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Por que mortes por coronavírus sobem em SP mesmo com quarentena?

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

07/04/2020 04h00

Apesar das medidas de restrição adotadas no estado de São Paulo, o número de mortos por covid-19 (a doença causada pelo novo coronavírus) não parou de subir e seguirá crescendo diariamente, explicam especialistas ouvidos pelo UOL, pois os dados que estão sendo apresentados agora representam resultados de exames represados há pelo menos uma semana, no mínimo.

Os especialistas ouvidos pela reportagem alertam que o crescimento já era esperado e que as medidas de restrições adotadas para forçar o isolamento social são fundamentais e deveriam, inclusive, ser ampliadas no momento em que o estado caminha para o pico da crise. Ontem, o governador João (Doria) ampliou a quarentena no estado até o dia 22 de abril.

Segundo os boletins epidemiológicos divulgados pelo Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alexandre Vranjac, da Secretaria de Estado da Saúde, que compila dados da epidemia de covid-19 por município, o número de óbitos na cidade de São Paulo mais que dobrou em uma semana, entre 30 de março e 6 de abril.

No dia 30, a cidade tinha 103 mortes confirmadas pela doença e no dia 6, 220 mortes, um crescimento de 114%.

A alta no número de mortes entre dia 4 (212) e dia 6 (220) foi de 3,7%. Foi a primeira vez, desde o dia 30, que o crescimento de mortes foi menor do que dois dígitos entre um boletim e e outro —no domingo (5) não houve divulgação. O crescimento diário das mortes girou entre 12% e 16% por dia na semana passada e deverá voltar a crescer nesse ritmo esta semana, enquanto houver exames represados.

Em todo o país, o Ministério da Saúde anunciou ontem (6), 12.056 casos de covid-19 e 553 mortes pela doença, um crescimento de 13,7% no número de óbitos em relação aos dados do dia 5, que apontavam para 486 mortes em decorrência da epidemia. São Paulo é o estado com mais casos (4.866) e mais mortes (304).

Crescimento seguirá

"Os dados ainda estão entrando. Vai continuar subindo [o número de mortos], pois não é a fotografia do que está acontecendo hoje na epidemia. É o dado represado que está entrando. São os óbitos suspeitos que continuam em investigação, os resultados estão sendo entregues e os números vão dar uma inflada", explica o epidemiologista Mauro Sanchez, da UnB (Universidade de Brasília), um dos cientistas que participam da iniciativa voluntária Covid-19 Brasil, um site que acompanha dados de todo o Brasil sobre a nova doença.

"Esses óbitos que estão aparecendo agora é de gente enterrada há mais de uma semana", explica o professor de medicina social Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto.

O próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admitiu esse quadro. Segundo ele, os resultados dos exames estavam represados e por isso os números de casos e óbitos cresceram tanto nos últimos dias.

Exames que estavam sem resultado também foram apontados por autoridades paulistas para o motivo do crescimento de óbitos e casos de covid-19 em São Paulo.

No Estado de São Paulo havia no final da semana passada uma fila de 16 mil amostras coletadas aguardando análise. O diretor do Instituto Butantã, Dimas Tadeu Covas, assumiu a coordenação dos testes de coronavírus. A meta é eliminar a fila, ampliando o número de laboratórios credenciados, e, depois, baixar para 48 horas, no máximo, o intervalo entre a coleta e o resultado dos exames.

Sem restrições seria pior

"Se as medidas [de isolamento social] não estivessem acontecendo, o movimento [de subida de mortes] seria ainda mais acelerado", afirma Sanchez.

Os efeitos das medidas de restrição, contudo, só serão percebidos daqui a alguns dias, até porque a testagem será ampliada nos próximos dias com a chegada dos testes comprados pelo Ministério da Saúde.

"Enquanto não começarem a fazer exames em massa e não divulgarem os resultados dos exames represados, vai continuar com essa sensação na população de que as medidas de isolamento não estão funcionando. Contudo, é fundamental testar, manter ou ampliar as restrições e seguir com as medidas de higiene e prevenção", afirma Alves.

Projeto monitora municípios

O projeto Covid-19 Brasil defende que as autoridades de saúde monitorem mais detalhadamente o crescimento da doença nas grandes cidades. Quanto mais cidades com grandes focos da doença, maior a tendência de a epidemia se ampliar num país.

"A resposta do sistema de saúde e da sociedade deve ser planejada em cima das cidades. Tem que analisar cada local separadamente", afirma Sanchez.

Os pesquisadores têm acompanhado a situação em São Paulo, Fortaleza, Brasília e Rio de Janeiro e alertam que essas cidades têm tido um crescimento da doença mais amplo que outras regiões do país por terem os maiores aeroportos do país, com uma grande circulação de pessoas vindas de outros lugares, uma vez que esses terminais seguem funcionando, ainda que com menos movimento.

Grandes cidades registram movimento mais alto

A sensação na população de que as medidas não estão dando certo provocam baixas na adesão às medidas de restrição. Segundo relatos nas redes sociais, cariocas disseram que o movimento na zona sul no último final de semana estava acima do esperado diante da situação, com pessoas nas ruas e no calçadão em Copacabana e Ipanema. A PM do Rio chegou a testar barreiras físicas para dificultar o acesso à praia no Leme.

Para o epidemiologista Sanchez, ainda não dá para falar em sucesso das medidas implementadas, tanto por conta dos resultados de exames represados, quanto por conta da baixa adesão às medidas restritivas.

"Quando fala tão cedo que está funcionando é perigoso, e o perigo da complacência é o pessoal começar a afrouxar. No Rio, por exemplo, o movimento de pessoas começou a aumentar de novo na zona sul desde sexta. Isso foi medido por aplicativos de geolocalização", disse.

Em São Paulo, a reportagem do UOL esteve nas ruas este final de semana e constatou a baixíssima adesão ao uso de máscaras, por exemplo, inclusive entre idosos e pessoas que estavam tossindo e espirrando.

Na avenida Paulista, a reportagem viu pessoas passeando de carro e praticando esportes sem proteção. Num supermercado nos Jardins, um funcionário disse que foi necessário fazer contenção no acesso no sábado. No domingo, o movimento estava mais baixo. Em um hipermercado na Bela Vista, o estacionamento externo estava lotado.

Restrições devem ser ampliadas

O professor Alves defende um "arroxo" nas restrições. Ele diz acreditar que os aeroportos já deveriam estar fechados, assim como grandes avenidas das principais cidades, para desestimular o uso de carros e a circulação desnecessária enquanto vigorarem as medidas.

"Em São Paulo, as marginais já deveriam estar fechadas para carros particulares, bem como os principais acessos da cidade e grandes avenidas, como a Bandeirantes, por exemplo".

"As medidas já deveriam ter sido apertadas. Nós estamos nos aproximando das mesmas condições que a Itália antes de apertar o cerco. Lá as restrições ocorreram tarde demais", completa.