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Quarentena como estratégia para enfrentar coronavírus divide médicos

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

11/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Medidas restritivas como a quarentena dividem médicos
  • China e Itália já fecharam fronteiras; Brasil ainda não tomou medida neste sentido
  • Mesmo com as restrições, coronavírus deve se tornar "mais um tipo de resfriado"

A sensação de pânico instaurada com a disseminação do novo coronavírus, que já infectou mais de 113 mil pessoas ao redor do mundo, cresce na medida em que os números são atualizados. As restrições impostas nos países que identificaram a presença do vírus, em especial a China e a Itália, no entanto, dividem médicos ouvidos pelo UOL.

Além disso, a tendência é de que o vírus se torne corriqueiro a ponto de ser, num futuro próximo, "apenas mais um tipo de resfriado".

Comparado à China e à Itália — os dois países com o maior número de casos confirmados do novo coronavírus — o Brasil ainda vive uma situação considerada confortável. São 35 casos confirmados até a noite de terça-feira.

Ao contrário desses dois países, o Brasil adotou medidas menos restritivas em relação à disseminação da doença, como o monitoramento de voos provenientes dos países considerados "de risco" e a antecipação da campanha de vacinação contra a gripe.

Para ficar em um exemplo, a Itália colocou em quarentena cerca de 16 milhões de pessoas que vivem na região da Lombardia — incluindo a cidade de Milão.

O conceito de quarentena e seu objetivo, no entanto, geram opiniões divergentes. "É um procedimento bastante controverso porque é impossível saber qual sua verdadeira eficácia. O que sabemos com certeza é que esse tipo de medida em larga escala, como o cancelamento de eventos, a proibição de aglomerações, traz impactos econômicos, sociais e psicológicos", argumenta o infectologista Leonardo Weissmann.

A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) tem orbitado nesse debate. "Muita gente está questionando o porquê de a OMS não ter decretado a situação de pandemia até agora. A questão é que não há confirmação de transmissão comunitária em todos os continentes, e eles acreditam que vão conter a epidemia antes de chegar neste ponto", argumenta o médico.

Em termos práticos, declarar uma pandemia mundial indicaria que os governos devem trabalhar não mais para conter um caso, mas se preparar para atender uma parcela considerável da população.

Em seu boletim diário, a Organização afirmou ontem que "medidas que restringem a circulação de pessoas durante o surto devem ser proporcionais ao risco à saúde pública, ter curta duração e ser revisados regularmente à medida que surgem novas informações sobre o vírus".

A médica infectologista Joana D'arc afirma que a quarentena deve ser adotada levando em consideração as particularidades de cada país. "A mortalidade na Itália foi maior que na China, a população italiana é formada por mais idosos, eles têm maiores possibilidades de complicações porque têm uma longevidade maior.", argumenta D'arc.

Quando se faz o isolamento de indivíduos porque têm um alto risco de propagar a infecção, a ideia é tentar parar a propagação do vírus. É uma estratégia que é reconhecida como eficaz até certo ponto, dependendo do tempo de incubação da doença. (...) Os relatos que nós temos é de que houve diminuição na propagação da doença com a quarentena
Joana D'arc, médica infectologista

Ontem, um evento de educação com a participação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou 26 pessoas em isolamento em Brasília por causa da suspeita de contaminação de coronavírus.

É um isolamento "autoimposto", por uma sugestão de uma médica que atendeu Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos pela Educação, e que também está com suspeita da doença.

"Medo do novo"

Segundo Weissmann, há mais questionamentos do que respostas sobre o novo coronavírus, o que torna mais difícil traçar hipóteses sobre a doença. "É por isso que há tanto pânico", diz o médico, "e [por conta da falta de informações sobre o vírus] fica praticamente impossível saber até quando vão essas quarentenas e as medidas restritivas".

O que temos hoje, com o novo coronavírus, diz o médico, é apenas um "medo do novo".

"A tendência é se tornar um vírus do cotidiano. A família do coronavírus existe desde 1960, este é o sétimo tipo que infecta humanos. Existe até a possibilidade desse coronavírus deixar de existir em um futuro próximo, de médicos nem verem mais casos dele", avalia o infectologista.

Já D'arc afirma que é provável que, caso não seja desenvolvida uma vacina ou um método muito eficaz contra o vírus, a covid-19 (doença originada a partir do novo coronavírus) deve se tornar endêmica (enfermidade que aparece sazonalmente por um período e se torna mais previsível).

"Os coronavírus têm passado por mutações. A maioria dos resfriados comuns que nós temos é por vírus dessa família. Na China, há relatos de pessoas que teriam se infectado duas vezes. Isso é uma questão até de imunidade, e fica a pergunta: será que tive uma vez e vou pegar de novo? Não se sabe. Por isso a importância da quarentena, porque ela ajuda a interromper a transmissibilidade."