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Bolsonaro cita emprego de novo, mas muda tom sobre vírus: 'É uma realidade'

Carolina Marins, Emanuel Colombari, Juliana Arreguy e Rodolfo Vicentini

Do UOL, em São Paulo

31/03/2020 20h40Atualizada em 01/04/2020 08h59

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em pronunciamento transmitido hoje em rede nacional, voltou a citar a preocupação que tem com emprego dos brasileiros em época de pandemia, mas mudou o tom e admitiu que o coronavírus "é uma realidade".

"O vírus é uma realidade. Ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente aprovada, apesar da hidroxicloroquina parecer bastante eficaz", disse Bolsonaro.

Em seu pronunciamento, que durou aproximadamente oito minutos, o presidente falou novamente sobre o que considera ser sua missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos.

"Todos nós temos que evitar ao máximo qualquer perda de vida humana. Como disse o diretor-geral da OMS: 'todo indivíduo importa'. Ao mesmo tempo, devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros", disse.

Por um lado, temos que ter cautela e precaução com todos, principalmente com mais idosos e portadores de doenças. Por outro, temos que combater o desemprego, que cresce rapidamente em especial entre os mais pobres
presidente Jair Bolsonaro

Diferentemente do pronunciamento anterior, quando chegou a usar o termo "gripezinha" e disse que não ficaria doente por ter "histórico de atleta", Bolsonaro em nenhum momento minimizou a gravidade da pandemia e, apesar de falar que se preocupa com os autônomos, não defendeu abertamente o isolamento parcial, como vinha fazendo.

Segundo um estudo feito nos Estados Unidos e na Alemanha, o fim do isolamento não impediria a recessão econômica. Para os pesquisadores, o confinamento de fato aumenta o impacto na recessão econômica, mas tem o potencial de evitar 500 mil mortes só nos Estados Unidos.

O chefe do Executivo ainda listou medidas recomendadas pelo Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS), e foi mais comedido ao falar sobre a cloroquina e uma possível cura para o coronavírus.

"Determinei ao nosso ministro da Saúde [Henrique Mandetta] que não poupasse esforços, apoiando através do SUS todos os estados do Brasil, aumentando a capacidade da rede de saúde e preparando-a para o combate à pandemia", afirmou Bolsonaro.

Bolsonaro oculta citações do diretor da OMS

A exemplo do que ocorreu na manhã de hoje, em frente ao Palácio do Alvorada, Bolsonaro voltou a ocultar trechos do pronunciamento do diretor-presidente da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que lembrou a necessidade que muitos trabalhadores têm de deixar o lar para "ganhar o pão".

No entanto, Ghebreyesus também cobrou dos governos a responsabilidade de cuidar da parte econômica para que trabalhadores possam ficar em casa durante o isolamento social. O acréscimo não foi feito por Bolsonaro em seu pronunciamento na noite de hoje.

"Não me valho dessas palavras para negar a importância das medidas de prevenção", afirmou no pronunciamento o presidente, que declarou estar pensando nos "mais vulneráveis" e citou trabalhadores autônomos, camelôs, diaristas e caminhoneiros como alvos de sua preocupação "por toda a vida pública".

"Nesse sentido, o senhor Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, disse saber que: 'muitas pessoas de fato têm que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário e que os governos têm que levar essa população em conta'. Continua ainda: 'se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que acontecerá com essas pessoas, que têm que trabalhar todos os dias e que têm que ganhar o pão de cada dia todos os dias?'"

Bolsonaro também ocultou que o próprio diretor da OMS utilizou o Twitter, nesta tarde, para fornecer uma resposta direta, ainda que sem citar nomes.

Ele escreveu que pessoas "sem salários regulares ou poupanças merecem políticas sociais que garantam dignidade e permitam a elas adotar medidas contra a covid-19 seguindo orientações de saúde da OMS e de autoridades locais".

Ainda, o diretor da OMS afirmou que, por ter crescido em meio à pobreza, ele entende a situação. "Peço aos países que desenvolvam políticas de proteção econômica a quem não pode receber ou mesmo trabalhar durante a pandemia de covid-19. Solidariedade."

Hoje o Brasil bateu o recorde de mortes em 24 horas. Foram 42 mortes de ontem para hoje, totalizando 201. Ontem o país já tinha batido um recorde, com 23 mortes. No total, são 5.717 casos oficiais confirmados no país — 1.138 diagnósticos confirmados em um dia — e 3,5% de letalidade, informou o ministério.

Pacto nacional

Também diferentemente do que fizera no pronunciamento anterior, Bolsonaro não atacou as medidas dos governadores que têm decretado quarentena e isolamento nos estados. Pelo contrário, o presidente afirmou que é necessário fazer um pacto nacional que reúna todos os entes da federação.

"Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos, num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade", listou o presidente.

Na semana passada, Bolsonaro acusou os governadores que estão implantando a quarentena de estarem tentando desestimular os investimentos no país. Ele citou nominalmente Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro, e chegou a discutir com João Doria (PSDB), de São Paulo.

Outros personagens da política nacional, como os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM) e Davi Alcolumbre (DEM), respectivamente, criticaram o pronunciamento anterior de Bolsonaro.

Leia abaixo o texto na íntegra:

Boa noite.

Venho nesse momento importante me dirigir a todos vocês. Desde o início do governo, temos trabalhado em todas as frentes para sanar problemas históricos e melhorar a vida das pessoas. O Brasil avançou muito nesses 15 meses, mas agora estamos diante do maior desafio da nossa geração.

Minha preocupação sempre foi salvar vidas, tanto as que perderemos pela pandemia quanto aquelas que serão atingidas pelo desemprego, violência e fome. Me coloco no lugar das pessoas e entendo suas angústias. As medidas protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e coordenada.

Nesse sentido, o Sr. Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, disse saber que: 'muitas pessoas de fato têm que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário', e que 'os governos têm que levar essa população em conta'.

Continua ainda: 'se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que acontecerá com essas pessoas, que têm que trabalhar todos os dias e que têm que ganhar o pão de cada dia todos os dias?'.

Ele prossegue: 'então, cada país, baseado em sua situação, deveria responder a essa questão'. O diretor da OMS afirma ainda que: 'com relação a cada medida, temos que ver o que significa para o indivíduo nas ruas'.

E complementa: 'eu venho de família pobre, eu sei o que significa estar sempre preocupado com seu pão diário, e isso deve ser levado em conta, porque todo indivíduo importa. A maneira como cada indivíduo é afetado pelas ações deve ser considerada'.

Não me valho dessas palavras para negar a importância das medidas de prevenção e controle da pandemia, mas para mostrar que, da mesma forma, precisamos pensar nas mais vulneráveis. Essa tem sido minha preocupação desde o princípio.

O que será do camelô, do ambulante, do vendedor de churrasquinho, da diarista, do ajudante de pedreiro, do caminhoneiro e dos outros autônomos com quem venho mantendo contato durante toda minha vida pública?

Por isso determinei ao nosso ministro da Saúde que não poupasse esforços, apoiando através do SUS todos os estados do Brasil, aumentando a capacidade da rede de saúde e preparando-a para o combate à pandemia.

Assim, estão sendo adquiridos novos leitos já com respiradores, equipamentos de proteção individual, kits para testes e demais insumos necessários. Determinei ainda ao nosso ministro da Economia que adotasse todas as medidas possíveis para proteger sobretudo o emprego e a renda dos brasileiros.

Fizemos isso através de ajuda financeira aos estados e municípios, linhas de crédito para empresas, auxílio mensal de R$ 600 aos trabalhadores informais e vulneráveis, entrada de mais de 1 milhão e 200 mil famílias no programa Bolsa Família. Adiamos também o pagamento de dívidas dos estados e municípios, só para citar algumas das medidas adotadas.

Além disso, no dia de hoje, em comum acordo com a indústria farmacêutica, decidimos adiar por 60 dias o reajuste de medicamentos no Brasil. Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos.

Por um lado, temos que ter cautela e precaução com todos, principalmente junto aos mais idosos e portadores de doenças pré-existentes. Por outro, temos que combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial entre os mais pobres.

Vamos cumprir essa missão, ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas. O vírus é uma realidade, ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente comprovada — apesar da hidroxicloroquina parecer bastante eficaz.

O coronavírus veio e um dia irá embora. Infelizmente teremos perdas neste caminho. Eu mesmo já perdi entes queridos no passado e sei o quanto é doloroso.

Todos nós temos que evitar ao máximo qualquer perda de vida humana. Como disse o diretor-geral da OMS: 'todo indivíduo importa'. Ao mesmo tempo, devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros.

Na última reunião do G-20, nós, os chefes de Estado e de Governo, nos comprometemos a proteger vidas e a preservar empregos. Assim o farei. Desde fevereiro, determinei o emprego das Forças Armadas no combate ao coronavírus. O ministério da Defesa realizou o resgate de brasileiros na China. Agora, as Forças Armadas atuam em apoio às áreas de saúde e segurança em todo o Brasil.

Foi ativado um centro de operações que coordena as ações, e 10 Comandos Conjuntos foram criados, cobrindo todo o território nacional. Realizam ações que vão desde a montagem de postos de triagem de pacientes, apoio a campanhas informativas e campanhas de vacinação, logística e transporte de medicamentos.

Os Laboratórios Químico-Farmacêutico Militares entraram com força total e, em 12 dias, serão produzidos 1 milhão de comprimidos de cloroquina, além de álcool gel.

Repito: o efeito colateral das medidas de combate ao coronavírus não pode ser pior que a própria doença. A minha obrigação como presidente vai para além dos próximos meses: preparar o Brasil para sua retomada, reorganizar nossa economia e mobilizar todos nossos recursos e energia para tornar o Brasil ainda mais forte após a pandemia.

Aproveito a oportunidade para me solidarizar e agradecer o empenho e sacrifício pessoal de todos os profissionais de saúde, da área de segurança, caminhoneiros e todos os trabalhadores de serviços considerados essenciais, que estão mantendo o país funcionando, bem como aos homens e mulheres do campo, que produzem nossos alimentos.

Com esse mesmo espírito, agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos, num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos. Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade.

Deus abençoe o nosso amado Brasil