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Jovem gay escolhe a mãe para ser "barriga de aluguel" de seu filho

Marcelo e a mãe Valdira Andrade das Neves - Arquivo pessoal
Marcelo e a mãe Valdira Andrade das Neves Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Schiavoni

Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (SP)

08/02/2018 12h09

Um estudante homossexual e solteiro de Serrana, no interior de São Paulo, optou por uma forma diferente para realizar o sonho de ser pai. Ele realizou uma fertilização in vitro e escolheu a própria mãe para servir de 'barriga de aluguel'.

Marcelo das Neves Junior, 22, que cursa enfermagem, conta que a decisão surgiu em consenso entre ele, a mãe, a professora Valdira Andrade das Neves, de 43 anos, e o pai, o almoxarife Marcelo Neves, 43. A família passava por um momento difícil depois que Valdira perdeu uma filha. "Há três anos, minha mãe engravidou do meu pai, mas minha irmãzinha nasceu com sete meses e faleceu uma semana depois", diz.

A decisão de fazer o procedimento surgiu em junho do ano passado e, a princípio, a intenção era que a mãe fizesse uma inseminação artificial. "Mas, como disseram que os óvulos dela tinham uma qualidade baixa, que teriam só 3% de chance de conseguirem uma gravidez, conversamos e decidimos que ela poderia gerar meu filho", diz. "Eu sou homossexual e sou filho único. Optamos por pegar o óvulo de uma doadora anônima e fizemos a fertilização. Entramos num consenso eu, minha mãe e meu pai, e optamos por essa forma", acrescenta.

A fertilização foi feita em 1º de fevereiro e a família espera, agora, que a gravidez seja confirmada. "Estamos aguardando o resultado dos exames, que saem dia 15 de fevereiro, e rezando para que tudo continue bem. Mas, se houver algum problema, realizaremos uma nova tentativa", afirma. Até o momento, Marcelo já gastou cerca de R$ 25 mil no procedimento.

Tramites

O professor Rui Ferriani, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, conta que casos como esses precisam de indicação médica, assim como fertilizações que ocorrem quando a mulher não tem útero, feita por casais homoafetivos ou pessoa solteira.

Tanto que, para conseguir realizar a fertilização in vitro legalmente, Marcelo e Valdira passaram por uma verdadeira bateria de exames, que incluíram avaliação psicológica, feita por três meses, com duas sessões semanais. A família segue o acompanhamento psicológico.

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Depois de conseguirem os laudos que permitiram que o processo de barriga de aluguel continuasse, foram formados quatro embriões, sendo dois deles implantados e outros dois congelados e poderão ser utilizados se a tentativa falhar.

Ferriani afirma que esses cuidados são necessários devido aos potenciais de complicação emocional para o procedimento. "É preciso uma avaliação médica e psicológica", afirma.

Opção

Marcelo é homossexual e sempre teve o desejo de ser pai, porém não está em um relacionamento. "Não acho que hoje existam muitos relacionamentos verdadeiros e duradouros, por isso optei pela produção independente", afirma Marcelo.

Como se trata de uma produção independente, o registro do bebê será apenas no nome de Marcelo.

Valdira afirma que está muito animada para exercer o papel de avó. "Para mim, é tudo relacionado ao amor. Quando queremos o bem da família, dos nossos filhos, não medimos esforços. Está sendo muito prazeroso, quero muito viver cada momento da gestação. Vou realizar o meu sonho dele, o meu, do pai dele. Imagina, eu carregando meu próprio neto?", diz.

Família

Valdira conta que a família toda está na expectativa, mas que, no caso dela, há motivos também para agradecer a decisão do filho. "Quando engravidei, fiquei muito focada na gravidez, cuidando da gestação. Depois da morte da minha filha, vivi um momento muito díficil. Essa nova gestação afastou a depressão", conta.

Já Marcelo pai não vê a hora de ver o neto correndo pela casa. "Uma criança na vida da gente é uma alegria, muda tudo. Essa criança vai ser o nosso xodó, vai ser a alegria da família. Estamos todos muito felizes", informa.

A lei

Segundo o Conselho Federal de Medicina, a barriga de aluguel, que passou a se chamar "barriga solidária", é uma prática permitida e possibilita que um casal tenha filhos pela fertilização in vitro, desde que a mulher escolhida para gerar a criança seja um membro consanguíneo de até quarto grau da família do casal.

Nesse caso, um dos pais fornece o material genético (que pode ser o sêmen ou o óvulo), que é unido ao material genético de um doador e o embrião é implantado na mulher que irá gestar. Ferriani diz ainda que o procedimento não pode visar lucro.

Obter a autorização, diz Marcelo, não foi simples. Para isso, tiveram o auxílio de um advogado para assinarem documentos e termos de consentimento, para os pais do estudante autorizarem a entrega do bebê ao nascer. "Tivemos muitas barreiras e problemas com documentação. Eu fui um caso inédito no país, e, por isso, a clínica não tinha um modelo e teve que correr atrás de toda a documentação", afirma.

Marcelo, que mora com os pais, pretende continuar a viver com eles depois do nascimento do filho ou filha. "Eu sempre quis ser pai, sempre quis ter um filho, mas, por ser homossexual e não estar me relacionando, não encontrava uma forma. A fertilização foi a forma que encontrei", afirma.