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Com respiradores em falta, médico do RJ se diz obrigado a escolher paciente

Pedro Archer denuncia falta de respiradores em unidade de saúde do Rio - Arquivo Pessoal
Pedro Archer denuncia falta de respiradores em unidade de saúde do Rio Imagem: Arquivo Pessoal

Maria Luisa de Melo

Colaboração para o UOL, no Rio

24/04/2020 04h00

Na linha de frente do combate ao coronavírus, o cirurgião-geral e diretor do Sindicato dos Médicos do Rio Pedro Archer afirma que o sistema público de saúde colapsou. Segundo ele, que trabalha em uma emergência na zona oeste carioca, não há respiradores para todos os pacientes, o que obriga a equipe médica a escolher, diariamente, quais vidas salvar. Só no seu plantão mais recente foram duas mortes.

"O sistema de saúde colapsou. Não há mais vagas para transferência na capital, nem respiradores para todos. Não para de chegar gente com os sintomas de corona, já com quadro grave, precisando de respirador. Só que não há equipamentos para todos. Então, a gente tem que fazer escolhas, não tem jeito. Já chegamos a esse ponto", relatou à reportagem do UOL.

Entre uma pessoa com muitas comorbidades e outra jovem, você acaba escolhendo o paciente jovem. Ou aquele que tem mais chances de sobreviver. Não é uma coisa que a gente aprenda na faculdade, mas a gente precisa ser racional

Emocionado, Archer relembrou o plantão da semana passada que começou com a morte de um paciente por falta de respirador. Citando o código de ética médico, ele pediu que o nome da unidade de saúde em que atua não fosse revelado pela reportagem.

"Já começamos com a chegada de um paciente em estado gravíssimo. Não tinha respirador, todas as máquinas estavam ocupadas. Então, recorremos ao respirador da ambulância, mas o aparelho não estava funcionando. O paciente não resistiu e morreu."

"A gente tenta de tudo: tentamos oxigenar com cateter nasal, desinflamar os pulmões. Mas há casos que só o ventilador adianta, não tem jeito. Nunca imaginei viver algo assim, é uma doença muito rápida", acrescenta.

Sobre as escolhas diárias de quais vidas salvar, Pedro Archer diz que o esforço é para ser racional.

A gente tenta não se emocionar muito. Mas, se para cada três pacientes graves, só houver dois respiradores, a gente tem que escolher. O coordenador da emergência tenta fazer de tudo, procura respiradores em outras unidades, dá o sangue e o suor, mas nem tudo está ao nosso alcance

Archer denuncia ainda a falta de equipamentos de proteção individual para a equipe médica e conta que os próprios profissionais têm comprado material.

"O certo seria trocar os equipamentos depois de cada atendimento, mas não há suficientes. Então, quem não pode comprar, não troca", diz. "Rezo todos os dias para isso acabar, mas acho que ainda vai demorar. O Brasil começou a ter casos mais graves agora e, se o isolamento acabar cedo demais, teremos uma calmaria, mas depois uma grande tempestade."

O que diz a Prefeitura do Rio

Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde nega que faltem respiradores para pacientes e equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde. Segundo a pasta, a unidade de emergência da Zona Oeste dispõe de 16 respiradores.

Além disso, segundo a secretaria, "o uso de cada EPI [equipamento de proteção individual] segue também os protocolos da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e do ministério, inclusive no que se refere aos prazos para descarte e substituição dos itens não permanentes".

O estado do Rio registrou, até ontem, 6.172 casos confirmados e 530 mortes por coronavírus. Há ainda 206 óbitos em investigação. A capital soma 322 mortes por covid-19.