatsApp, é a única saída”, afirmou uma usuária que tem diabetes tipo 1 e depende de insulina pelo resto da vida. “Não tenho como parar um mês, 15 dias, nem 10 dias que seja”, destacou.

A aposentada Maria Cícera da Silva vai buscar a insulina para o marido, o também aposentado Benedito Joaquim, 82. Fica angustiada quando falta. Segundo ela, não sobra dinheiro no orçamento para comprar insulina. O paciente acaba apelando para a solidariedade de familiares e amigos. “Graças a Deus que este mês [abril] a gente recebeu, mas, quando não tem, bate logo aquele desespero. Ele não pode parar de tomar, o médico já disse”, conta.

Maria Cícera - Colaboração para o UOL - Colaboração para o UOL
Maria Cícera da Silva se angustia quando não consegue insulina para o marido
Imagem: Colaboração para o UOL
A aposentada Ivone de Fátima enfrenta o mesmo sufoco há cinco anos, desde que foi diagnosticada com diabetes tipo 2. Diariamente, toma três doses de insulina Lantus e da Novorapid, conjuntamente. O recebimento do medicamento de uso contínuo é uma incerteza para ela e tantos outros usuários do SUS. “Quando não chega, eu tenho que comprar e pesa no bolso. A minha sorte é porque meus filhos me ajudam”, afirma Ivone. Na farmácia comercial, a Novorapid custa em média R$ 70, e a Lantus não sai por menos de R$ 120. 

Essa incerteza causa angústia na aposentada, que sofre com outros problemas de saúde. Ela reclamou também da falta de informações no Núcleo de Assistência Farmacêutica, onde, segundo ela, o telefone parece estar sempre ocupado. “Ninguém atende, aí a gente tem que se deslocar até o local para saber se chegou a insulina. Na semana passada, o meu marido passou por lá e viu a movimentação, foi assim que fiquei sabendo que o medicamento havia chegado”, explicou. 

O estudante Leonardo Ângelo, 19, tem diabetes tipo 1 e toma insulina há seis anos. Na terça-feira (11), ele foi ao Núcleo de Assistência Farmacêutica na esperança de receber o medicamento. Antes disso, ele e os pais já tinham ido ao local outras quatro vezes desde janeiro deste ano e voltaram de mãos vazias. Na tentativa de hoje, ele conseguiu. Saiu do núcleo com a caixa de isopor e as quatro caixas de insulina Lantus, quantidade suficiente para um mês. 

“Na semana passada, eu quase passei mal porque não tinha recebido ainda a insulina. Ainda bem que chegou aqui na secretaria. Quando falta, a médica me passa uma receita com uma insulina alternativa, mas às vezes o prazo da receita expira e meus pais precisam comprar a Lantus”, explicou o jovem. 

Caixas e caneta da insulina de paciente com diabetes - Colaboração para o UOL - Colaboração para o UOL
Imagem: Colaboração para o UOL

Secretaria nega que falte o remédio

Em resposta, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) negou que haja falta constante de insulinas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Paraíba. Conforme a secretaria, as insulinas humanas (NPH e Regular), que compõem a Relação Nacional de Medicamentos (Rename), têm abastecimento contínuo, estão disponíveis em todos os municípios e também na conveniada da Rede Farmácia Popular do Brasil. O Estado gasta cerca de R$ 20 milhões ao ano para aquisição de insulinas, sem incluir os custos com o armazenamento. 

Uma ação civil pública, vigente desde 2007, garante o fornecimento das insulinas análogas (Glargina, Lispro e Asparte) aos pacientes pelo governo do Estado, na Paraíba. O custo do tratamento, segundo a secretaria, é exclusivo da gestão estadual, sem qualquer contrapartida do governo federal. 

Para receber a insulina análoga, os pacientes precisam comprovar que precisam fazer uso da nova tecnologia. O custo da insulina análoga pode chegar a ser 30 vezes mais cara que a insulina humana, “portanto, deve ser restrita a usuários que possuem características específicas, cujo tratamento de primeira linha não se demonstrou efetivo”. 

Ainda de acordo com a SES, nos últimos cinco anos, o número de usuários que passou a utilizar a insulina análoga teve um crescimento de 136%. Segundo a secretaria, tal crescimento não acompanha a evolução da arrecadação e volumes financeiros destinados ao custeio dos tratamentos. 

Suspeita de fraude 

Ao mesmo tempo que reclamam da falta constante de insulina, os usuários se queixam de que no Núcleo de Assistência Farmacêutica servidores relatavam uma possível tentativa de fraude. “Eles desconfiam que alguns pacientes estariam vendendo a insulina, mas não acredito que alguém passaria por tanta humilhação para isso”, declarou uma usuária que não quis ser identificada. 

Sobre o assunto, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) disse que não existe nenhuma suspeita de fraude com relação a qualquer procedimento relacionado à secretaria e ao próprio Núcleo de Assistência Farmacêutica, no entanto, explicou que, para este ano, está solicitando que os usuários levem as canetas de insulina utilizadas no mês anterior. Seria uma forma de comprovar a utilização e garantir as próximas dispensações. Segundo a secretaria, a medida foi adotada para garantir que todos os usuários recebam os medicamentos dos quais necessitam.

Paciente não pode ficar sem o remédio 

O médico cardiologista Valério Vasconcelos explicou que um paciente diagnosticado com diabetes não pode parar de tomar a insulina. "A interrupção poderia levar rapidamente a cetoacidose diabética, desidratação grave, distúrbios dos eletrólitos, emagrecimento e, com o passar dos dias, à morte."

Segundo ele, se o paciente for criança, é possível ainda perceber uma queda no rendimento escolar. 

Já nos idosos, segundo o médico, "há maior chance dos pacientes apresentarem doenças macro e microvasculares, depressão e alterações cognitivas". 

Ele ressalta também que a diabetes é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, como infarto, AVC (acidente vascular cerebral) e entupimento das artérias.

* A reportagem alterou o nome da personagem a pedido da entrevistada.