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Mulher que morreu de febre amarela foi impedida de tomar vacina, diz filha

A dona de casa de 54 anos procurou o posto de vacina, que a impediu de tomar a vacina por causa do uso de antidepressivos - Arquivo pessoal
A dona de casa de 54 anos procurou o posto de vacina, que a impediu de tomar a vacina por causa do uso de antidepressivos Imagem: Arquivo pessoal

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

20/01/2018 04h00

A dona de casa Abigail Pereira dos Santos Souza, 54, é uma das vítimas da febre amarela no Estado de São Paulo. Mas, antes de ser contaminada pelo vírus, a moradora de Jarinu (a 84 km da capital paulista) teria sido impedida de receber a vacina por tomar antidepressivos, afirmou a filha Jéssica Tatiane de Souza, 32.

"Em novembro, encontramos um macaco morto em nosso quintal e, ainda que não tenha sido feito o exame adequado para atestar se o animal foi ou não vítima da doença, ficamos bastante aflitos. O episódio acabou estimulando todos da família a tomar a vacina", conta Tatiane, que diz que a mãe foi a única que não foi imunizada.

Segundo a filha, a dona de casa também procurou uma Unidade Básica de Saúde, mas foi orientada a consultar um médico antes de receber a vacina já que tomava medicamentos antidepressivos. "Ela nunca se negou a tomar a vacina", diz Tatiane. "Ela foi informada que poderia morrer caso tomasse a vacina, mas acabou morrendo por não tomar a vacina."

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Em nota, a Secretaria de Saúde de Jarinu informou que "não houve e não há impedimento para nenhum paciente que não seja contraindicado", mas disse ter aberto uma sindicância para "apurar os fatos relatados" pela família da dona de casa.

Vacina é segura, mas atenção às contraindicações

A vacina é a única forma de prevenção contra a doença e, segundo o Ministério da Saúde, deve ser aplicada em toda a população que mora ou trabalha nas áreas consideradas de risco --e Jarinu é uma delas--, assim para aqueles que pretendem viajar para uma região em que o vírus circula.

Não é indicada a crianças menores de 9 meses, a mulheres amamentando crianças menores de 6 meses, àqueles que têm alergia grave ao ovo, a quem vive com HIV e tem contagem de células CD4 menor que 350, a quem está em tratamento com quimioterapia/radioterapia, à portadores de doença autoimune, e àqueles que estão em tratamento com imunossupressores.

Devem passar por consulta médica antes de tomar a vacina idosos a partir de 60 anos, gestantes, pessoas que terminaram o tratamento com quimioterapia ou radioterapia, portadores de doença renal, hepática ou no sangue e pessoas que fazem uso de corticoide. Isso porque, ainda que raros, a imunização pode causar graves reações --principalmente a pessoas com deficiência imunológica. 

Para esses indivíduos, a orientação é evitar picadas de mosquitos por meio do uso de camisas de mangas longas e calças compridas, mosquiteiros, telas antimosquitos e repelentes.

Vale ressaltar que as reações adversas à vacina --como dores no corpo, dores de cabeça e febre-- podem afetar entre 2% e 5% dos vacinados nos primeiros dias após a imunização. Já as mortes são ainda mais raras. Segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), esses casos ocorrem em um em cada 400 mil doses aplicadas.

Diagnóstico tardio

Abigail começou a sentir os primeiros sintomas da doença no dia 7 de dezembro, quando procurou o posto de saúde pela primeira vez com náuseas e dor de cabeça. Voltou a procurar o hospital no dia 18 com muitas dores nas costas e com dificuldades de evacuar. "Nesse dia chegaram até a fazer uma lavagem intestinal nela", conta a filha.

Mas as idas e vindas do hospital não pararam por aí. Até na véspera do Natal ela procurou a ajuda médica. "Ela dizia sentir muitas dores nas costas, mas ela ainda estava esperançosa de que os medicamentos tomados iam fazer ela melhorar", afirma Tatiane, que diz que o auge da doença foi no dia 27 quando a mãe desmaiou de tanta dor e evacuou sangue. "Meu pai a levou correndo para o hospital, medicaram ela e depois queriam liberá-la. Meu pai teve que fazer um escândalo para que a mantivessem internada."

No dia 28 de dezembro, após a confirmação de que a dona de casa estava infectada com o vírus da febre amarela, foi solicitada a transferência dela para um hospital de referência na região de Jundiaí. "Mas aí já era muito tarde. O estágio da doença já estava muito avançado, já tinha comprometido o rim e o fígado", diz a filha. "No dia 30 ela chegou para mim e disse que já não estava aguentando mais, que estava morrendo, mas não queria isso", completa.

Ela morreu às 22h10 do dia 31 de dezembro de 2017, mas a infecção da febre amarela só foi confirmada pelo Instituto Adolfo Lutz, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Saúde, no dia 9 de janeiro. 

Segundo Marcos Boulos, chefe da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde, os sintomas iniciais da febre amarela --febre, dor de cabeça, fraqueza, vômitos, dores musculares [principalmente nas costas]-- são semelhantes às das outras doenças virais. "Só quando ela evolui para um quadro mais avançado --quando a pele começa a ficar amarela-- é que fica mais fácil de ser detectada", afirma.

Mas, segundo Claudio Maierovitch, sanitarista da Fiocruz de Brasília e ex-diretor de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, a confirmação do diagnóstico, não tem valor para o tratamento. "Isso porque não existe tratamento específico para a febre amarela, tratam-se apenas os seus sintomas", diz ele, que acrescenta que a notificação dos casos é importante apenas para o acompanhamento da epidemia, bem como para adoção das medidas preventivas.

"O que diferencia é quanto mais cedo o vírus da febre amarela é descoberto mais cedo o paciente é transferido para os centros de referências, onde poderão receber uma atenção mais direcionada", completa Boulos.