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Coronavírus faz o que nem Zika, nem óleo conseguiram: parar o turismo no NE

Praia do Gunga, em Roteiro (AL), totalmente vazia no fim de semana passada - Governo de Alagoas
Praia do Gunga, em Roteiro (AL), totalmente vazia no fim de semana passada Imagem: Governo de Alagoas

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Segundo o Ministério do Turismo, a região responde pelo recebimento de 41% do turismo doméstico em voos
  • Somente em Porto de Galinhas (PE), se os hotéis ficarem 90 dias fechados, a perda de receita será de R$ 976 milhões
  • Parques como Fernando de Noronha (PE), Jericoacoara (CE) e Lençóis Maranhenses estão fechados sem previsão de retorno

Em 2015, o Nordeste se viu no epicentro de uma epidemia causada pelo vírus da Zika que impactou o turismo. No ano passado, foi a vez do óleo no mar resultar em cancelamentos de pacotes para a região. Entretanto, perto do momento atual da covid-19, as crises passadas quase parecem irrelevantes.

"Parou tudo completamente. Isso jamais tinha acontecido, os hotéis fecharam. A crise é avassaladora para o setor", afirma José Odécio, presidente da ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) no Rio Grande do Norte.

Nenhuma região tem tanta dependência econômica do turismo como o Nordeste. Segundo o Ministério do Turismo, a região responde pelo recebimento de 41% do turismo doméstico em voos, seguido por Sul (26%) e Sudeste (20%).

"No caso da Zika foi algo pontual. Já a crise do óleo não trouxe uma paralisação do setor, só uma redução temporária no número de reservas, com pouquíssimos cancelamentos", explica o líder do trade no Rio Grande do Norte.

O prejuízo que os empresários e estados terão ainda é incerto, mas sabe-se que será na casa dos bilhões.

Somente em Porto de Galinhas, principal destino turístico de Pernambuco, os empresários calcularam que, se os hotéis ficarem 90 dias fechados, a perda de receita será de R$ 976 milhões.

"Nunca na história da hotelaria em Porto de Galinhas vivemos uma situação como esta. Já passamos por diversas retenções econômicas, mas nunca tivemos o fechamento dos hotéis", afirma presidente do Porto de Galinhas Convention & Visitors Bureau, Eduardo Tiburtius.

Praia de Porto de Galinhas interditada e fiscalizada pela prefeitura para evitar acesso no fim de semana passado - PREFEITURA DE IPOJUCA - PREFEITURA DE IPOJUCA
Praia de Porto de Galinhas interditada e fiscalizada pela prefeitura para evitar acesso no fim de semana passado
Imagem: PREFEITURA DE IPOJUCA

Tudo parado

Parques com grande visitação turística como Fernando de Noronha (PE), Jericoacoara (CE) e Lençóis Maranhenses estão fechados para visitação, sem previsão de retorno.

Praticamente não há mais voos entre estados vindos do Sul e Sudeste e do exterior para o Nordeste, e também não há previsão de restabelecimento das rotas.

Eventos corporativos e de classe, que movimentam as redes hoteleiras nesse período entre as férias, foram todos desmarcados. Grandes festas, como o São João de Campina Grande (PB), foram adiadas. A Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em Pernambuco, ocorrerá pela primeira vez em sua história fora da Semana Santa, em setembro.

Com esse cenário, há uma enxurrada de cancelamentos, que atingem 85% das reservas do mês. "Esses três meses estão perdidos, e pior: as férias escolares de julho não vão ocorrer mais. Então, além da queda, o coice", comenta José Odécio.

Por conta da crise, a ABAV (Associação Brasileira de Agência de Viagens) informou ao UOL que seus filiados praticamente pararam as vendas para atuarem em uma força-tarefa exclusiva para atender os clientes que tiveram voos cancelados e pacotes desmarcados.

Estados tentam ajudar

Os estados estão tentando se movimentar para ajudar o setor. No Maranhão, uma das demandas do trade ao governo do estado foi a ajuda com uma campanha publicitária incentivando a remarcação das viagens e a promoção dos destinos para comercialização posterior.

No Ceará, entidades do setor de turismo e eventos se uniram e criaram um comitê para avaliar os impactos negativos da covid-19 e cobrar ações governamentais.

Na Bahia, a ABIH-BA disse que está "empenhada na busca do apoio dos governos federal, estadual e municipal, bem como de bancos de desenvolvimento e privados, além de instituições das mais diversas esferas, visando minimizar esses impactos nas operações de nossos associados."

Em Alagoas, onde o turismo vinha apresentando alta de 5% ano, o setor tem uma participação de 7% no PIB (Produto Interno Bruto) do estado, sendo o segundo maior empregador — atrás apenas da indústria da transformação.

"O turismo distribui riqueza em várias cadeias, desde o vendedor de coco na praia até o motorista de aplicativo. Todos são impactados pela frequência de visitantes. Estamos esperando uma grande queda e um grande impacto aqui", afirma o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Alagoas, Rafael Brito.

Apesar de ainda ser uma mera previsão, a estimativa de queda do setor no estado para 2020 é de 30% a 40%. "Para o setor, essa crise é arrasadora em dobro, porque tem o período da crise e a crise de confiança porque, depois que isso acabar, as pessoas vão deixar, por um bom tempo, de viajar. É outro desafio", completa.

Para o secretário de Turismo e Lazer de Pernambuco, Rodrigo Novaes, o cenário atual pode ser comparado ao de uma guerra. "Nesse caso atual, a economia toda está afetada, não só o turismo. Em tempos de guerra, em tempos de pandemia como essa que a gente enfrenta agora, o turismo sofre muito. Tudo o que o turismo prega, o deslocamento, o lazer, é contrário às orientações das autoridades de saúde. Sem dúvida, essa é a crise mais difícil das últimas décadas", afirma.

Ele admite que a parada das viagens, o cancelamento de eventos e o fechamento de empreendimentos são inevitáveis. "Não temos dúvida de que há hotéis e restaurantes que não irão aguentar este momento", diz.

"Nesse cenário tão difícil, o nosso trabalho como poder público é direcionar ações e intermediar junto ao governo federal medidas que possam socorrer o segmento para que a gente possa sobreviver a essa crise, que é muito mais dura que a que enfrentamos no ano passado com a chegada do óleo às praias", finaliza.