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Hospitais de SP já afastaram ao menos 820 funcionários com coronavírus

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

04/04/2020 04h00

Ao menos 820 funcionários de hospitais da cidade de São Paulo foram afastados do trabalho porque estão contaminados com o novo coronavírus, de acordo com levantamento do UOL. A reportagem recebeu dados referentes aos dias 1º e 2 de abril de nove hospitais particulares e dois públicos da capital paulista, cidade com mais casos da covid-19 no país.

O número, porém, deve ser muito maior. A Secretaria Estadual de Saúde, por exemplo, disse que ainda não possui um balanço geral de seus cem hospitais. Algumas instituições particulares não quiseram divulgar a informação ou deram o dado de sua rede em todo o país, sem discriminar os da cidade de São Paulo.

"O número é relevante, mas certamente está subestimado", diz Gerson Salvador, diretor do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo). Para ele, o dado "não reflete a realidade da rede de saúde".

Salvador pontua que os profissionais que atuam na atenção primária, ou seja, em UBS (Unidade Básica de Saúde), não estão sendo testados. "Assim como a maior parte dos profissionais da rede do SUS [Sistema Único de Saúde]."

Até o momento, não há mortes confirmadas de funcionários de hospitais na capital paulista em razão do novo coronavírus, mas existem óbitos classificados como suspeitos. Entre eles, o de uma médica, cujo laudo indica que ela morreu por covid-19, mas a causa da morte não é confirmada oficialmente pela Secretaria Municipal de Saúde da capital, como o UOL informou ontem.

Até sexta-feira (3), a secretaria estadual nem a municipal de São Paulo não informaram se já havia a certeza sobre a ligação do coronavírus com esses óbitos. A incerteza sobre as mortes suspeitas e sobre supostos casos de contaminação têm gerado medo em alguns hospitais.

Segundo o Seesp (Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo), ao menos um profissional do setor morreu por causa do novo coronavírus; outros dois casos ainda são analisados.

Se forem contabilizados os colaboradores que deixaram de trabalhar por serem casos suspeitos, o número de profissionais de saúde afastados dos hospitais paulistanos passa de 1.300, de acordo com o levantamento do UOL.

Entre eles, estão enfermeiros, médicos e profissionais que não atuam diretamente no tratamento de pacientes, como funcionários de áreas administrativas.

Os afastamentos dos funcionários, além de diminuírem a força de trabalho nos hospitais quando a pandemia começa a entrar em seu ponto crítico no país, geram outro problema: eles se tornam um vetor para transmissão da covid-19.

Para o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), uma preocupação, desde o início da pandemia, "é com a saúde destes profissionais de saúde".

"Estamos realizando fiscalizações, conversando com diretores técnicos e comissões de ética, além de autoridades responsáveis para que os EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] possam ser garantidos aos médicos e suas equipes", diz Irene Abramovich, presidente do Cremesp.

Quantidade de funcionários afastados por hospital

  • Hospital Albert Einstein: 348
  • Hospital das Clínicas (USP): 108
  • Hospital Sírio Libanês: 104
  • Rede Prevent Senior: 82
  • Hospital Beneficência Portuguesa: 40
  • Hospital Oswaldo Cruz: 38
  • Hospital Santa Catarina: 36
  • Hospital São Camilo: 33
  • Hospital São Paulo (Unifesp): ao menos 17
  • Hospital Leforte: 14
  • Hospital São Luiz: a rede divulgou apenas o número de seus hospitais no país inteiro; foram 500 profissionais afastados

Hospitais consultados que não responderam

  • Hospital Samaritano
  • Hospital 9 de Julho
  • Hospital Edmundo Vasconcelos
  • Hospital Sabará

Nos sindicatos de médicos e enfermeiros de São Paulo, uma reclamação é comum: a falta de EPIs para que os profissionais possam atuar com segurança.

"Fluxos incorretos de triagem e assistência, sobrecarga de trabalho e, principalmente, a falta ou má qualidade dos EPIs têm arriscado a vida de médicos e demais profissionais da saúde", diz o Simesp.

Profissionais pedem testes

Na Itália, país que vive um colapso em seu sistema de saúde, com falta de equipamentos, ao menos 63 médicos morreram por causa da covid-19. Lá, mais de 8.900 profissionais de saúde estão com o novo coronavírus. Até sexta-feira, o total de infectados era de cerca de 115 mil, com quase 14 mil mortes registradas.

"No mundo inteiro, os profissionais de saúde foram os mais atingidos. Por isso, reiteramos que todos eles estejam paramentados com os itens de proteção necessários para atendimento à população", afirma a presidente do Cremesp. Abramovich diz ainda que pediu às autoridades que os médicos que "estejam atuando na linha de frente sejam testados para covid-19".

Salvador também defende que todos os profissionais de saúde sejam testados porque, caso contrário, eles podem ficar até 14 dias afastados do trabalho em razão da suspeita de ter coronavírus.

"Tendo resultado negativo [no teste] e recuperada dos sintomas, a pessoa poderia voltar até para ampliar a capacidade do sistema de saúde", diz o diretor do Simesp.

De acordo com o Seesp, resultados de testes têm demorado, o que estaria retardando alguns afastamentos de profissionais da saúde. "É preciso testar os profissionais urgentemente", diz o sindicato dos enfermeiros. Procurada, a secretaria não se manifestou sobre essa crítica.

Fazer os testes é uma medida que protege o sistema como um todo, e protege toda população
Gerson Salvador, diretor do Simesp

Em nota, a Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados), ao dizer que "aumentaram os contágios de profissionais de saúde", citou problemas que os hospitais privados têm enfrentado em relação aos estoques de equipamentos de proteção. "Se os EPIs faltarem, esse número aumentará substancialmente, o que afetará o atendimento de pacientes —que tende a crescer significativamente nas próximas semanas", traz a nota.

Onde foi a contaminação?

A rede Prevent Senior e o Sírio-Libanês dizem que, "como já se registram casos de transmissão comunitária, não há como afirmar onde esses profissionais se infectaram", indicando que há a possibilidade de eles terem contraído a covid-19 fora de seus hospitais.

Diretor-geral do Sírio-Libanês, Paulo Chapchap disse, no UOL Debate de quinta-feira (2), que tem testado todos os profissionais do hospital que tenham "os mínimos sintomas que podem sugerir uma gripe".

"A gente tem uma positividade de 3% em quem tem sintomas gripais leves." Em nota, o hospital disse que "reforça constantemente o treinamento sobre o correto uso dos EPIs, que não estão em falta na instituição".

Controladora do São Luiz, a rede D'Or diz que "houve uma intensificação do treinamento dos protocolos de segurança e planos de contingência em todas as suas unidades". "Tudo isso para garantir a segurança de seus funcionários e atendimento de seus pacientes."

O Einstein, em comunicado, ressalta o "reconhecimento pela coragem, dedicação e sacrifício de todos os que estão na linha de frente do atendimento aos pacientes".

O hospital diz que "se mantém empenhado em assegurar que cada colaborador esteja protegido com os equipamentos de segurança indicados pelos órgãos competentes e que recebam a assistência necessária em caso de adoecimento".

O Santa Catarina diz que reforçou a "segurança de pacientes e profissionais".

Segundo o Hospital das Clínicas, são feitos todos os "esforços" e seguidos "todos os protocolos de segurança, inclusive com todos os equipamentos de proteção necessários, para garantir a segurança de pacientes e colaboradores".

O Beneficência Portuguesa pontuou as medidas que têm tomado contra a covid-19, como limitação de visitas no hospital para diminuir a circulação de pessoas, além de ter encaminhado uma parcela de seus funcionários para o trabalho remoto e intensificado as explicações sobre o uso correto de EPIs.

Apesar de dizer ainda não ter dados sobre seus profissionais afastados, a secretaria estadual de Saúde de São Paulo disse que "as unidades estaduais seguem todos os protocolos de segurança para profissionais de saúde e pacientes, assistindo qualquer pessoa que necessitar de atendimento".

"Seguindo este protocolo, qualquer colaborador com suspeita da covid-19 será afastado para proteção da sua saúde e das demais pessoas que frequentam a unidade."