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De 7 para 55 casos ao dia: "situação é de guerra", diz médico de Maceió

Equipe cuida de paciente com covid-19 na UTI da Santa Casa de Maceió - Sílvio Romero/Divulgação
Equipe cuida de paciente com covid-19 na UTI da Santa Casa de Maceió Imagem: Sílvio Romero/Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/04/2020 04h00

Na Santa Casa de Maceió, pacientes com sintomas de covid-19 chegam sem parar, em busca de atendimento. "Há uma semana eram sete pacientes por dia, agora estamos com 55 atendidos na assistência, isso só da parte da saúde suplementar", conta o pneumologista Artur Gomes Neto, diretor médico do hospital.

Diante de um crescimento tão expressivo, o gestor da Santa Casa afirma que "a situação é de guerra", diante da pandemia do novo coronavírus. "É uma coisa que a gente nunca viveu. Tem de se doar, ao mesmo tempo se prevenir para não adoecer, levar a doença para casa", diz.

Para atender os casos de covid-19, a Santa Casa destinou 70 leitos, sendo 30 deles de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e 40 de enfermaria, entre vagas do SUS (Sistema Único de Saúde) e particulares. Na última sexta-feira, 46 desses leitos estavam ocupados, 29 a mais do que cinco dias antes. "Somente em UTI foram três casos hoje [sexta]", relata.

Para se adequar à situação, foi preciso mudar muita coisa dentro do hospital. "A gente teve de criar leitos e isolar as UTIs, para separar os pacientes de outras patologias que precisam do hospital para internação, porque não pode misturar com os de covid-19."

Com a alta alarmante em número de casos, a maior preocupação, admite o médico, é a possibilidade cada vez maior de não ter vagas para atender todos os pacientes que busquem atendimento.

"O ritmo está muito acelerado, e estamos com medo de que haja uma superlotação e uma incapacitação do sistema para atender a todos, por isso essa preocupação para que as pessoas fiquem em casa", assegura Gomes Neto.

Você trabalha sempre com a perspectiva de não conseguir atender à toda demanda que vai chegar. A gente trabalha sempre na possibilidade de superar nossa perspectiva de atendimento. Ou seja, você tem de se virar, tem de estar ligado em tudo, você não dorme. É uma situação em que se espera que o pior aconteça, e tem de estar preocupado com tudo, ficar o tempo todo em alerta. É uma calamidade"
Artur Gomes Neto, pneumologista diretor da Santa Casa de Maceió

Se isso ocorrer, diz, será definitivamente uma "situação de guerra", que precisará de um plano alternativo. "Tem de criar um plano B no caso de superlotar. Tem que trabalhar porque, se não estiver preparado, se não trabalhar essa possibilidade, quando isso acontecer vamos ficar de mãos atadas, sem saber para onde ir."

Plano para encarar o pior cenário possível

O plano B citado pelo gestor da Santa Casa de Maceió teria algumas adaptações no hospital. "Seria a disponibilização de respiradores nos leitos de enfermaria, para criar um mecanismo de ventilar os pacientes dessa forma. Um plano de guerra mesmo, para tratar o paciente onde ele estiver. Mesmo que chegue, precisamos de um escape", afirma.

No hospital, mesmo com o uso de EPIs (equipamentos de proteção individual), mais de 20 profissionais da equipe já se contaminaram. "Em 35 anos nunca vi isso na minha vida, nem parecido. Esse volume [de pacientes] chegando é uma surpresa muito grande, e ninguém está preparado para isso: está aí o exemplo de Manaus, Fortaleza. É algo muito complexo quando ultrapassa essa capacidade de atendimento", relata.

O que mais espanta o diretor médico — que também é cirurgião e pneumologista — é o quadro grave dos pacientes no momento da internação. "Está chegando muita gente em estado muito grave, com a doença já avançada. Não sei se por um diagnóstico tardio, porque fica em casa e descompensa, ou se pela condição imunológica. Do ponto de vista respiratório, chega já precisando de ventilação mecânica. É difícil para a gente se acostumar com uma situação dessa em tão pouco tempo", conta.

O desafio dos hospitais é compatibilizar a oferta de leitos com a demanda, já que o tempo de internação em UTI de um paciente com covid-19 gira em torno de três semanas.

"Os pacientes, quando sobrevivem, ficam muito mais tempo do que ficariam [na UTI] se estivessem com uma pneumonia comum. A média de internação é muito maior, e isso faz com que o sistema congestione. Fica difícil acompanhar os casos graves, mesmo tendo o número correto de profissionais", comenta o médico.

Outro detalhe citado por Gomes Neto é que não há distinção entre pobre ou rico, em relação à gravidade da doença. "No começo da pandemia a gente recebia mais pacientes da saúde suplementar, pessoas de classe social mais elevada. Mas agora estão [pacientes] de todos as classes. A resposta imunológica independe de nível social, independe de ser rico ou pobre. O que existe é que as pessoas idosas, com comorbidades, são mais vulneráveis. Não importa a camada social", finaliza.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A foto que ilustrava esta reportagem não era de um paciente sendo intubado por médicos na UTI da Santa Casa de Maceió. A foto foi trocada.