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Cientistas usam minicérebros para desvendar doenças e a evolução humana

Getty Images
Imagem: Getty Images

Deborah Giannini

Colaboração para o UOL, em São Paulo

29/11/2017 10h00

O que torna o ser humano especial em relação a outros primatas? Diferenças evolutivas no cérebro humano estão sendo desvendadas, assim como doenças que afetam o sistema nervoso e seus tratamentos, graças ao estudo com minicérebros, nome popular para “organoides cerebrais”, estruturas tridimensionais criadas a partir de células-tronco que reproduzem o cérebro em desenvolvimento.

Pesquisas em andamento publicadas na revista "Science" revelaram o envolvimento de mais de 19 genes nas conexões do córtex cerebral e a relação do ácido hialurônico na formação das dobras e reentrâncias cerebrais, o que significa que nosso cérebro levaria mais tempo para se desenvolver que o de outros primatas.

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“Trabalhos publicados até agora sugerem que o desenvolvimento neural dos humanos é retardado comparado com ao de outras espécies de primatas. Ou seja, leva-se mais tempo para construir um cérebro humano do que o de um chimpanzé”, afirma o biólogo molecular Alysson Muotri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia e cofundador da startup brasileira de biotecnologia TISMOO.

Um bebê chimpanzé é infinitamente mais esperto que um bebê humano. Mas, ao esperarmos o tempo de maturação, os humanos acabam superando os chimpanzés. Agora os cientistas querem saber exatamente quais as diferenças moleculares responsáveis por esse atraso." 

Sem o material embrionário, a única forma de pesquisar isso é com os minicérebros, pois não temos acesso a esse material embrionário dessas outras espécies.

Além da evolução humana, o autismo e doenças como Alzheimer e esquizofrenia têm se beneficiado desse novo modelo de estudo do neurodesenvolvimento humano. Um importante achado sobre autismo foi obtido a partir da pesquisa em minicérebros pela bióloga Patrícia Beltrão Braga, do Laboratório de Células-Tronco e Modelagem de Doenças do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, dedicada à pesquisa do autismo.

Minicérebros cultivados na USP - Léo Ramos Chaves/Agência Fapesp - Léo Ramos Chaves/Agência Fapesp
Minicérebros cultivados na USP
Imagem: Léo Ramos Chaves/Agência Fapesp

“Observamos que uma citocina, molécula produzida por células do sistema imune, é produzida em quantidade muito alta em indivíduos com autismo. Quando bloqueamos essa substância, vimos que os neurônios melhoravam”, afirma. “Isso quer dizer que uma droga capaz de bloquear esta citocina, que é nociva apenas porque está em grande quantidade, pode melhorar essas pessoas”, completa. Drogas para o tratamento do autismo ainda estão em fase de testes.

O Projeto A Fada do Dente, do ICB, produz minicérebros a partir de células vivas retiradas da polpa do dente de leite de crianças com autismo, enviados voluntariamente pelas famílias. O projeto conta com 400 dentes de leite e, portanto, 400 minicérebros. “No momento, não estou recebendo dentes de leite por falta de verba para pesquisa”, afirma.

Cérebro - Reprodução/Gizmodo - Reprodução/Gizmodo
Imagem: Reprodução/Gizmodo

Como se fazem minicérebros

Para gerar organoides, são necessárias células vivas, pois elas serão reprogramadas para viajarem no tempo e voltar a serem células embrionárias. Essa “regressão” é feita com a ajuda de um vírus criado em laboratório que carrega informações genéticas produzidas por células embrionárias para “convencê-las” a rejuvenescer. 

A partir daí, elas terão potencial para formar qualquer tecido do corpo. “Os minicérebros se desenvolvem da mesma forma que acontece durante o neurodesenvolvimento intrauterino”, explica Muotri.

Demonstrados pela primeira vez em 2013 pela neurocientista Madeline Lancaster, da Academia Austríaca de Ciências, os minicérebros cerebrais equivalem a um cérebro de um feto de 3 meses, chegam ao tamanho de até 5 milímetros e podem ser mantidos em cultura por no máximo dois anos.

O neurocientista Stevens Rehen, colunista do UOL, explica que como os organoides não dispõem de vascularização, não recebem o aporte de nutrientes necessários. “Por isso são chamados de organoides e não de órgãos”, explica. Rehen é pesquisador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Instituto D’Or.

Pesquisa brasileira mostra que zika mata células cerebrais

UOL Notícias

Estudo da zika

Minicérebros têm tido papel fundamental no estudo da zika. Pesquisas realizadas em 2016 no Brasil com minicérebros comprovaram que o vírus era a causa da microcefalia. Os estudos publicados por duas equipes independentes, das quais Patrícia Beltrão Braga e Alysson Muotri (São Paulo) e Stevens Rehen (Rio de Janeiro) faziam parte.

Demonstrou-se que o vírus da zika invade e destrói os precursores neurais que originarão as células cerebrais, abundantes no desenvolvimento do feto. Além de danificar as células do sistema nervoso, o vírus dificulta a formação da camada cortical, região do córtex cerebral, responsável por funções como memória, linguagem e raciocínio. Também observou-se que a zika reduz em 40% o desenvolvimento do cérebro.

A doença continua a ser tema de estudo em minicérebros.

“Estamos trabalhando agora com drogas que possam melhorar a condição da microcefalia inibindo a infecção ou melhorando a condição do indivíduo que contraiu zika e também sobre os efeitos a longo prazo no sistema nervoso de uma infecção por zika”, explica Braga.

Rehen também mantém pesquisas com zika, além de desenvolver estudo em minicérebros sobre os potenciais terapêuticos de substâncias psicodélicas como o DMT (presente na bebida ayahuasca). Alterações nas proteínas do tecido cerebral, exposto a uma substância psicodélica, foram descritas pela primeira vez. A substância psicodélica se demonstrou capaz de melhorar a plasticidade neural e as sinapses cerebrais. O estudo foi publicado na revista “Scientific Reports”.

Futuro dos minicérebros

Entre as metas dos pesquisadores estão o aprimoramento das estruturas dos minicérebros, como a presença de vascularização, e a obtenção de minicérebros com desenvolvimento mais tardios para o estudo de doenças que afetam o sistema nervoso em estágios mais avançados da vida, como o Alzheimer, o Parkison e o ELA (esclerose lateral amiotrófica).

Outro objetivo é a produção de miniórgãos de uma mesma pessoa em laboratório de forma integrada para que seja possível estudar a influência entre eles. 

O professor da Universidade da Califórnia ainda vai mais longe: “Queremos criar um tipo de minicérebro capaz de gerar redes neurais oscilatórias, algo semelhante a ondas detectadas por um electroencefalograma. Se chegarmos nesse estágio, teremos alguns problemas éticos pela frente, pois estaremos gerando algo que pode ser o princípio da consciência humana”.