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Covid matou além do esperado e falta de testes desafia, dizem especialistas

Felipe Amorim e Luís Adorno

Do UOL, em Brasília e São Paulo

06/05/2020 14h33Atualizada em 06/05/2020 15h39

Especialistas apontam a subnotificação de casos e mortes como um dos principais desafios no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus no Brasil, e afirmam que o número de casos oficiais revela apenas a "ponta do iceberg". A transparência na confirmação de mortos e infectados pelo vírus é a principal ferramenta para reverter esse cenário e permitir maior clareza na definição de políticas públicas, avaliaram os convidados do UOL Debate de hoje.

"Minha sugestão é testagem e transparência. Acho que todos os estados têm que fazer o que o Rio Grande do Sul fez, uma pesquisa semanal, mensal, para medir a prevalência da doença na população e colocar esses dados públicos em tempo real para que outros pesquisadores e estados possam replicar as iniciativas", afirma o cientista político e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Dalson Figueiredo.

Reitor da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), o epidemiologista Pedro Hallal avalia que uma forma de contornar o problema da subnotificação é estimar o percentual de pessoas infectadas por meio de um estudo epidemiológico feito a partir da testagem da população.

"A inteligência epidemiológica vem com esses estudos. Para ter estimativas amostrais de qual é o percentual da população infectada", diz Hallal.

O UOL Debate ouviu hoje a opinião de especialistas sobre o problema da subnotificação. Participaram da entrevista, mediada por Diogo Schelp, jornalista e colunista do UOL:

  • Paulo Lotufo - epidemiologista da Universidade de São Paulo (USP);
  • Pedro Hallal - epidemiologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel);
  • Dalson Figueiredo - cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);
  • Luís Carlos Vendramin Júnior - vice-presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

Para Paulo Lotufo, da USP, seria difícil conseguir realizar a testagem em massa da população. O epidemiologista diz apostar na avaliação dos dados sobre óbitos provocados pela covid-19 como um indicador mais seguro do avanço da doença. Outra medida essencial, segundo Lotufo, é que seja acompanhado o número de vagas disponíveis nas UTIs da rede de saúde.

"Testes são demorados e caros, implicam em uma logística que não temos", diz o pesquisador da USP. "Cada local tem que ter a transparência para mostrar quantas vagas existem de terapia intensiva", afirma Lotufo.

"Ponta de iceberg"

Para Pedro Hallal, da UFPel, os números oficiais apresentados dia a dia são apenas a ponta de um iceberg que esconde dados consideráveis.

"Vou citar os dados da pesquisa epidemiológica. Na primeira fase da pesquisa, estimamos que, para cada caso confirmado, havia sete ou oito a mais, e, na segunda fase, que aparece nas estatísticas, a gente estimava que existiam 12 vezes mais casos", afirmou.

"Por isso que a gente faz essa analogia com o iceberg. Existe uma ponta que é visível, que fica acima do nível do mar, que é representada pelos casos que aparecem nas estatísticas oficiais e tem a tendência a serem os casos mais graves. E tem todo o restante da população que tem sintomas mais leves e não vão ser testadas mas também foram infectadas pelo vírus da covid-19", completou.

Já para Paulo Lotufo, da USP, por ser um problema novo e apresentar um quadro sintomático por vezes inesperado, o novo coronavírus tem oferecido dificuldades para as estatísticas até aqui.

"O maior problema que estamos tendo é um problema novo, que é o não reconhecimento das ações do coronavírus no ser humano", explicou.

"Falava-se somente em pessoas de risco e hoje já vemos crianças apresentando quadros gravíssimos de choque tóxico. Então, não é exatamente subnotificação, pelo menos em questão de mortes. Elas estão sendo quantificadas. O que não estamos conseguindo fazer é qualificá-las", disse.

Segundo o epidemiologista da USP, apenas a incidência da epidemia de covid-19 poderia explicar o aumento no número de mortes registrado em algumas cidades, como São Paulo.

"Não existe dúvida a respeito do aumento no número de mortes e o grande epidemiologista de São Paulo foi o coveiro. Houve um aumento totalmente fora do esperado em termos de mortalidade", diz Lotufo. "Ou isso é decorrente da covid-19, ou estamos em outra epidemia. A causa é a covid-19, o número de mortes como um todo é o determinante maior."

Nítido crescimento no número de mortes

Luís Carlos Vendramin Júnior, vice-presidente da Arpen Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), disse que o Brasil tem um número alto de registro de óbitos por ser um país grande. "Se morre de câncer, infarto, várias doenças, já temos um número grande. Nos locais com maior presença da epidemia, tem um aumento".

Segundo ele, foi verificado que em algumas cidades é nítido um crescimento de mortes durante a pandemia por doenças respiratórias. "De 16 de março até 27 de abril, em 2019, quase 7 mil óbitos. Em 2020, 7.500 em Pernambuco. Pode ser também um aumento da taxa demográfica", afirmou.

O registrador civil lavra e faz registro de óbito baseado no que o médico no registro vai atestar. "Muitas vezes ele pode não saber a causa de morte. Pode ir para necrópsia. Da mesma forma, acontece com o covid. O cartório só conseguiria fazer essa alteração se a família tiver interesse de voltar no cartório e fazer retificação", disse.

Alternativa seria ampliar testes

Para Dalson Figueiredo, a alternativa seria ampliar o número de testes para oferecer estatísticas e cuidados mais confiáveis.

"Medir coisas não é uma tarefa trivial. Em geral, os dados sempre têm problemas, o que varia é a quantidade. Se a informação for ruim, não tem técnica que resolva", declarou o cientista político.

"A gente sabe que tem um erro sistemático de mensuração, e os candidatos têm a tendência de subestimar o que gastaram. Quando o erro é aleatório, o tipo de defeito é a ineficiência, a variância vai ser um pouco maior", acrescentou, indo além.

"A minha solução seria aumentar a testagem, para ter estimativas mais confiáveis, e transparência. É difícil saber a quantidade de testes por estados. O Ministério da Saúde não divulga o número de testes, e sem saber isso, fica difícil fazer correções nas estatísticas."

Para Hallal, com base em estudos no Rio Grande do Sul e em território nacional, os casos assintomáticos têm agravado os números de contágio até aqui.

"Se eu disse que, com base no resultado do Rio Grande do Sul, de cada pessoa que aparece nas estatísticas, há outras 12 contaminadas, essas 12 são importantes porque podem estar com essa doença. A disseminação da covid-19 tem se dado muito por esses assintomáticos que não são testados. É por isso que a subnotificação é importante", analisou Hallal.

"No Brasil, nós estamos trabalhando em Pelotas com estudos epidemiológicos por amostragem para saber o percentual da população que já teve o vírus", completou o reitor da UFPel.

Números em SP tendem a descer

Lotufo disse que, em São Paulo, essas mortes sazonais geralmente começam "em maio e vai até a gosto, com pico em junho e julho", mas que neste ano, começou mais cedo, entre março e abril. Esse período coincide com a chegada do coronavírus na cidade.

"Quando calcula a média, vemos que já na semana 13, São Paulo já estava com um número acima e vai aumentando", lembra Lotufo. Lotufo ainda garante que outras cidades como Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife viveram um fenômeno parecido pouco depois da capital paulista. "Nessas cidades, conseguimos mostrar que passou do limiar para as semanas epidemiológicas", garantiu.

Por conta disso, também epidemiologista e reitor da UFPel, Pedro Hallal, acredita que o pico de mortes em São Paulo está à beira de diminuir. "Em São Paulo, a tendência é que dentro de no máximo 10 dias o número de óbitos comece a descer".