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Em meio a atrito, Brasil negocia com a China equipamentos contra covid-19

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Imagem: iStock

Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

08/04/2020 04h00

O Brasil tem enfrentado obstáculos para comprar da China equipamentos hospitalares para o combate ao coronavírus. O país asiático é o maior produtor de máscaras e de respiradores no planeta, e a pandemia da covid-19 fez com que aumentasse a demanda mundial por esses equipamentos. Lei da oferta e da procura: a China tem margem para negociar e fazer exigências.

"É uma guerra de vida e morte", define o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang. "Como o mundo inteiro está brigando para comprar, os produtores da China estão pedindo o pagamento adiantado." Apesar de equipamentos chineses já estarem sendo esperados no Brasil, contratos de compra não são garantia de recebimento em meio a essa disputa comercial.

Para piorar a situação, ocorreram recentemente dois atritos diplomáticos entre Brasil e China. O último deles envolveu o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que no último sábado (5) ofendeu os chineses publicando um post nas redes sociais.

Weintraub usou o Cebolinha, da Turma da Mônica, para ridicularizar o sotaque dos chineses e insinuar que o país asiático sairia fortalecido da crise mundial causada pela covid-19. Em resposta, a embaixada da China afirmou que as declarações eram difamatórias, tinham cunho "racista" e eram "influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil". O ministro retirou o post sem pedir desculpas, e o governo federal não se pronunciou.

No dia 18 de março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), escreveu uma mensagem no Twitter responsabilizando o governo chinês pela pandemia do novo coronavírus.

Enquanto isso, municípios, estados e o governo federal enfrentam obstáculos para comprar máscaras, ventiladores, macacões e insumos do país asiático. O Ministério da Saúde tem uma compra assinada com uma fábrica chinesa para receber 15 mil respiradores, com o pagamento de R$ 1 bilhão. Essa aquisição aumentaria em um terço o total de aparelhos disponíveis no Brasil nos hospitais públicos pelo SUS.

Mandetta conversa com embaixador

Ontem o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, afirmaram que, em conversa telefônica, ambos estabeleceram reforço na colaboração bilateral, especialmente entre os Ministérios da Saúde da China e do Brasil para combater o coronavírus.

Segundo Wanming, o acordo entre os dois países será para o compartilhamento de experiências sobre a covid-19 e no "enfrentamento conjunto desse desafio global."

Em declaração anterior, Mandetta havia afirmado que, com o mercado atual, ele só estará seguro da entrega quando os equipamentos estiverem no Brasil.

O Ministério da Infraestrutura deve mandar aviões para pegar os respiradores, tal a importância estratégica da chegada dos equipamentos ao Brasil. Há outras compras fechadas com empresas chinesas, de acordo com o Ministério da Saúde.

A Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro informou que aguarda a chegada de outros 900 respiradores e EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) de empresas chinesas.

A força chinesa no mercado de insumos hospitalares

A China é produtora de mais da metade das máscaras no mundo: aumentou a sua produção de 10 milhões para 115 milhões por dia, depois de arrefecer a pandemia no país. Também é a maior produtora de respiradores do planeta.

No início da pandemia, os chineses importaram 56 milhões de máscaras e respiradores, como revelou o "New York Times", concentrando ainda mais os produtos em seu país. A produção de macacões e insumos para testes de PCR —os mais confiáveis para diagnosticar o novo coronavírus— também estão concentrados no país asiático.

O Brasil necessita de todos esses produtos, tendo poucos testes disponíveis e um número de equipamentos e leitos limitados diante da expansão da pandemia. Não é a única nação dependente: há uma disputa comercial intensa por esses equipamentos e substâncias. Ou seja, já existia uma forte concorrência, com desvantagens para o Brasil, antes mesmo dos atritos criados pelo ministro da Educação e pelo deputado Eduardo Bolsonaro.

"Isso é uma dificuldade para os municípios e estados. Você é o dono de uma fábrica de ventiladores, chega um governo e diz: 'Assinei um pedido. Manda para mim'. Outra empresa chega e fala: 'Está aqui o dinheiro, o dobro'. O que esse dono da fábrica vai fazer? Não recebeu nada ainda", exemplifica Charles Tang,

Foi o caso dos respiradores comprados pelo estado da Bahia e confiscados nos EUA no meio do caminho, em parada do voo, como informado pela Folha de S.Paulo.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China conta que tem ajudado governos estaduais e municípios fazendo uma ponte com empresas chinesas que podem dar crédito para pagamento antecipado, como uma forma de garantia.

Questionado sobre as declarações do ministro da Educação e de Eduardo Bolsonaro, Tang disse que o Brasil deveria buscar defender seus interesses nacionais em primeiro lugar.

"Hoje, em um mundo em guerra contra um inimigo comum, tem que pensar no interesse nacional. Com a experiência que já teve, ao conseguir debelar a epidemia, a China está ajudando o mundo inteiro. Não só com equipamentos, mas também com médicos. Acho que não podemos agir contra os interesses nacionais", concluiu Tang.