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Temporão cobra plano de Bolsonaro e critica cargos ao Centrão: 'Caos total'

O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão - Divulgação / STF
O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão Imagem: Divulgação / STF

Igor Mello

Do UOL, no Rio

07/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão diz que o combate ao coronavírus perdeu o rumo por omissão do governo Bolsonaro
  • Para ele, Bolsonaro "é o principal responsável" pela escalada das mortes
  • Temporão diz que é um "disparate" lotear cargos no Ministério da Saúde para o Centrão e militares
  • Ele afirma que um bloqueio total é a única alternativa para conter o avanço da epidemia no Rio

Ex-ministro da Saúde do governo Lula, o médico sanitarista José Gomes Temporão disse que o país está "navegando às cegas" em meio à pandemia do novo coronavírus que já matou mais de 8.500 pessoas. Para ele, a falta de ação do governo federal e as declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra o isolamento social têm causado desarticulação no combate à crise da covid-19.

Ele se diz indignado com a distribuição de cargos no Ministério da Saúde para militares e líderes do Centrão no mesmo momento em que a saúde de diversos estados entra em colapso.

Parte de um "grupo de notáveis" que aconselha o governo do Rio de Janeiro nas medidas de enfrentamento à doença, Temporão defende que os políticos se submetam à ciência na hora de tomar decisões.

Temporão foi a autoridade máxima do SUS (Sistema Único de Saúde) entre 2007 e 2011 e comandou o enfrentamento à última pandemia que atingiu o Brasil —a do vírus H1N1, em 2009.

Falta de coordenação

O ex-ministro avalia que o Brasil iniciou bem o enfrentamento à doença, mas que se perdeu nas últimas semanas e viu a pandemia escalar sem controle.

"O Brasil tem um sistema de vigilância epidemiológica de bastante qualidade. Isso ficou evidente não só na pandemia de H1N1, mas também na de zika. Na primeira fase, de detectar os primeiros casos e fazer o bloqueio, fomos. E foi importante começar o isolamento social no começo de março. Sem isso, teríamos uma situação muito pior agora", avalia.

Alguns fatores fragilizaram a situação brasileira. É preciso ter liderança, coesão e cumprir adequadamente a cadeia de comando. Vivemos uma situação de ausência do ente federal. Estamos navegando às cegas, com cada estado e município adotando suas providências

Para ele, União, estados e municípios deveriam estar atuando de maneira articulada para elaborar protocolos, organizar o sistema de saúde e desenvolver pesquisas para fomentar o combate ao coronavírus. Contudo, ele aponta que foi criada uma "governança paralela", composta pelos governos do Rio, São Paulo e pelo consórcio de governadores do Nordeste, devido à ausência do governo federal.

Segundo Temporão, as constantes declarações do presidente Jair Bolsonaro boicotam essas iniciativas.

A postura do presidente cria ruído na sociedade, quebra a cadeia de comando e fragiliza a autoridade federal. [...] O principal responsável é o presidente. Todos os dias afronta a ciência e estimula as pessoas a desrespeitarem o isolamento. Bolsonaro comete todos os dias crimes contra a saúde pública. Isso tem que ser dito abertamente

Loteamento de cargos é "disparate"

Apesar de apontar falhas nos preparativos do país para o enfrentamento da pandemia —como a dificuldade em manter estoques adequados de EPIs (equipamentos de proteção individual) para profissionais de saúde, testes e respiradores—, Temporão faz uma avaliação positiva do trabalho coordenado pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-RS).

Em sua visão, a demissão de Mandetta, oficializada no dia 16 de abril, deixou o país sem comando na área da saúde. "Estamos há três semanas sem diretriz nenhuma", afirma, fazendo referência ao tempo de gestão de Nelson Teich, novo comandante da pasta.

Temporão se diz "assustado" com as mudanças nos postos técnicos do Ministério da Saúde após a saída de Mandetta. Teich nomeou o general Eduardo Pazuello como secretário executivo, o segundo posto mais importante da pasta. O militar tem experiência em logística, mas sem atuação prévia na área de saúde.

Estamos assustados com o fato de que grande parte dos cargos estão sendo ocupados por militares, que não têm nenhum preparo para a função. O ministro até agora não deu nenhuma declaração, nem expôs nenhuma proposta. Sequer apresentou dados que suportem uma mudança na pandemia

O ex-ministro também questiona a negociação de cargos-chave no Ministério da Saúde justamente no momento que a pandemia se agrava e os sistemas de saúde de vários estados entram em colapso. Em busca de apoio no Congresso para evitar um eventual pedido de impeachment, Bolsonaro negocia com líderes do Centrão o comando da Funasa (Fundação Nacional de Saúde). Os caciques também querem assumir o controle de secretarias da pasta, entre elas a SVS (Secretaria de Vigilância em Saúde), responsável por monitorar os dados sobre o coronavírus.

"É o caos total. É inadmissível uma postura como essa porque só fragiliza. Trocar o ministro já é um absurdo. Além disso, trocar os cargos-chave é um disparate", dispara.

Bloqueio total é "única alternativa" para o Rio

Na última semana, o grupo de notáveis integrado por Temporão entregou ao secretário de Saúde do Rio, Edmar Santos, um documento no qual recomenda, com base em análise técnica da situação do estado, a adoção de um bloqueio total —chamado de lockdown no jargão científico— como estratégia de combate ao coronavírus.

A medida, que está sendo analisada pelo governador Wilson Witzel (PSC), restringiria ainda mais os serviços que podem continuar funcionando e a circulação da população. Dados mostram que a adesão ao isolamento social vem caindo no Rio, e aglomerações em áreas comerciais e turísticas têm sido vistas com frequência.

"O bloqueio total é a única possibilidade nesse momento", resume. A conclusão se baseia em fatores como a quantidade de mortes no estado, a situação de lotação da rede de saúde e as tendências de propagação do vírus. "As decisões tomadas hoje impactam daqui a 15 dias."

Temporão afirma contudo que é preciso dar condições financeiras para que a população mais vulnerável consiga ficar em casa e cumpra o isolamento. "Se não tem essa estrutura por trás, isso não vai funcionar", pontua.

Ele diz que o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) estuda pedir à Justiça a decretação do bloqueio, nos mesmos moldes do que foi feito em São Luís (MA). No entanto, crê que a providência seria mais efetiva se fosse adotada por ordem do governador.

Ele admite que Witzel sofreria um desgaste político ao tornar mais rígidas as normas de enfrentamento ao coronavírus —alvo de críticas constantes de Bolsonaro e de seus apoiadores, que têm feito carreatas e manifestações contra governadores que mantêm o isolamento. "É lamentável quando questões políticas menores interferem nesse processo", diz, em referência aos bolsonaristas.