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Presidente do Cremerj: 'Hospital de campanha não vem para organizar nada'

Interior do hospital de campanha Lagoa-Barra inaugurado no Leblon, zona sul do Rio - Divulgação
Interior do hospital de campanha Lagoa-Barra inaugurado no Leblon, zona sul do Rio Imagem: Divulgação

Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

08/05/2020 04h00

Com uma fila de mais de 1.100 pessoas por um leito para tratamento da covid-19 no estado do Rio de Janeiro, o presidente do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro), Sylvio Provenzano, critica a demora para a inauguração de hospitais de campanha. Apesar de sublinhar a urgência dos leitos, ele critica a construção dessas unidades.

Em entrevista ao UOL, Provenzano defende que seria mais rápida e barata a convocação de profissionais de saúde, além da compra de equipamentos, para a ocupação dos mais de 1.800 leitos ociosos em unidades federais do Rio. E questiona o legado dos centros instalados para auxiliar no combate ao novo coronavírus nas cidades brasileiras. "Hospital de campanha não vem para organizar nada. Passado isso, eles serão desativados", afirma.

Sem querer opinar em relação a um possível uso político dos hospitais de campanha, o médico deixa clara sua preocupação em relação aos profissionais de saúde que atuam em hospitais do Rio sem EPIs (equipamentos de proteção individual) adequados.

Leia a seguir trechos da entrevista.

De que adianta um leito sem profissionais da saúde?

"É importante entender que o conceito de 'leitos vago' não pode ser confundido com 'leito ativo'.

Nós temos, sim, o levantamento que aponta mais de 1.800 leitos sem uso em unidades federais no Rio de Janeiro. Mas enviamos uma comitiva para fazer uma inspeção no Hospital Geral de Bonsucesso, e conferir essas vagas. De fato, haviam leitos, mas estão vazios, sem qualquer operação. São leitos vagos e bloqueados. Permitir que um paciente vá para lá é convocar essa pessoa para a morte.

Eu preciso ter, além da cama, recursos humanos contratados [médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e auxiliares de enfermagem]. Fora isso, de que adianta um leito? Essa é a nossa 'luta'. Nós precisamos que esses profissionais sejam convocados e contratados, para que esses leitos possam funcionar.

O Governo Federal precisa ter condições para contratar essas pessoas e contrate EPIs para que os profissionais tenham condições dignas de trabalho."

Combate ao coronavírus pode melhorar SUS

É importante entender isso: hoje, o Rio de Janeiro possui leitos ociosos que, do ponto de vista da gestão, são de mais simples e rápida operação do que um hospital de campanha. Basta ver quantos já ficaram prontos, quantos estão atrasados nesse momento. Enquanto isso, ao convocar esses profissionais de saúde para trabalhar, o atendimento ganha agilidade.

Não sei, não vou falar se o uso dessas inaugurações [dos hospitais] é político ou não. Não me cabe. Mas, quero alertar que o covid-19 pode nos deixar uma herança, uma estrutura para que o Sistema Único de Saúde desse estado seja mais digno ao final disso tudo, depois de tantas perdas.

Hospital de campanha não vem para organizar nada. Passado isso, eles serão desativados. Eu só espero que esses equipamentos que estão sendo comprados, que eles sejam aproveitados para a saúde pública quando tudo isso acabar

Compra de EPIs

"Estive em Brasília no mês passado, na primeira segunda-feira de abril. O então ministro [Luiz Henrique] Mandetta ouviu os meus apelos: pedi a ele para que médicos que integrassem grupos de risco fossem afastados da 'linha de frente' de atendimentos e coloquei o perigo que representava a falta de EPIs para os profissionais de saúde.

Sem dar a esses profissionais condições de atendimento, é impossível que o tratamento seja realizado plenamente. Disse a ele que era inadmissível que isso estivesse acontecendo no Rio de Janeiro.

Ele então me disse que esperava a compra na China, mas que a aquisição desses EPIs foi atravessada por empresas internacionais que pagaram a multa rescisória e pegaram os materiais que viriam para o Brasil. Disse a ele para que trabalhássemos então com os recursos internos.

Pouco depois, ele saiu do cargo...

Enfim, é impensável que um profissional de saúde seja obrigado a trabalhar sem máscaras adequadas, recebendo uma carga viral intensa. Não é por acaso que o Rio de Janeiro já registra a morte de 23 médicos que trabalhavam no combate à doença, infectados pelo coronavírus

Embate entre governos federal e estadual

"Eu entendo que o problema na esfera política, a briga entre os chefes de Poderes, não afetará a boa relação atual entre a Secretaria Estadual de Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde e o ministro Nelson Teich. O inimigo poderoso é desconhecido e chama-se coronavírus. Esse é o vírus a ser combatido. Nesse sentido, todos trabalham em união."

Protocolo para internação

"Quem lê, da forma com que tem sido colocado, pensa que foi desenvolvido um protocolo para escolher quem morre e quem deve ficar vivo. Não é nada disso. O que ocorre é o seguinte: hoje, tenho colegas sem bagagem mínima necessária para o tratamento do coronavírus, mas que foram deslocados para esses setores, em função da necessidade.

São ginecologistas, ortopedistas, cirurgiões, diferentes áreas da medicina, que estão se deparando com um quadro novo e precisam ter orientação do conselho de quando pacientes com quadros sugestivos para covid-19 devem ser internados. Nós sabemos que algo em torno de 20% desses pacientes precisam de assistência médica, enquanto 5% necessitam de leitos de UTI.

Por isso, estabelecemos uma série de recomendações, com parâmetros clínicos e laboratoriais, com imagens para auxiliar, que devem servir como ferramenta diagnóstica para uma triagem hospitalar. Não há qualquer orientação ou julgamento, em relação a quem deve ficar vivo ou não ser internado ou não".