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Com 2 mortes, Rocinha vê aumento de moradores com sintomas de covid-19

8.abr.2020 - Wallace Pereira, presidente da associação de moradores da Rocinha - Herculano Barreto Filho/UOL
8.abr.2020 - Wallace Pereira, presidente da associação de moradores da Rocinha Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

09/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Com 2 mortos e 11 infectados, Rocinha tem fluxo de 50 pacientes com sintomas por dia
  • Sem testes para confirmar suspeitas, médicos admitem subnotificação
  • Comércio aberto contrasta com a realidade do asfalto
  • Levantamento do UOL aponta 43 infectados e 7 mortes em 13 favelas do Rio

Médicos que atuam em unidades de saúde da Rocinha relatam um aumento de pacientes com sintomas de covid-19 desde o início da recomendação de isolamento social do governo do Rio —cerca de 50 pessoas procuram atendimento diariamente na maior favela do país, que registrou ontem as duas primeiras mortes confirmadas em decorrência do coronavírus.

Sem testes para confirmar casos suspeitos, médicos e especialistas dizem que já há transmissão comunitária, subnotificação e até suspeita de mortes fora das estatísticas. Segundo levantamento do UOL com base em informações da Prefeitura do Rio, 43 pacientes contraíram a doença em 13 comunidades da capital —sete deles morreram.

Ontem, foram confirmados cinco novos casos de infectados pelo novo coronavírus na Rocinha, que agora tem ao menos 11 moradores com a doença. Mas a percepção de quem trabalha nas unidades de saúde da favela é de que a situação é bem mais grave.

A reportagem do UOL acompanhou ontem a movimentação na Clínica da Família da favela, que segue com o comércio aberto, em contraste com a realidade do asfalto. Agentes comunitários e enfermeiros fazem a triagem de pacientes na parte externa da unidade.

Pessoas com febre, tosse, gripe ou dificuldade para respirar —sintomas compatíveis com os da covid-19—recebem álcool em gel e máscara de proteção para o rosto. Em seguida, são encaminhadas para uma área isolada a céu aberto, onde aguardam atendimento.

8.abr.2020 - Coronavírus avança na Rocinha, na zona sul do Rio - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
8.abr.2020 - Agentes comunitários fazem triagem para encaminhar pessoas com sintomas de covid-19 para atendimento isolado
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

O jardineiro Edivaldo Pereira de Assis, 69, chegou ao local se queixando de dores no corpo e febre. Ele diz que tenta se manter em isolamento. "Só saio quando tenho que comprar alguma coisa", diz.

O cozinheiro Antonio Azevedo, 71, foi à unidade de saúde dizendo estar com uma gripe. Apesar de ter diabetes, pressão alta e de estar com sintomas semelhantes ao da covid-19, ele diz não acreditar na possibilidade de estar infectado. "É só um resfriado, não tenho nada demais. Só fico com medo quando vejo [informações sobre o coronavírus] na televisão."

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8.abr.2020 - Edinaldo Pereira de Assis chegou à unidade de saúde com dores no corpo e febre
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

A cabeleireira Raquel Pereira da Silva, 45, levou o neto, com febre, à unidade de saúde. "Disseram para a gente não sair de casa. Se não melhorar, voltar em sete dias", conta. Mas não é só a doença que preocupa Raquel. "Quero trabalhar e não posso. Tá complicado", lamenta.

Comércio aberto, apesar das orientações

Assim como Raquel, moradores e comerciantes da Rocinha querem exercer suas atividades. E muitos trabalham mesmo, contrariando as indicações do governo estadual e Ministério da Saúde. Os pontos de mototaxistas funcionavam normalmente. Tinha até salão de cabeleireiro aberto na Rocinha.

Wallace Pereira, presidente da associação de moradores, reclama do abandono do poder público e do descaso de parte dos moradores, que descumpre o isolamento social. "Até o policiamento aqui poderia ajudar, pedindo para fechar o comércio e evitar aglomerações. Estou tentando fazer a minha parte, mas preciso de auxílio", desabafa.

Funcionária de uma loja de cosméticos na via Ápia, um dos principais acessos à favela, Bárbara Oliveira, 39, voltou a trabalhar na última quinta-feira (2). E não reclama. "Fiquei preocupada por causa da pandemia. Mas tô feliz de estar aqui. Tava com medo de perder o emprego. É questão de sobrevivência", explica.

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8.abr.2020 - Barbeiro trabalha normalmente, quebrando o isolamento social em meio à pandemia
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

A loja de calçados ao lado foi reaberta após permanecer fechada por duas semanas. Humberto Barbosa, proprietário do estabelecimento há dez anos, diz ter sido obrigado a demitir os três funcionários que trabalhavam ali. Agora, vai ao local só com a esposa.

"O comerciante é como uma formiguinha. Se não trabalha, não come. Se eu seguisse em casa, ia enlouquecer", diz.

Falta de testes e subnotificação

O registro de pacientes com gripe ou insuficiência respiratória se intensificou nas últimas semanas. Segundo os profissionais das clínicas da família na favela, há ao menos 50 pacientes que chegam diariamente ao local com sintomas de covid-19 —segundo eles, um indicativo de subnotificação.

Um médico, que optou pelo anonimato, diz que há ao menos dois casos graves a cada 24 horas. Quando isso acontece, os pacientes são encaminhados para hospitais, dificultando um controle mais efetivo dos casos.

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8.abr.2020 - Mototaxistas circulam normalmente pelas ruas da Rocinha
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

"Também tivemos algumas mortes suspeitas. Mas nenhuma confirmada. Não temos como saber quantas pessoas estão infectadas. Só há testes em casos graves. Mas esses testes são feitos nos hospitais", explica.

"As pessoas atendidas com gripe estão voltando para as unidades, com sintomas mais graves. Isso indica que há possibilidade de transmissão comunitária e subnotificação", completa o médico.

A pneumologista Fernanda Mello, que integra a Sociedade Brasileira de Pneumologia, afirma acreditar que a falta de saneamento básico em favelas como a Rocinha favorece um aumento significativo de pessoas com o vírus.

"As condições de vida na Rocinha facilitam a disseminação de doenças transmitidas pelo ar. Há moradias com limitação de espaço e de ventilação. E até a estrutura de higienização não é a ideal. A situação é de grande risco para essa população", argumenta.

É importante que exista apoio de prevenção, como acesso a água, sabão e álcool em gel. É preciso que seja feita uma campanha de orientação para reduzir a transmissão.

Fernanda Mello, pneumologista

O pneumologista Jorge Pio, da comissão de tuberculose da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio, diz que os números ainda não refletem a real dimensão da pandemia.

Temos poucos testes no país. Estamos no escuro e ainda não sabemos o que vai acontecer nas comunidades. (...) É esperado que haja subnotificação nesse cenário. Por enquanto, está aparecendo só a ponta do iceberg

Jorge Pio, pneumologista

O que dizem a prefeitura e governo do RJ

A Secretaria Municipal de Saúde informou ter ampliado o monitoramento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) para identificar prováveis vítimas de covid-19 que não tenham sido notificadas. A pasta informou ainda que todos os casos graves e óbitos suspeitos são testados.

Em razão da pandemia, foi publicada uma nota técnica elaborada em conjunto com a Secretaria de Estado de Saúde e o Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com orientação para o preenchimento de declaração de óbito de casos confirmados e suspeitos.

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8.abr.2020 - Coronavírus avança na Rocinha, na zona sul do Rio
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Ontem pela manhã, a Secretaria de Estado de Saúde divulgou uma informação equivocada no painel sobre o coronavírus, indicando cinco mortes na Rocinha. À tarde, enviou nota, corrigindo o erro. "Os dados corretos seriam, para a Rocinha, 6 casos confirmados sendo 5 com comorbidade."