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País faz força-tarefa contra covid-19, mas 6 doenças mataram 2.230 em 2019

Wanderley Preite Sobrinho e Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

21/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Coronavírus gerou reações governamentais no mundo e no Brasil
  • Por aqui, não há nenhum caso confirmado
  • Infectologistas dizem que cautela do governo é bem-vinda
  • Mas sugerem que mesmo cuidado seja direcionado a doenças infecciosas que causam mortes no país

O pânico mundial decorrente da covid-19, a doença causada pelo coronavírus, não poupou o Brasil — país que não registrou nenhuma morte nem infecção pelo vírus, mas que decretou emergência na saúde pública para lidar com a ameaça.

Para infectologistas ouvidos pela reportagem, a preocupação e as medidas adotadas pelo governo, incluindo o repatriamento de cidadãos da China seguido por quarentena, são bem-vindas. Mas eles alertam que os brasileiros têm outras epidemias com as quais se preocupar.

"Estamos com muitos casos de dengue, sarampo e tantas outras doenças", afirmou o infectologista Marco Antonio Cyrillo, do Instituto de Gastroenterologia de São Paulo.

Levantamento do UOL com base em números do Ministério da Saúde mostra que, só no ano passado, dengue, zika, chikungunya, febre amarela, sarampo e meningite causaram ao menos 2.230 mortes no país.

Esforços públicos

Apesar de nenhum caso ter sido registrado no Brasil, os infectologistas afirmam que os esforços públicos para combater o coronavírus são apropriados.

"Foi importante para evitar sua disseminação", diz Cyrillo.

Rosana Richtmann, infectologista do hospital Emílio Ribas, destaca as dúvidas que envolvem o coronavírus e a pertinência da cautela.

"Toda vez que algo novo aparece, como o covid-19, queremos saber o que vai acontecer, como ele passa de um animal para o homem, quantos vão morrer. São muitas interrogações", diz.

Mas ela também ressalta que esse mesmo cuidado deveria ser direcionado a doenças que já causam mortes no Brasil.

"Temos coisas reais acontecendo em nosso país que precisam de muita atenção", afirma.

Para ela, "se não tivesse essa epidemia do corona, estaríamos conversando muito mais sobre outras doenças".

"A mídia está deixando de repercutir muitas coisas porque o novo coronavírus talvez dê mais audiência. É bem capaz que nosso país registre algum caso de covid-19 nos próximos dias, mas não podemos deixar de cuidar das doenças que já estão em circulação no Brasil."

Veja algumas dessas doenças que são ameaças reais no Brasil:

Meningite

A meningite matou 1.315 pessoas só em 2019, depois de 15.010 casos notificados. O número ficou abaixo do ano anterior, quando os 17.542 casos resultaram em 1.499 óbitos, segundo o Ministério da Saúde.

Transmitida pelas vias respiratórias, como gotículas e secreções do nariz e garganta, a meningite pode ser causada por bactérias, vírus, fungos e parasitas. Os principais sintomas são febre, dor de cabeça, rigidez no pescoço, náusea, fotofobia (sensibilidade à luz), sonolência e irritabilidade.

Quando bacteriana, a doença pode causar convulsões, delírio, tremores e coma. "Se a meningite for por vírus, o tratamento é para os sintomas. Mas se for bactéria ou fungo, identificamos o agente transmissor e aplicamos um antibiótico adequado", diz Cyrillo.

Sarampo

O governo do Rio de Janeiro confirmou na quinta-feira (13) a primeira morte por sarampo em 2020. Um bebê de oito meses morreu no dia 6 de janeiro em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, região com o maior número de casos da doença no estado.

Sarampo: Passa de mil o número de casos no Brasil, diz Ministério da Saúde - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Sarampo: 18,2 mil casos em 526 cidades com 15 mortes no Brasil em 2019
Imagem: Getty Images/iStockphoto
Mas a epidemia preocupa o Brasil todo. Só no ano passado, foram 18,2 mil casos em 526 cidades com 15 mortes: 14 em São Paulo e uma em Pernambuco. As crianças com menos de um ano foram as vítimas em 43% dos casos.

A epidemia também é um fenômeno global: 170 países registraram a doença desde 2017. No Brasil, ela voltou em 2018, quando adoeceu mais de 10 mil pessoas na regiião Norte.

O Ministério da Saúde ainda não contabilizou os casos de sarampo este ano, mas a fim de evitar novo surto, a pasta lançou nova campanha de vacinação em duas etapas.

A primeira entre 10 de fevereiro e 13 de março para pessoas com idade entre 5 e 19 anos; a segunda será de 3 a 31 de agosto para o público de 30 a 59 anos.

Os principais sintomas da doença são pneumonia, otite (infecção de ouvido), encefalite (inflamação do cérebro) e morte com taxa de 1 a 3 para cada 1.000 crianças.

"O sarampo não tem tratamento específico. Os cuidados são para os sintomas e complicações da doença", diz Cyrillo. "Um paciente pode transmitir para até 18 pessoas."

Dengue, zika e chikungunya

Transmissor da dengue, zika e chikungunya, o mosquito Aedes aegypti é motivo de preocupação para o governo, que atualizou seu boletim epidemiológico em 25 de janeiro.

Em 2020, foram confirmados 10 mortes por dengue (1 no Acre, 1 em São Paulo, 1 no Paraná, 2 no Distrito Federal e 3 no Mato Grosso do Sul e 1 no Paraná), enquanto 41 permanecem em investigação.

Até agora não houve morte confirmada por zika, que provocou um surto de microcefalia em 2015, mas já foi confirmado um óbito por chikungunya no estado do Rio de Janeiro.

Só no ano passado, 782 pessoas morreram por causa da dengue em todo o Brasil, alta de 488% em relação ao ano anterior. O governo calcula em 57.485 os casos prováveis no país este ano, principalmente no Centro Oeste, com taxa de 63 ocorrências para cada 100 mil habitantes. É seguido pelo Sul (52), Sudeste (28), Norte (18) e Nordeste (5).

Em relação à chikungunya, 92 pessoas morreram no ano passado, 71% dos casos no Rio de Janeiro. Já a Zika vitimou três pessoas, todas no estado da Paraíba.

"Assim como o sarampo, não há tratamento para nenhuma doença causada pelo Aedes aegypti. O que existe é uma vacina para dengue a quem já teve a doença", diz o infectologista.

Febre amarela

Na quarta-feira (12), foi a vez da Prefeitura de Blumenau (SC) confirmar o primeiro caso de febre amarela em humano em 2020: um homem de 26 anos que não tinha se vacinado.

A doença voltou a ser tratada como emergência no Brasil em 2014, quando o vírus avançou pelo Centro-Oeste em razão da baixa cobertura vacinal. Os maiores surtos da história ocorreram entre 2016 e 2018: 2.100 casos e mais de 700 óbitos, segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde.

30.jan.2017 - Enfermeira prepara vacina contra a febre amarela em São Paulo. O Brasil intensificou as medidas de prevenção contra a doença, especialmente em São Paulo, onde várias mortes foram registradas em poucos dias - Miguel Schincariol/AFP  - Miguel Schincariol/AFP
Enfermeira prepara vacina contra a febre amarela
Imagem: Miguel Schincariol/AFP
"Durante o monitoramento 2019/2020, foram notificados 428 casos humanos suspeitos, de todas as regiões do país, dos quais 71 permanecem em investigação", diz o boletim. "Dois casos humanos foram confirmados no período", com uma morte no Pará.

Entre julho do ano passado e fevereiro de 2020 foram notificadas 1.277 mortes de macacos, animal no ciclo da doença que chega aos humanos, com suspeita de febre amarela, "sinalizando a circulação ativa do vírus [...] e aumento do risco de transmissão às populações humanas com a chegada do verão".

Embora a cobertura vacinal mínima recomendada seja de 95%, o Brasil vacinou 40% do público alvo até o momento: faltam vacinar 118,3 milhões de pessoas.

O governo não planejou campanha de vacinação, mas decidiu que, a partir de 2020, as crianças de 4 anos receberão uma dose de reforço da vacina e que o imunizante será oferecido em todo o país, uma inclusão de 1.101 municípios.

Os principais sintomas da febre amarela são: calafrios, início súbito de febre, forte dor de cabeça, dores pelo corpo, náuseas, cansaço, dor abdominal e pele amarelada.

Sífilis

As ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) são uma epidemia global. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 1 milhão de pessoas são infectadas todos os dias no mundo.

No Brasil, a preocupação é com a sífilis. O último boletim do Ministério da Saúde contabilizou 26,3 mil ocorrências só em 2018. A estimativa da médica do Emílio Ribas é ainda maior: "São 400 casos por dia no Brasil".

A sífilis é descrita como uma ferida que surge entre 10 e 90 dias após o contágio. Ela ocorre onde a bactéria teve contato, como no pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outras regiões da pele.

A doença, cujo tratamento se restringe a aplicações de benzetacil, nem sempre é suficiente para evitar a sífilis congênita, quando a doença é transmitida durante a gestação.

Quando isso acontece, é comum que haja aborto espontâneo ou a criança morra ao nascer. Quando o bebê sobrevive, ele pode nascer com má-formação, surdez, cegueira ou deficiência mental.

6.abr.2017 - Recém-nascido em incubadora em Nova Iguaçu (RJ); cidade registrou 46 casos de sífilis congênita apenas nos dois primeiros meses de 2017 - Kelly Lima/Eder Content/UOL - Kelly Lima/Eder Content/UOL
Criança em incubadora em Nova Iguaçu (RJ); sífilis congênita afeta bebês
Imagem: Kelly Lima/Eder Content/UOL
"Como são infecções que ocorrem sem sintomas, as pessoas não percebem que estão infectadas. Então não se testam, não se tratam, e o risco de transmissão é imenso não só para o parceiro, mas entre mães e filhos", afirmou a epidemiologista da OMS Melaine Taylor no ano passado, quando o estudo foi divulgado.

Outro lado

Em entrevista ao UOL, Julio Croda, diretor do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, afirmou que, em relação ao sarampo, o país possui vacinas suficientes para toda a população, mas há dificuldade em mobilizar e conscientizar quem ainda não se vacinou.

"Em 2020, fizemos a maior compra de vacinas dos últimos anos e adquirimos 80 milhões de doses. Mas estamos tendo dificuldades em levar o público, principalmente os jovens adultos, para os postos de saúde. Mesmo assim, a ideia é eliminar a doença neste ano", disse Croda.

Sobre as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti (zika, dengue, chikungunya), Croda argumentou que o ministério já começou uma campanha de mobilização e conscientização em setembro passado, antes do início do verão, época em que há maior proliferação do inseto.

"Podemos ressaltar que, sobre a febre amarela, a gente fez uma previsão no ano passado, principalmente na região do Paraná e de Santa Catarina, de que haveria possibilidade de casos nesses estados. Ano passado, eles já foram informados pela pasta, enviamos duas equipes antes das ocorrências desses casos para treinamento e prevenção", diz Crota, citando o caso confirmado em Blumenau neste ano.

O Ministério da Saúde informou ainda que o enfrentamento da epidemia de sífilis é uma "ação prioritária" para a pasta, que está executando, desde o dia 8 de fevereiro, a campanha "usar camisinha é uma responsa de todos".

"Diferente de outros anos em que o foco foi a prevenção do HIV/Aids, neste ano, a campanha apresenta um novo conceito voltado para a prevenção de todas as infecções transmitidas por contato sexual. O objetivo é propor uma mudança de comportamento entre jovens, de 15 a 29 anos, quanto ao uso do preservativo para evitar doenças como sífilis, herpes genital, gonorreia e HPV", diz nota enviada à reportagem.