Topo

O que são os inibidores de apetite aprovados, e por que a Anvisa é contra?

Getty Images
Imagem: Getty Images

André Carvalho

Do UOL, em São Paulo

06/07/2017 04h00

No final de junho, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), na condição de presidente da República interino, sancionou uma lei que autoriza a produção, comercialização e consumo de medicamentos inibidores de apetite, que haviam sido proibidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2011.

Com a nova lei, os quatro medicamentos poderão ser vendidos com receituário especial (terão tarja preta) no Brasil, mesmo três deles não tendo registro na Anvisa. 

A liberação dos medicamentos é considerada benéfica por entidades médicas, como o CFM (Conselho Federal de Medicina) e a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica). 

Pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e a própria Anvisa se posicionaram contra a aprovação da lei, por considerarem que os medicamentos trazem poucos benefícios frente a riscos, como palpitações, transtornos psicóticos e dependência.

Além da discussão sobre a segurança e a eficiência desses medicamentos, a aprovação pelo Executivo dessa lei coloca em xeque o papel da agência nacional, responsável por regular e fiscalizar a venda de remédios no país. É a segunda vez em pouco mais de um ano que o Congresso sobrepõe as funções da Anvisa.

No ano passado, uma lei que permitia a venda e o uso da pílula do câncer foi barrada no STF (Supremo Tribunal Federal), que considerou que não era papel do Congresso legislar sobre o assunto.

No caso dos inibidores de apetite, a AGU (Advocacia-Geral da União) emitiu um parecer considerando a lei inconstitucional no dia anterior à assinatura de Rodrigo Maia. Contudo, uma vez em vigor, apenas o STF pode decidir sobre isso, caso alguma entidade entre com ação contrária a lei.

O UOL reuniu as principais dúvidas sobre o uso dos inibidores e as razões de sua polêmica. Confira:

O que são estes inibidores e para que servem?

Os anorexígenos são medicamentos à base de anfetamina que funcionam como moderadores de apetite. Os remédios são receitados em tratamentos contra obesidade, em geral quando dieta e exercícios não dão os resultados pretendidos. 

Tabela IMC - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

De acordo com a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente da Abeso, os remédios são indicadospara pacientes com IMC (Índice de Massa Corporal) maior que 30 kg/m² ou com IMC superior a 25 kg/m² associado a doenças como colesterol alto, diabetes e hipertensão.

A anfetamina é uma substância que estimula do sistema nervoso central a enviar uma mensagem cérebro de que o organismo está saciado. A substância também aumenta a liberação dos neurotransmissores noradrenalina e a dopamina, reduzindo o sono e a fome e provocando um estado de agitação psicomotora.

Devido ao seu potencial para causar dependência, contudo, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que seu uso não ultrapasse 12 semanas.

Por que os medicamentos foram proibidos em 2011?

A Anvisa baniu os medicamentos à base de anfetamina, com exceção dos derivados de subitramina, em outubro de 2011. A agência considerava que os efeitos colaterais eram graves e não compensavam os benefícios de seu uso.

A justificativa se baseava na revisão de mais de 170 estudos científicos, que constataram, de acordo com a agência, a baixa eficácia dos medicamentos na perda de peso. No documento aparecem reações adversas como arritmia cardíaca, dependência, distúrbios psicóticos, ansiedade, insônia, psicose, transtorno obsessivo-compulsivo, tontura, náusea e palpitações.

Obesidade - PA - PA
Imagem: PA

A venda destes medicamentos é permitida em outros países?

Nenhum dos três medicamentos que foram proibidos em 2011 pela Anvisa, é permitida na Europa. Nos Estados Unidos, apenas a anfepramona é permitida, sendo comercializada desde 1997. O femproporex não é aprovado no país e o mazindol foi retirado das farmácias em 1999. 

Por que entidades médicas são a favor dos medicamentos?

Para a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente da Abeso, a volta destes medicamentos é importante para o tratamento da obesidade, ainda que da maneira como isso se deu, via Legislativo, não tenha ocorrido da maneira correta.

O paciente que precisa não está preocupado com a Anvisa porque ele sabe que pode morrer daquilo. Ele não vai morrer de gordura, mas vai morrer de doenças que o excesso de peso ocasiona"

Maria Edna de Melo, da Abeso

Para Salomão Rodrigues, do CFM, “nenhum medicamento está isento de riscos e cabe ao médico prescrevê-lo com segurança”. 

A endocrinologista lembra que o risco no uso é ampliado em casos de prescrição abusiva, como quando mais do que um inibidor é indicado simultaneamente ou o tratamento não é iniciado pela dose mínima a fim de acelerar seus resultados. 

Melo também acredita que outros medicamentos recomendados para casos de obesidade que não são à base anfetamina, como a liraglutida, que é um remédio injetável aprovado pela Anvisa em 2016, ainda possuem preços proibitivos. "Ele é excelente, mas é caro. Quem tem R$ 900 por mês para gastar com remédio?", diz a endocrinologista, que ainda cita o orlistate como outro medicamento disponível no tratamento de obesidade.

Exercícios e dieta devem ser usados no tratamento contra obesidade - Ricardo Nogueira/Folhapress - Ricardo Nogueira/Folhapress
Exercícios e dieta devem ser usados no tratamento contra obesidade
Imagem: Ricardo Nogueira/Folhapress

O que diz quem é contra a venda dos medicamentos?

Para Jarbas Barbosa, diretor-presidente da Anvisa, os estudos mostram que esses medicamentos não são eficazes a médio e longo prazo (de 6 meses a 3 anos). 

Todos os estudos disseram que eles eram pouco seguros, com uma taxa muito elevada de eventos adversos graves, e eles eram pouco eficazes ou ineficazes. Apresentavam algum efeito no curto prazo, mas no médio e longo prazo, eram absolutamente ineficazes para tratar a obesidade."

Jarbas Barbosa

Para Suely Rosenfeld, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, os medicamentos são ineficazes, “porque provocam uma perda de peso miúda e reversível”.

Além disso, o presidente da agência ressalta o risco sanitário de liberar medicamentos sem registro e fiscalização da Anvisa.

"Quem vai garantir que uma caixa em que esteja escrito "mazindol" vai ter mesmo mazindol? Quem vai controlar a qualidade dessa matéria-prima. Abre um precedente terrível", diz Barbosa.

Ele crê que a lei possa ser revertida no STF. "Qualquer instituição que entre com ação direta de inconstitucionalidade terá sucesso porque ela é flagrantemente inconstitucional".