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Sem UTI, cidade do AM líder em covid-19 tem aglomerações e mortes em casa

Funcionário desinfeta ruas em Manacapuru para combater o novo coronavírus - Divulgação/Prefeitura de Manacapuru
Funcionário desinfeta ruas em Manacapuru para combater o novo coronavírus Imagem: Divulgação/Prefeitura de Manacapuru

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

22/04/2020 12h35

Em pouco mais de um mês, a realidade do município Manacapuru, na região metropolitana de Manaus, mudou por completo. Com 97 mil habitantes, a cidade às margens do rio Solimões é a que possui a maior incidência do novo coronavírus em todo o país.

Até a terça-feira (21), eram 218 casos confirmados e 14 óbitos (média de 2,2 casos por cada mil pessoas, contra 0,2 na média nacional).

A cidade vem enfrentando uma série de problemas, como as mortes que ocorrem em casa por conta das pessoas evitarem buscar atendimento.
Sem contar com nenhum leito de UTI (unidade de terapia intensiva), Manacapuru tem clima equatorial, com temperaturas que variam de 22ºC e 35ºC.

"Diziam que o vírus não se adaptava ao calor, mas aqui ele se adaptou bem", conta o secretário de saúde da cidade, Rodrigo Fábio Balbi. "Que o coronavírus podia chegar aqui, nós sabíamos; mas não dessa forma tão agressiva", completa.

A situação levou o prefeito Beto D'Ângelo (PROS) dizer que os números "começam a se tornar uma tragédia anunciada."

"Há uma resistência de algumas pessoas em fazerem isolamento social", disse em vídeo gravado à população no sábado apelando para que os moradores fiquem em casa.

No dia 31 de março, quando percebeu-se uma grande taxa de contaminação, a prefeitura decretou toque de recolher na cidade, que valerá até o fim de abril vetando a saída de casa das 20h até às 6h.

Também por conta da explosão dos casos, Manacapuru conta agora com um hospital de campanha, inaugurado na quarta-feira passada (15) com 35 leitos. A estrutura, entretanto, não atende casos graves, que precisam ser transferidos para Manaus, onde o sistema público de saúde já entrou em colapso.

No domingo, o hospital recebeu seus únicos três ventiladores mecânicos, mas que servem para estabilizar e transferir pacientes em estado grave — no local há apenas uma UCI (unidade de cuidados intermediários) para tratamentos de baixa e média complexidade.

"O paciente entra no hospital para estabilizar, porque ele sempre será regulado para Manaus porque os nossos respiradores não são de alta complexidade, são de manutenção de curto período, é para o transporte do paciente", explica o secretário Balbi.

Chegada do vírus

Segundo o secretário de Saúde, o processo de contaminação dos moradores da cidade seguiu um padrão já conhecido. "Esse vírus veio do centro para periferia, e aqui não foi diferente: os nossos primeiros casos foram de pacientes que se dirigiram a Manaus. A partir daí foi se alastrando", diz.

O município é conhecido por ser uma cidade de passagem na região e com grande número de população flutuante.

"Aqui passam pessoas de oito municípios do entorno da nossa cidade. Circula muita gente, o que leva o vírus para mais dentro", explica.
Balbi sabe que, apesar dos altos números chamarem a atenção, ainda há uma grande subnotificação.

"Certamente temos mais casos, estamos esperando os resultados das coletas feitas. Por outro lado, estamos também pesquisando muitos casos, fazemos muita coleta, o que explica termos também tantos', afirma.

Na cidade, diz o secretário, grande parte da movimentação ocorre na agência da Caixa Econômica e nas lotéricas.

"São aquelas pessoas que vão tirar seu benefício social. As pessoas infelizmente não tomaram ainda aquela consciência, porque não é falta de informação, é por falta de atitude. Passei há pouco pela cidade, muita gente na rua ainda em proteção ainda, umas muito próximas das outras."

"Isso certamente acontece. Tenho recebido ligações de pessoas dizendo: 'meu tio está passando mal', 'minha tia está passando mal'. Digo a todos que vão para o hospital, pergunto se vai esperar a pessoa agravar ou morrer", conta.

Balbi não soube dar os números exatos, mas confirmou que existem mortes de suspeitas de covid-19 ocorridas em casa na cidade e que estão em investigação.

"Não sei precisar, mas teve caso, sim. Não são muitos, mas tem pessoas que morreram em casa e a gente foi fazer a coleta mesmo na pessoa morta para investigar".

O problema, diz o secretário, hoje não está na falta de recursos —que estão sendo repassados por governos federal e municipal.

O secretário admite que, no começo, como quase toda cidade do país, houve dificuldade em adquirir EPIs (equipamento de proteção individual). "Nós hoje temos EPIs. Claro que o uso é elevadíssimo, mas o mercado começou a ofertar", diz.

Para Baldi, pandemia deixará alguns recados à saúde pública do país. "Acredito que ficará uma lição para o mundo, para o Brasil. Esperavam-se casos, mas os hospitais, principalmente os do interior, são desprovidos de equipamentos. Essa pandemia desnudou a precariedade dos sistemas de saúde no interior do estado. Somos um município sede de regional do Amazonas, mas não temos condição de ser porque não temos estrutura de atender casos mais grave."