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Até Meca parou: polos religiosos mundiais vão na contramão de Bolsonaro

28.fev.2020 - Muçulmanos usam máscaras contra o coronavírus em Meca, na Arábia Saudita - Abdel Ghani Bashir/AFP
28.fev.2020 - Muçulmanos usam máscaras contra o coronavírus em Meca, na Arábia Saudita Imagem: Abdel Ghani Bashir/AFP

Colaboração para o UOL, em São Paulo

29/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Nações muçulmanas têm tomado providências que evitam acesso a mesquitas e locais sagrados, com a intenção de conter o coronavírus
  • No Brasil, Jair Bolsonaro editou um decreto para autorizar a organização de cultos -- a Justiça Federal suspendeu ontem a validade do mesmo
  • No dia 4 de março, imagens da Grande Mesquita de Meca vazia estarreceram o mundo muçulmano
  • Autoridades religiosas de todo o Oriente Médio se mobilizam para cancelar ou limitar reuniões de orações

Enquanto no Brasil o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou nesta semana um decreto que qualificou atividades religiosas como essenciais, autorizando a organização de cultos, que podem ocasionar aglomerações em meio à pandemia do novo coronavírusa Justiça Federal suspendeu a validade do decreto —, nações muçulmanas têm tomado providências que evitam acesso a mesquitas e locais sagrados, com a intenção de conter o alastramento da covid-19.

As restrições a aglomerações de religiosos no mundo islâmico começaram em 27 de fevereiro, na Arábia Saudita, quando o governo do país proibiu a entrada de estrangeiros para a Umrah, a "pequena peregrinação", em que muçulmanos de todo o mundo visitam locais sagrados nas cidades de Meca e Medina.

A agência de notícias Bloomberg relatou que, naquele mesmo dia, um evento religioso islâmico com 16 mil pessoas organizado na Malási colaborou para o alastramento do coronavírus no país e em vizinhos, como Cingapura e Brunei — aproximadamente 1,5 mil fiéis que foram ao encontro religioso eram estrangeiros. Cerca de 1,6 mil malaios que compareceram ao evento apresentaram complicações respiratórias posteriormente.

No dia 4 de março, a agência de notícias oficial da Arábia Saudita (SPA) informava que a Umrah havia sido proibida também para habitantes do país. Imagens da Grande Mesquita de Meca (que abriga a Caaba em seu centro e é considerada o local mais sagrado do Islã) vazia estarreceram o mundo muçulmano. O país árabe registrava, então, cinco casos confirmados de contágio por coronavírus.

Prevista para ocorrer em julho, é possível que a peregrinação do Hajj, que todo muçulmano tem de fazer ao menos uma vez na vida e que reúne milhões de peregrinos em torno da Caaba, seja postergada ou cancelada este ano pelas autoridades sauditas.

No mesmo dia 4 de março, a TV estatal do Irã — o país, até então, tinha registrado 3,5 mil casos de covid-19 — anunciava o cancelamento das orações de sexta-feira, que equivalem às missas católicas aos domingos, em todas as capitais provinciais do país xiita. Do lado sunita, o ministro de dotações religiosas do Egito, Mohamed Juma, afirmou na televisão que o cancelamento das orações de sexta nas mesquitas era aceitável diante da pandemia do novo coronavírus.

Orações em casa

No dia 13 de março, a Al-Jazeera informava que "autoridades religiosas de todo o Oriente Médio se mobilizam para cancelar ou limitar reuniões de orações para ajudar a evitar a disseminação do novo coronavírus".

Compilando informações de diversas agências de notícias, o site da rede de TV do Qatar ressaltava que as autoridades religiosas da Mesquita de Al-Aqsa, considerada o terceiro lugar mais sagrado do Islã, em Jerusalém, recomendaram que as preces fossem feitas do lado de fora, no entorno do centro religioso, para evitar aglomerações em espaços fechados.

A Al-Jazeera reportava também chamamentos de diversos países muçulmanos para restrições na frequência de mesquitas, ou para que as orações da sexta-feira fossem realizadas em casa.

Na sexta-feira seguinte (20), circulou um vídeo que mostrava Istambul sob o canto de um muezim, religioso que normalmente conclama os fiéis às mesquitas cinco vezes ao dia, por meio de caixas de som instaladas em cima dos minaretes. Em vez de chamar os muçulmanos para os centros de oração, porém, o muezim aconselhava as pessoas a rezar em suas casas — algo considerado sem precedentes na tradição islâmica. A famosa Mesquita Azul, um dos principais pontos turísticos da Turquia, já estava fechada.

Naquele 20 de março, a agência de notícias Reuters informava que "o coronavírus paralisou as orações comunais muçulmanas pela primeira vez na memória viva de muitas mesquitas, da Indonésia ao Marrocos". Mas a reportagem produzida por jornalistas em Jacarta, Istambul e Mogadíscio alertava: "em alguns lugares, fiéis desafiaram o conselho dos médicos e se reuniram em cultos".

Índia e Sudeste Asiático

Na última sexta, autoridades islâmicas de Índia, Caxemira e países do Sudeste Asiático também suspenderam as orações nas mesquitas, pedindo para que os fiéis rezassem em casa, segundo informações do jornal indiano Times of India e da agência de notícias turca Anadolu.

Na Indonésia, o país com maior população muçulmana no mundo, apesar de a autoridade religiosa ter cancelado por duas semanas as orações nas mesquitas, as orações de sexta-feira nos centros religiosos continuou obrigatória para os fiéis em "áreas com baixo potencial de transmissão" do coronavírus.

No Paquistão, a frequência às mesquitas das principais cidades diminuiu bastante, segundo a imprensa do país. Em Bangladesh, os muçulmanos respeitaram "parcialmente" a orientação de rezar em casa, ainda de acordo com a Anadolu.