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De 'não sei quem é' a 'nome ideal': como médicos avaliam Teich na Saúde

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

17/04/2020 04h01

A troca de comando no Ministério da Saúde foi recebida com ceticismo por infectologistas e médicos de renome ouvidos pelo UOL, mas com entusiasmo entre os oncologistas — especialidade do novo titular da pasta. Nelson Teich, 62, foi anunciado ontem para o lugar de Luiz Henrique Mandetta (DEM) em meio à pandemia de coronavírus, que já matou ao menos 1.924 no Brasil.

Menos conhecido do que Mandetta no meio médico, Teich foi classificado por um professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP), que pediu para não ter o nome divulgado, como alguém que não é "referência em nenhuma área da medicina". Por outro lado, a nomeação de Teich foi elogiada pela Associação Médica Brasileira (AMB), que classificou o novo ministro de "perfil altamente técnico, importante para o momento atual".

"Não conhecia, não tenho a menor ideia de quem seja", diz o médico infectologista Marcos Boulos, referência na área, que comanda a Superintendência de Controle de Endemias de São Paulo (Sucen-SP). Para ele, a mudança e a falta de referências de Teich abrem espaço para incertezas.

"Se Bolsonaro se der por satisfeito de tirar a pessoa que estava aparecendo mais [Mandetta], as coisas podem continuar como estão: na linha das normas da OMS — apesar de ele [Teich] não ter muita experiência em gestão pública. A outra possibilidade é Teich mudar as ações do Ministério para seguir o Bolsonaro, que não entende nada de saúde. Neste caso, provavelmente teremos um retrocesso no controle da epidemia", afirma Marcos Boulos.

A troca de Mandetta por Teich também não anima o infectologista Tazio Vanni, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento Clínico do Instituto Butantan. "Ao mudar o ministro, o presidente foca a discussão na diminuição do isolamento. Vamos ter que esperar para ver para onde a coisa vai", pondera Vanni,

"Ele [Teich] já foi assessor no próprio Ministério da Saúde, mas não sei o quanto ele tem de experiência de vigilância e doenças infecciosas", afirma o infectologista, referindo-se ao cargo que Nelson Teich exerceu por quatro meses na secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.

À coluna de Chico Alves, do UOL, o médico sanitarista José Gomes Temporão, que foi ministro da saúde de Lula (PT), e Alexandre Padilha (PT), que trabalhou para Dilma (PT), questionaram a falta de experiência de Teich na saúde pública. José Ricardo Barros (PP), ministro de Temer (MDB), acredita que o sucessor de Mandetta pode fazer um bom trabalho.

Oncologistas defendem o novo ministro

Se infectologistas e sanitaristas desconfiam, os companheiros de especialidade de Nelson Teich mostram entusiasmo com a nomeação.

Também oncologista, Angélica Nogueira considera o novo ministro como um mentor de sua carreira. Ela é diretora da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e vê a nomeação como positiva, uma possibilidade de diminuir a tensão que havia entre Bolsonaro e Mandetta.

"Ele é um médico que defende a medicina baseada em evidências, e isso é importante neste momento", afirma Nogueira, que caracteriza Teich como "sereno e bom negociador". "Ele não vai perder os princípios técnicos e não vai parar de defender o isolamento, isso está bem fora do perfil dele."

A discordância quanto ao distanciamento social aprofundou o atrito entre o ex-ministro Mandetta e o presidente Bolsonaro. Nelson Teich concorda com Mandetta neste quesito e reforça as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), também defendendo o isolamento horizontal. Quem conhece o novo ministro, no entanto, espera que ele seja mais conciliador do que seu antecessor. "Ele conversa muito pouco, é mais observador, mas será um bom articulador neste momento de atrito", aposta Angélica Nogueira.

Também diretor da SBOC, o oncologista Bruno Pacheco considera que Teich "tem uma gestão de excelência do ponto de vista privado" e será capaz de aplicar o que sabe na gestão pública. "A grande dúvida que temos hoje é: focar na saúde pública e arriscar a economia, ou focar na economia e arriscar a saúde pública. Para tratar disso, ele é a pessoa ideal", considera Pacheco. "O Mandetta era exclusivamente técnico, pensava diretamente na saúde propriamente dita. Mas a gente sabe que hoje precisamos desta balança entre saúde e economia."

Associações médicas divergem sobre mudança

A mudança no Ministério da Saúde dividiu opiniões na comunidade médica brasileira. A nomeação de Nelson Teich foi referendada pela Associação Médica Brasileira (AMB), que considerou o novo ministro de "perfil altamente técnico, importante para o momento atual". Já o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) avaliou a mudança como negativa.

"A mudança no comando da pasta pode gerar instabilidade em um momento de pandemia, que exige foco e união de esforços", escreveu o Coren-SP em nota, apelando ao Governo que "a vida dos brasileiros e dos profissionais de saúde sejam colocadas em primeiro plano". O Cofen, conselho federal da categoria, não se pronunciou.

O Conselho Nacional de Medicina também não se manifestou. Entre os poucos conselhos regionais que se manifestaram, o do Paraná (CRM-PR) agradeceu a Mandetta pelo empenho e, a Nelson Teich, pediu "a serenidade e a temperança necessárias neste difícil momento da vida brasileira".