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MP recomenda que Saúde suspenda compra e uso de remédio chinês de leucemia

Clayton Freitas

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/06/2017 12h10

O MPF (Ministério Público Federal) enviou uma recomendação ao Ministério da Saúde para que o órgão suspenda a compra e a distribuição de um medicamento chinês usado no tratamento de leucemia em crianças.

Segundo o documento assinado pelas procuradoras da República no Distrito Federal Eliana Pires Rocha e Ana Carolina Alves Araújo Roma, a LeugiNase, produzida pela empresa chinesa Beijing, não possui estudos clínicos que comprovem a sua eficácia e segurança.

Em vez desse produto, a recomendação é que seja retomado o uso da Anginasa, produzida pelos laboratórios Kywoa Hakko/Medac (japonês e alemão), usado até o final de 2016 e que possui, segundo o documento de terça-feira (13), eficácia na remissão da doença superior a 90%.

Por ano, são registrados no Brasil 4 mil novos casos de LLA (Leucemia Linfoide Aguda). Oito em cada dez vítimas são crianças e adolescentes, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer).

Hospitais de referência pararam de usar

O Ministério da Saúde o adquire para distribuição no SUS (Sistema Único de Saúde). Porém, ao menos dois hospitais referência no tratamento de crianças com câncer, o Graac, em São Paulo, e o Centro Infantil Boldrini, em Campinas (a 98 km de SP), deixaram de usar o medicamento. Eles usam recursos próprios para adquirir outro medicamento.

Um dos motivos que levaram a tal recomendação do MPF é que o produto é classificado em seu país de origem, a China, como “chemical drug” (droga química), ou seja, sintética, e não biológica, como requer o princípio ativo L-Asparginase, base do medicamento.

Segundo a Procuradoria, o medicamento, apesar de ser produzido na China, não tem permissão para ser usado em seu próprio país de origem. O tratamento de crianças com leucemia na China é feito com base no medicamento japonês. Além disso, ele não foi testado em humanos, apenas em ratos e primatas, diz o documento.

Entre outros apontamentos, testes feitos por especialistas do Centro Infantil Boldrini concluíram que a substância produzida na China tem cem vezes mais impurezas do que a fabricada pelos laboratórios do Japão e da Alemanha.

Um outro exame feito pelo laboratório americano, o MS Bioworks, detectou que o produto chinês contém 60% do princípio ativo L-Asparginase. Os outros 40% são as chamadas proteínas contaminantes. No caso do medicamento anterior, fabricado no Japão e Alemanha, 99,5% de sua composição são o L-Asparginase, e somente 0,5% de contaminantes protéicos.

O medicamento de origem chinesa já foi barrado por autoridades sanitárias de nove países, entre eles EUA, Itália, França e Portugal, ainda segundo o ofício.

Recomendações

O documento sugere à pasta que viabilize, em no máximo dez dias, um novo processo de compra e distribuição do medicamento com o princípio ativo L-Asparginase, desde que comprove, por meio de estudos, sua eficácia.  

Outra recomendação é que o Ministério da Saúde não adquira nenhum medicamento sem comprovação científica e estudos clínicos, além de barrar a aquisição de produtos sem aprovação de autoridades sanitárias de seu país de origem.

Ricardo Barros, ministro da Saúde, chegou a defender o uso do medicamento chinês - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
Ricardo Barros, ministro da Saúde, chegou a defender o uso do medicamento chinês
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Ministério da Saúde diz não ter sido notificado

O documento, segundo as procuradoras, deve ser endereçado ao ministro da Saúde, Ricardo Barros, pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Em nota, o Ministério da Saúde informou ainda não ter sido notificado da recomendação. Entretanto, está disponível para fornecer os “esclarecimentos necessários”. 

O texto diz ainda que a capacidade esperada de ação contra o câncer do medicamento LeugiNase foi comprovada pelo INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde) e que a análise descartou danos ao usuário.

Segundo o ministério, 21 Estados, além do DF, estão utilizando o medicamento e não foram registrados, até agora, “efeito diferente do esperado pela literatura disponível”.

Em abril, questionado sobre o medicamento, o ministro Ricardo Barros chegou a dizer que é verificada a procedência do produto fabricado na China: “verificamos que vários países compram esse medicamento e não relataram nenhum problema do uso desse medicamento”.