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Tese de 'golpe' contra Bolsonaro ignora regras de impeachment e sucessão

Mensagem sobre suposto pacto para tirar Jair Bolsonaro do poder esbarra em uma série de erros técnicos e jurídicos -
Mensagem sobre suposto pacto para tirar Jair Bolsonaro do poder esbarra em uma série de erros técnicos e jurídicos

Felipe Amorim e Guilherme Mazieiro

Do UOL, em Brasília

31/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Mensagem que circula em redes sociais afirma a existência de um suposto pacto político para tirar Jair Bolsonaro da presidência
  • O acordo envolveria a exclusão de Hamilton Mourão da linha de sucessão em caso de impeachment, passando a presidência a Rodrigo Maia
  • A hipótese foi refutada pelos principais atores políticos citados no texto e esbarra em uma série de erros técnicos e jurídicos
  • O UOL apresenta uma análise sobre os argumentos de veracidade duvidosa da mensagem

Uma mensagem tem circulado em aplicativos de celular e redes sociais afirmando a existência de um suposto pacto político contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O objetivo seria "derrubar a economia", com as medidas restritivas de isolamento social que têm sido adotadas como forma de prevenção ao novo coronavírus.

Em todo o Brasil, governadores e prefeitos fecharam escolas e o comércio e determinaram restrições à circulação de pessoas, como estratégias para retardar a propagação da covid-19.

A teoria enunciada na mensagem também diz que os deputados e senadores iriam aprovar o impeachment de Bolsonaro, por meio do sistema de votação remota e de forma a "não mostrar a cara para o povo de quem votou a favor e de quem votou contra", diz um trecho.

Em outra passagem, o texto afirma que tal "acordo" envolveria a exclusão do vice-presidente Hamilton Mourão da linha de sucessão em caso de impeachment, passando a Presidência da República diretamente ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A hipótese levantada na mensagem, além de ter sido refutada pelos principais atores políticos citados no texto, esbarra em uma série de erros técnicos e jurídicos sobre como aconteceria um processo de impeachment e a sucessão presidencial nesse caso.

O texto também ignora que parte das medidas de isolamento social que têm sido adotadas foi recomendada pelo próprio Ministério da Saúde do governo Bolsonaro e também por órgãos internacionais, como a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Veja abaixo trechos da mensagem (não corrigimos os erros gramaticais) e, em seguida, uma análise sobre os argumentos de veracidade duvidosa.

Primeira parte da mensagem

Vazou o golpe contra o presidente Bolsonaro. Dias Toffoli presidente do STF, Rodrigo Maia presidente da Câmara, Davi Alcolumbre e os chefes dos partidos de esquerda entre eles PSDB com Aécio Neves, PT, PCdo B e PSol ,se reuniram e fizeram um pacto com alguns governadores como Renan Calheiros Filho João Doria e Wilson Witzel, entre outros.
E também fecharam com a Rede Globo, Globo News e Tv Cultura para derrubarem a economia, proibindo abertura de bares, restaurantes, rodoviárias e circulação de ônibus e aviões entre estados do Brasil.
Entendam, isso não é para previnir o Covid19 e sim para arrebentar a economia do país desestabilizar o governo Bolsonaro e os ministros."

Explicação

As medidas de isolamento social, embora possam, sim, ter um efeito negativo sobre a economia, foram recomendadas pelo próprio governo Bolsonaro, como forma de reduzir a velocidade de transmissão do vírus.

No último dia 13, o Ministério da Saúde publicou recomendações a estados e prefeituras que previam o cancelamento de eventos com mais de 100 pessoas e a antecipação de férias escolares, como forma de reduzir o contato social. Nesse mesmo documento, o ministério afirmava que prefeitos e governadores deveriam adaptar as recomendações à sua realidade local.

Segunda parte da mensagem

Causando o caos eles irão alegar que o presidente perdeu as rédeas do governo e os ministros perderam o comando, instituindo a votação para o impeachment do presidente, como foi autorizado por vídeo conferência, os deputados ficarão a vontade para não mostrar a cara para o povo quem votou a favor e quem contra.
Ao mesmo tempo será colocada a proposta para o vice Mourão não assumir em caso de impedimento do presidente o acordo foi feito para ela votarem com a contra partida da velha política pagando alto por cada voto.
Com isso quem assume é o presidente da Câmara Rodrigo Maia com aval do Dias Toffoli do STF.
Prestem atenção nos ataques maciços da Globo desde o dia 18/03 canal aberto e Globo News, passarão a dar mais ênfase e visibilidade para Rodrigo Maia.
População Brasileira temos que pressionar e mostrar que estamos sabendo da sujeira e do acordo nefasto de todos eles e a Globo e Cultura, jornal Estadão e Folha de São Paulo.
Governadores irão gastar grande parte do dinheiro para combater o Covid19 em pagamentos sujos para atacar o governo ao invés de informações sanitárias e grande parte desse dinheiro pagará a votação dos deputados traidores.
Vamos protestar nas redes Facebook, YouTube, twitter, whatsapp e mostrar que estamos sabendo do plano nefasto.
Se puderem compartilhar com máximo de brasileiros de bem que ainda acredita no nosso país."

Explicação

A teoria exposta incorre em uma série de imprecisões e erros técnicos e jurídicos.

Sim, hoje tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal criaram meios para realizar sessões virtuais, por meio de sistemas eletrônicos de votação e videoconferência.

Mas esses sistemas não funcionam com o voto secreto. É preciso que cada parlamentar registre seu voto e, em alguns casos, faça isso declarando sua opção de viva voz. Foi o que aconteceu, por exemplo, na sessão do Senado que reconheceu o estado de calamidade pública no país por causa do coronavírus. Cada senador declarou o voto por vídeo, e a sessão foi transmitida ao vivo para todo o Brasil.

Além disso, a mensagem ignora que o processo de impeachment possui diversas fases, que o afastamento do presidente não é decidido em uma única votação e, além disso, não é a Câmara dos Deputados que decide sobre o afastamento. A Câmara apenas autoriza a abertura do processo, mas é o Senado quem vota o afastamento temporário do presidente e, num segundo momento, sua cassação em definitivo.

Outro ponto importante é que o processo de impeachment precisa passar por uma comissão antes de ir a votação na Câmara, e também por outra comissão antes de ser votado no plenário do Senado. Ou seja, é impossível afastar o presidente sem que o andamento do processo tenha ampla repercussão e transparência para a sociedade.

Rodrigo Maia e João Doria

Além das imprecisões técnicas, a mensagem segue na contramão de declarações públicas de importantes atores políticos.

Em entrevistas recentes, Rodrigo Maia (DEM-RJ) descartou a possibilidade de abertura de um processo contra Bolsonaro. A opinião de Maia tem especial importância, porque cabe ao presidente da Câmara o primeiro ato do processo, que é dar seguimento ao pedido de impeachment e determinar a instalação de uma comissão para analisar as acusações contra o presidente. Sem esse ato, que é pessoal e intransferível do comandante da Câmara, o impeachment simplesmente não vai para frente.

"Não há motivo para impeachment. [Eu] não disse que ainda [não há ambiente]. Ainda, é uma tese que você quer dizer, hoje não tem, amanhã vou definir o impeachment. Vamos resolver o problema dos brasileiros, apesar de muitas vezes o governo dar sinalizações erradas", declarou Maia, descartando a possibilidade de abertura do processo, ao ser perguntado sobre o tema por jornalistas, na Câmara.

Outro nome que aparece na mensagem de teor conspiratório é o do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), hoje apontado como um dos principais adversários políticos do presidente Bolsonaro. Doria também não endossou a ideia, em entrevista concedida recentemente.

"Essa é uma decisão do Congresso Nacional. Não é decisão dos governadores e nem minha, como governador de São Paulo. Cabe ao Congresso avaliar, a Câmara Federal, o Senado Federal e a opinião pública", afirmou.

A decisão sobre a abertura de um processo de impeachment acontece na Câmara. No trâmite, o pedido — que pode ser feito por qualquer brasileiro — é aceito pelo presidente da Câmara e lido em plenário.

Em seguida, cria-se uma comissão especial com 65 membros. O relator dessa comissão apresenta uma análise interna para votação. Se aprovado, segue para o plenário da Câmara, onde precisará de dois terços (342 deputados) de votos favoráveis. Depois vai para análise no Senado, onde ocorre a decisão sobre afastar temporariamente o presidente, se o processo for aceito, e também o julgamento final do processo em plenário, quando o presidente pode perder o mandato.

Quem assume após o impeachment?

Por fim, a mensagem lança a hipótese, sem detalhar, de que o plano traçado também excluiria o vice-presidente Hamilton Mourão da linha sucessória em caso de impeachment, passando a Presidência da República para Rodrigo Maia.

A Constituição Federal prevê que, quando o presidente perde o cargo, quem assume é o vice. Se o presidente e o vice perdem o cargo, quem assume é o presidente da Câmara. Mas, nessa hipótese extrema, a Constituição exige que sejam convocadas eleições.

Essas eleições devem ser diretas, pelo voto do eleitor, e realizadas em até 90 dias, se a perda dos cargos ocorrer nos dois primeiros anos de governo.

Hoje, portanto, se Bolsonaro sofrer um impeachment e Mourão perder o cargo, por algum outro motivo, como a renúncia, por exemplo, o Brasil teria novas eleições gerais para presidente da República. Maia ocuparia a presidência da República apenas de forma temporária, até que o novo presidente eleito tomasse posse no cargo.

Já se a vacância dos cargos de presidente e vice ocorrer nos dois últimos anos do mandato, também teríamos eleições, mas indiretas, pelo voto de deputados e senadores.

Informado pela reportagem sobre o teor da mensagem, o advogado Daniel Falcão, professor de Direito Constitucional do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), avaliou o plano exposto no texto como de difícil execução. "Não existe essa possibilidade no Brasil hoje", disse.

"Diante da Constituição atual, isso é impossível", acrescentou o advogado, que ajudou a reportagem a entender as regra legais sobre o processo de impeachment e sucessão presidencial.

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