Topo

Com suspeita de covid-19, paciente espera há uma semana resultado de teste

Fernando Benicchio, fez exame para saber se tem o novo coronavírus - Arquivo pessoal
Fernando Benicchio, fez exame para saber se tem o novo coronavírus Imagem: Arquivo pessoal

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

18/03/2020 12h39Atualizada em 18/03/2020 18h32

Quando passou mal na faculdade no último dia 3 de março, o estudante da USP Fernando Benicchio logo pensou na possibilidade de estar como o novo coronavírus.

Crises constantes de tosse e uma febre de mais de 39°C fizeram com que ele corresse de hospital em hospital do SUS atrás do teste para a covid-19, a doença causada pelo vírus. Depois de buscar em três lugares diferentes, conseguiu no dia 10, mas o resultado não saiu até hoje.

Benicchio morou em Manchester, na Inglaterra, por dois anos e voltou ao Brasil em dezembro, dois meses antes do primeiro caso oficial em território nacional.

Porém, trabalha na área de aviação e tem muitos amigos comissários de bordo, que estiverem em países de alerta na época que os primeiros casos chegaram ao Brasil. Eles tiveram contato durante o Carnaval.

Por morar com a mãe, de 61 anos, e estudar na Cidade Universitária, onde circulam todos os dias centenas de milhares de pessoas e que teve um caso confirmado de transmissão naquela semana, o estudante preferiu não arriscar e procurou o serviço de saúde.

Pela primeira vez em anos precisou recorrer ao sistema público, pois está sem plano de saúde desde quando se mudou para a Europa.

"O tempo que morei aqui no Brasil, sempre tive plano de saúde. Para ironia do destino, essa foi a primeira vez que não fui ao [Hospital Albert] Einstein", contou em entrevista ao UOL. Foi assim que descobriu a dificuldade que era conseguir o teste na rede pública.

No dia 5 de março, Benicchio buscou orientação via telefone no número 136 - disponibilizado pelo Ministério da Saúde para atendimento sobre a covid-19 - que o aconselhou a buscar um hospital público de São Paulo. Ele buscou primeiramente o Hospital das Clínicas da USP, mas teve dificuldade para entrar.

"Para você ter uma base, o Hospital das Clínicas tem portas fechadas em pronto-socorro. Se você passar mal, você não chega no HC e é atendido, só se você chegar de ambulância. Tive que ficar batendo na porta fechada até que me atendessem, até que uma pessoa de lá julgasse que o meu caso precisava do serviço no pronto-socorro", contou.

Lá dentro, ele diz ter sido colocado em uma sala em isolamento e pediu para fazer o teste para a covid-19, mas a médica que o atendeu julgou que ele não estava com o coronavírus. "Vou fazer 38 anos, faz 38 anos que sei o que é ter uma gripe e nunca me senti desse jeito", disse.

A orientação que recebeu foi para que voltasse para casa e procurasse atendimento caso piorasse. "Eu falei: 'você está pedindo para que, caso tenha febre, tosse e diarreia, eu volte. Só que eu estou aqui exatamente porque eu estou com tudo isso'".

Ele voltou para a casa e piorou três dias depois. Ligou para a UBS da Vila Gomes, onde mora no Butantã, mas recebeu a resposta de que não tinham estrutura para fazer o teste do coronavírus. No dia 10 de março ele ligou no Hospital Universitário da USP, que fez uma primeira triagem por telefone e o orientou a ir até o pronto-socorro de lá.

Chegando lá, ele conta que foi levado ao isolamento e avaliado. "A médica residente avaliou a minha oximetria, disse que a respiração estava boa, então não podia fazer nada e mandou procurar o AMA. Falei 'escuta aqui, eu liguei para cá, me mandaram vir, você está vendo como estou me sentindo e você vai me mandar embora?'. Ela me desejou boa sorte, levantou e saiu".

O hospital então entrou em contato com o serviço de Vigilância Epidemiológica do Butantã que orientou Benicchio a procurar a UBS São Remo. Apenas lá, depois de muito esperar, ele conseguiu fazer o teste. "Todo esse caos, que levou 9 dias, só para enfiarem um cotonete no meu nariz. Parece piada".

O estudante recebeu um atestado de afastamento por 14 dias, com a numeração CID indicando uma infecção respiratória por coronavírus. Desde então, ele recebe ligações diárias da vigilância epidemiológica checando seu estado de saúde e o de sua mãe.

Porém, passados sete dias desde o exame, ele ainda não sabe se de fato teve a covid-19 ou não. Por segurança, decidiu fazer o autoisolamento.

O que dizem os citados

O UOL procurou a Unidade de Vigilância em Saúde do Butantã para saber porque o resultado ainda não saiu, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem. Também foi questionado à Secretaria de Saúde sobre o tempo de espera para o resultado do teste da covid-19, mas não obteve retorno.

Segundo Fernando, após todos esses dias de espera, os sintomas já estão passando. "A tosse está melhor, estou sem febre, intestino voltando ao normal. Ainda sinto algum cansaço, mas to melhorando. No entanto hoje completou 15 dias, então é natural estar melhor, embora nunca eu tenha tido uma infecção que tenha durado com tosse por 15 dias".

Em nota enviada ao UOL após o fechamento da reportagem, o Hospital das Clínicas disse que "o paciente Fernando Benicchio passou por triagem, atendimento médico e não atendia aos critérios epidemiológicos para casos suspeitos e por isso não foi testado para coronavírus. O HCFMUSP esclarece, ainda, que segue todos os protocolos definidos pelo Ministério da Saúde."

"O Hospital das Clínicas reforça que é um hospital de alta complexidade para atendimento de casos graves, levados ao PS por ambulâncias, resgaste ou pelo helicóptero águia da PM. A orientação é para que as pessoas procurem as unidades básicas de saúde próximas de suas casas. Em caso de necessidade, elas serão encaminhadas para o HCFMUSP", finaliza o comunicado.

O Hospital Universitário não respondeu aos nossos contatos.

Quando Benicchio fez o teste, no dia 10 de março, todos os pacientes que apresentavam febre, tosse e falta de ar que haviam viajado para países em alerta ou tido contato com pacientes confirmados se encaixavam em casos suspeitos e realizavam o exame.

Agora, a orientação do Ministério da Saúde é que sejam testados apenas os casos graves que estejam internados ou em clínicas sentinelas. Ontem, a Organização Mundial da Saúde disse que é necessário realizar testes em massa para conter o contágio do vírus.