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Verba da saúde do Amazonas bancou gastos da família do senador Aziz, diz PF

Omar Aziz (PSD) governou o Amazonas entre 2010 e 2014 e é senador desde 2015 - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Omar Aziz (PSD) governou o Amazonas entre 2010 e 2014 e é senador desde 2015 Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Rosiene Carvalho

Colaboração para o UOL, em Manaus

20/09/2019 04h01

Resumo da notícia

  • PF investiga desvios na saúde estadual do Amazonas
  • Há movimentações suspeitas desde 2014, quando Omar, hoje senador, governava o estado
  • José Melo, que era vice de Aziz e assumiu o governo, foi preso no âmbito das investigações
  • Aziz nega irregularidades

Investigação da Polícia Federal (PF) que tramita em sigilo aponta que recursos da saúde estadual do Amazonas foram desviados para beneficiar o senador e ex-governador Omar Aziz (PSD) e seus familiares.

Em relatório produzido pela PF no estado, a que o UOL teve acesso, o órgão indiciou o senador por lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa para desviar recursos do Instituto Novos Caminhos (INC), organização social contratada pelo governo para gerenciar unidades de saúde.

Em nota, a assessoria de Aziz diz que a decisão "a decisão da autoridade policial é absolutamente equivocada, embasada em premissas que não condizem com a realidade e não se sustentam juridicamente". A defesa de Aziz conseguiu suspender a investigação e alega que o caso deveria ser analisado pela Quarta Vara Federal do Amazonas, e não pela Segunda.

Líder do PSD e um dos principais articuladores responsáveis pela eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado, Aziz atualmente preside a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde são discutidas propostas para as principais reformas deste ano, como a da previdência e a tributária.

Em julho, a mulher e três irmãos de Aziz chegaram a ser presos pela PF, mas foram soltos na sequência.

Mesada de R$ 500 mil

No documento de mais de 300 páginas, construído a partir de interceptações telefônicas e mensagens de celulares apreendidos, a PF relata 26 eventos, como movimentações financeiras, que apontam envolvimento de Aziz em desvios de contratos assinados com o INC, do médico e empresário Mouhamad Moustafa.

A PF diz que há "fortes indícios" de que Omar e familiares tenham recebido vantagens indevidas como:

  • mesada de R$ 500 mil para Omar;
  • pagamento de contas do apartamento do senador em Brasília;
  • repasses a três irmãos e à mulher de Omar, Nejmi Aziz;
  • viagens em aeronaves particulares bancadas por Moustafa;
  • consultas médicas para a mãe do senador em unidades de saúde de luxo;
  • um relógio de R$ 36 mil da marca Cartier como presente de aniversário para o senador;
  • pagamentos avulsos que variavam de R$ 2.000 a R$ 250 mil.

O médico cumpre prisão no Amazonas e tem condenações relativas a ações movidas pelo MPF (Ministério Público Federal) em fases anteriores da operação.

Em uma das conversas analisadas pela PF, Mouhamad pede a um funcionário que compre um relógio para dar de presente ao senador.

E o funcionário, identificado como Antonio, responde com uma foto do relógio a ser comprado.

Foto enviada por Antonio para Mouhamad, segundo a PF - PF / Reprodução - PF / Reprodução
Foto enviada por Antonio para Mouhamad, segundo a PF
Imagem: PF / Reprodução

De acordo com a CGU (Controladoria Geral da União), no inquérito da PF, o INC recebeu do Estado do Amazonas nos anos de 2014 e 2015, período investigado, ao menos R$ 276 milhões. Não se sabe quanto desse valor teria sido desviado.

Operação Maus Caminhos

Deflagrada em 2016, a operação Maus Caminhos inicialmente atingiu Moustafa e funcionários do INC.

Até o momento, em seis fases, a operação levou para a cadeia 58 pessoas, entre prisões preventivas e temporárias.

A operação é considerada inédita no Amazonas porque, pela primeira vez, prendeu membros do alto escalão do poder, como o ex-governador José Melo (PROS) e alguns de seus secretários.

Na quinta fase, em 19 julho, a operação bateu à porta de Aziz e de sua mulher. Foi nessa ocasião em que Nejmi e os irmãos de Omar (Amin, Murad e Manssour Aziz) foram presos.

Segundo a PF, o esquema de desvios começou no governo Aziz, que terceirizou parte da saúde estadual para a organização social de Mouhamad Moustafa.

A investigação aponta que o INC contratava empresas que não prestavam os serviços descritos nas notas fiscais ou superfaturavam o valor que era cobrado do INC —- e consequentemente reembolsado pelo governo do estado.

Os desvios seriam divididos entre Moustafa, funcionários, Aziz e parentes.

Parte desse dinheiro era utilizado para corromper diversos agentes públicos, incluindo ex-secretários de Estado e até mesmo o ex-governador, com sérios impactos sobre a Administração Pública estadual (corrupção sistêmica). O segundo (contrato com a OS) foi assinado pelo [na época] governador recém-eleito José Melo, que era vice de Omar Aziz, havendo indícios robustos de que o esquema construído no governo de Omar Aziz fosse mantido, havendo entrega de vantagens ilícitas já na condição de senador
Trecho do relatório da PF

Após a deflagração da operação, o MPF recomendou que o Amazonas assumisse os serviços que eram prestados pelo INC. .

A organização social foi desfeita, segundo Simone Guerra, advogada de Moustafa.

Em outubro de 2016, ainda no governo José Melo, também preso e denunciado em fases posteriores da investigação, o governo estadual assumiu a administração das unidades de saúde que eram geridas pelo INC

Outro lado

A PF relata que os investigados, em depoimentos, negaram participação em atividades ilícitas. Admitiram apenas transações oficiais na relação com o empresário.

A assessoria de comunicação do senador Omar Aziz afirmou que não há nos autos do inquérito qualquer indício que seja "de materialidade capaz de sustentar esse indiciamento".

O senador sustenta ainda, por meio de sua assessoria, que "caso esse assunto venha a ser debatido em processo, com direito ao contraditório e ampla defesa, ficará comprovada a insubsistência facto jurídica tanto do relatório quanto do indiciamento".

A defesa de Moustafa afirmou que não iria se manifestar sobre o caso, já que o inquérito está em sigilo de Justiça.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado no quarto parágrafo do texto, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado discute propostas para as principais reformas deste ano, mas sem votação de relatório. A informação foi corrigida.