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Bolsonaro volta a usar fala de diretor da OMS e diz estar ao lado do povo

Do UOL, em São Paulo

31/03/2020 20h35

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a mencionar falas do diretor-presidente da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fora de contexto na noite de hoje, em pronunciamento em rádio e televisão para todo o país. Ele omitiu novamente trechos do pronunciamento do diretor, que cobrou dos governos a responsabilidade de cuidar da parte econômica para que trabalhadores possam ficar em casa durante o isolamento social.

"Não me valho dessas palavras para negar a importância das medidas de prevenção", afirmou o presidente, que declarou estar pensando nos "mais vulneráveis".

A exemplo da manhã de hoje, quando já havia retirado a fala de contexto, Bolsonaro disse que desde o princípio se preocupa com o que será de profissionais que atuam na informalidade: "O que será do camelô, do ambulante, do vendedor de churrasquinho, da diarista, do ajudante de pedreiro, do caminhoneiro e dos outros autônomos com quem venho mantendo contato durante toada minha vida pública?", disse.

"Nesse sentido, o senhor Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, disse saber que 'muitas pessoas de fato têm que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário', e que os governos têm que levar essa população em conta'. Continua ainda: 'se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que acontecerá com essas pessoas, que têm que trabalhar todos os dias e que têm que ganhar o pão de cada dia todos os dias?'"

Bolsonaro também acrescentou estar ampliando a capacidade das unidades de saúde em todo o país para lidar com o aumento da demanda em função da pandemia. "Por isso, determinei ao nosso ministro da Saúde que não poupasse esforços, apoiando através do SUS todos os estados do Brasil, aumentando a capacidade da rede de saúde e preparando-a para o combate à pandemia."

Presidente oculta fala de diretor da OMS

Hoje de manhã, o presidente distorceu uma entrevista do diretor-presidente da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Ghebreyesus, na qual ele dizia que os trabalhadores "precisam trabalhar para ter o pão de cada dia". Após essa frase, o diretor ainda disse que os governos deveriam garantir que todos cumprissem o isolamento social.

Tirando a declaração do contexto, Bolsonaro insinuou que a entidade estaria alinhada às críticas ao isolamento social e disse que, Tedros, por ser africano, "sabe o que é passar dificuldade".

A entidade respondeu em duas publicações em redes sociais, mas sem citar Bolsonaro diretamente. Ele escreveu que pessoas "sem salários regulares ou poupanças merecem políticas sociais que garantam dignidade e permitam a elas adotar medidas contra a covid-19 seguindo orientações de saúde da OMS e de autoridades locais".

Hoje o Brasil bateu o recorde de mortes em 24 horas. Foram 42 mortes de ontem para hoje, totalizando 201. Ontem o país já tinha batido um recorde, com 23 mortes. No total, são 5.717 casos oficiais confirmados no país — 1.138 diagnósticos confirmados em um dia — e 3,5% de letalidade, informou o ministério.

Último pronunciamento

Na terça passada, Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional no qual chamou a covid-19 de "gripezinha" e acusou a imprensa de espalhar pânico. Bolsonaro também criticou governadores por determinarem quarentena — com fechamento de comércio e fronteiras — e questionou o motivo pelo qual escolas foram fechadas.

O pronunciamento foi criticado por políticos, autoridades em saúde, especialistas e pela imprensa internacional, por ir na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde. Desde então, Bolsonaro tem defendido o isolamento vertical, no qual apenas os grupos de risco e os infectados ficariam afastados do trabalhado e as demais pessoas voltariam às suas vidas normais.

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O presidente Jair Bolsonaro contrariou orientações para isolamento e deu uma volta em Ceilândia
Imagem: Foto: Marcos Pereira/ Estadão

Crise econômica e defesa do isolamento vertical

Bolsonaro defende o isolamento vertical alegando que a quarentena para todos trará danos à economia, porém em reuniões com secretários estaduais, autoridades federais admitiram que não há um estudo para justificar este pensamento. Segundo um estudo feito por nos Estados Unidos e na Alemanha, o fim do isolamento não impediria a recessão econômica. Segundo os pesquisadores, o confinamento de fato aumenta o impacto na recessão econômica, mas tem o potencial de evitar 500 mil mortes só nos Estados Unidos.

Na sexta-feira, o presidente voltou a pedir que os brasileiros voltem ao trabalho e disse não acreditar no número de mortos em São Paulo, estado que concentra os maiores casos. Ele acusou os governadores que estão implantando a quarentena de estarem tentando desestimular os investimentos no país.

"Alguns vão morrer, vão morrer, lamento, é a vida. Não pode parar uma fábrica de automóveis porque tem mortes no trânsito", disse durante entrevista ao Brasil Urgente.

O próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem defendido o isolamento social completo — embora tenha amenizado esse discurso logo após o pronunciamento do presidente. Hoje ele reforçou a orientação de que as pessoas mantenham medidas de isolamento social como forma de retardar a velocidade de transmissão do novo coronavírus no país.

O isolamento vertical defendido por Bolsonaro não tem embasamento científico e é alvo de críticas de entidades médicas. Especialistas ouvidos pelo UOL já disseram que este tipo de isolamento pode não funcionar no Brasil, pois não há testes para todos, portanto não há como saber quem está contaminado ou não. Entidades como a Sociedade Brasileira de Infectologia e Fiocruz demonstração preocupação com a fala e reforçaram que apenas o isolamento horizontal funcionaria para retardar as contaminações.

Passeio no DF e isolamento político

Ontem Bolsonaro mais uma vez contrariou as orientações mundiais em saúde ao sair para "falar com o povo" e passar pelo Distrito Federal pelas regiões de Ceilândia, Taguatinga e Sobradinho. Hoje, ele demonstrou irritação com as críticas: "Não fui passear, não", disse hoje ao deixar o Palácio da Alvorada. Segundo Bolsonaro, "não é apenas a questão de vida, é a questão da economia e do emprego também".

Além de contrariar as orientações públicas do Ministério da Saúde, Bolsonaro tem dito a auxiliares que está de "saco cheio" de Luiz Henrique Mandetta, chefe da pasta. Ele só não o demitiu até agora para evitar agudizar a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.

O clima com os governadores também segue tenso no início de semana. João Doria (PSDB-SP) afirmou: "Não sigam as orientações do presidente. Ele não orienta corretamente e não lidera no combate ao corona e na preservação à vida". Já o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), disse que Bolsonaro pode ser acusado de crimes contra a humanidade por desrespeitar reiteradamente as determinações sanitárias no combate à covid-19.

Presidente é alvo de notícia-crime

Na segunda-feira, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello determinou que a PGR (Procuradoria-Geral da República) analise uma notícia-crime apresentada contra Bolsonaro para que a "conduta irresponsável e tenebrosa e criminosa" que ele tem adotado "não continue a colocar em risco a saúde de todos os cidadãos brasileiros". Segundo a petição, a "conduta irresponsável e tenebrosa" de Bolsonaro incorre no crime previsto no artigo 268 do Código Penal Brasileiro, que trata de "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa" e prevê detenção de um mês a um ano, além de multa.