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Risco de Covid-19 barra idoso casado há 40 anos de visitar mulher internada

Wilton e Sandra Falcão posam para foto com a bebê Maria Rita, a primeira neta - Arquivo pessoal
Wilton e Sandra Falcão posam para foto com a bebê Maria Rita, a primeira neta Imagem: Arquivo pessoal

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

23/03/2020 18h26

Wilton, 64, e Sandra, 63, estão juntos há quase quatro décadas, enfrentam problemas de saúde há dois anos e nesta semana, no momento mais delicado da vida do casal, não podem se encontrar por causa do risco de contágio com coronavírus.

Ele faz hemodiálise três vezes por semana em um hospital, e ela está internada em outro, para uma cirurgia de aneurisma cerebral. Mas as visitas foram limitadas em meio à pandemia de covid-19, e idosos com problemas de saúde, como eles, não podem visitar pacientes internados.

O casal mora em Ananindeua (PA), região metropolitana de Belém. Wilton foi motorista, Sandra foi professora, e ambos estão hoje aposentados. Desde 2018, ele faz hemodiálise pelo menos três vezes por semana. Ela tem 63 e tem deficiência visual, mas só parou de trabalhar quando teve que se dedicar inteiramente ao tratamento do marido.

A família Falcão tem dois filhos: Cássio, 33, o mais velho, é caminhoneiro e passa muitos dias na estrada; então coube a Gabriel, 22, cuidar dos pais. "Por ter doença renal crônica, meu pai tem alguns órgãos debilitados e uma saúde bem mais frágil. São tempos difíceis, e a gente tem convivido com muito mais medo", diz.

Wilton não pode visitar Sandra porque o hospital em que ela está, o Beneficência Portuguesa, recomenda desde a última quarta-feira (18) que os visitantes não sejam idosos "para evitar o contágio do novo coronavírus". No caso dele, por conta do problema renal, a recomendação passa a ser uma proibição.

As infecções por coronavírus, segundo dados coletados nos países mais afetados pela crise, são leves na maioria dos casos. Mas o risco é maior para idosos com doenças pré-existentes. Daí as restrições às saídas de quem mais de 60 anos e o veto a essa faixa etárias em alguns hospitais.

Wilton e Sandra frequentam hospitais diferentes. Aquele em que ele faz hemodiálise não realiza o exame mais sofisticado que ela precisou fazer, na semana passada, para determinar o método da cirurgia. Havia a esperança de ser um cateterismo, mais simples, mas a equipe médica optou por pelo procedimento convencional: abre-se um pedaço do crânio para ter acesso ao cérebro e fechar o aneurisma com um clipe metálico. A expectativa da família é que Sandra Falcão passe pela cirurgia amanhã.

A rotina hospitalar de Gabriel Falcão

Gabriel, Wilton e Sandra Falcão lutam contra problemas de saúde em meio à pandemia de covid-19 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriel, Wilton e Sandra Falcão lutam contra problemas de saúde em meio à pandemia de covid-19
Imagem: Arquivo pessoal

Gabriel tem sido o elo da família desde que a mãe foi internada, há cerca de dez dias. Ele trabalha em uma Unidade de Saúde da Família do SUS, mas precisou tirar licença para acompanhar o pai no tratamento. Em condições normais, ele estaria atuando no combate ao coronavírus, mas a rotina atual é muito mais familiar.

Gabriel acorda por volta das 7h30 da manhã e faz café para o pai. Aplica insulina nele, espera ele tomar o café da manhã e então passa a adiantar algumas tarefas de casa — que normalmente seriam feitas pela mãe. Por volta do meio-dia vai chamar Wilton, que passa boa parte do dia deitado, e serve o almoço. "Aplico insulina de novo, dou comida e aí dou banho nele para poder arrumar e ir para a hemodiálise nos dias que tiver", explica.

Eles saem de casa às 14 horas, de carro, para um trajeto de 15 quilômetros até o Hospital Saúde da Mulher, em Belém. A sessão começa às 16h e dura quatro horas. Como acompanhante, Gabriel teria que permanecer em uma sala anexa, de prontidão caso o pai passe mal durante a hemodiálise, mas com a mãe internada, este período do dia é sua única chance de visitá-la. "Eu conto com a solidariedade dos outros acompanhantes. Deixo meu pai lá, assino os documentos e quando começa vou para o outro hospital visitar minha mãe", conta.

São 2,5 quilômetros até o Hospital da Beneficência Portuguesa, onde a mãe aguarda a cirurgia de aneurisma. Ela está acompanhada dia e noite da irmã, Katia Lima. "Converso com o médico, espero o horário de visita e entro. Depois da visita fico esperando no carro até às 20h para pegar meu pai, porque é longe de casa, não daria para voltar e depois ir buscá-lo em Belém", explica.

Wilton sai enfraquecido da hemodiálise e precisa de mais cuidados. "Ele fica com muitas dores nas costas, tem tontura, às vezes desmaia. Nós chegamos em casa, eu dou o jantar e banho nele, e ele deita depois das 21h", diz Gabriel, que ainda monitora o pai por mais duas horas, certificando-se que ele não passe mal. Depois de tudo isso, vai estudar.

Gabriel Falcão está no quarto período da faculdade de direito e estuda à distância desde que as aulas foram suspensas por causa do coronavírus. "O tempo que eu tenho para estudar é de madrugada", afirma o jovem, que diz seguir adiante por ter "bons amigos e uma namorada que ajuda muito".

Sobre a força que tem demonstrado, Gabriel rejeita elogios. "Eu sinceramente não acho. Faço o que qualquer pessoa faria no meu lugar; eu não tenho escolha."