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Por filha surda, mãe faz máscara transparente: "Acharam que era pelo batom"

Nathalie e a mãe, Arlene, que fez máscara adaptada para a filha poder ler seus lábios - Arquivo pessoal
Nathalie e a mãe, Arlene, que fez máscara adaptada para a filha poder ler seus lábios Imagem: Arquivo pessoal

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

18/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Mãe de deficiente auditiva fez máscara para que filha pudesse ler seus lábios
  • Nathalie é surda oralizada e se comunica em português, mas precisa da leitura labial
  • Ela diz que máscara transparente representa um "risco a menos" para a mãe
  • E faz apelo para que pessoas pensem nos deficientes auditivos

Quando a professora Arlene Cristina, 51, saiu na rua usando uma máscara adaptada com transparência na região dos lábios, muitas pessoas estranharam e encararam o seu rosto. "As pessoas olhavam. Acho que eles pensaram que eu queria mostrar o meu batom", brinca.

A transparência no lugar do tecido, no entanto, não era resultado de simples vaidade. Arlene decidiu fazer a máscara adaptada para que a filha Nathalie Cooper, 26, pudesse enxergar sua boca: deficiente auditiva, a jovem faz uso da leitura labial para se comunicar.

Diagnosticada com surdez bilateral aos 5 anos de idade, Nathalie é surda oralizada — ou seja, ela consegue falar e se comunica pelo português, mas precisa da leitura labial para compreender os outros.

"Eu achava que ela escutava porque ela falava muito bem. Até que um dia, no hospital, uma médica colocou uma sulfite na frente [da boca] e ela falou: 'Não estou te ouvindo'", conta Arlene. "A médica falou que ela estava fazendo a leitura labial, que não estava escutando."

Com a necessidade do uso de máscaras devido à pandemia do novo coronavírus, Nathalie conta que novas dificuldades têm aparecido em sua rotina e que, por isso, tem se sentido "impotente". "Não consigo mais me virar sozinha. Não dá para ficar pedindo para as pessoas tirarem a máscara", afirma.

Tutorial na internet

A ideia da máscara transparente, conta Arlene, surgiu depois que Nathalie precisou ir ao banco para falar com seu gerente. Como os funcionários estariam usando máscaras, a jovem pediu para a mãe acompanhá-la para ajudar na comunicação. A situação, no entanto, acabou causando ainda mais nervosismo.

"Ela falava com o gerente, mas toda hora eu tinha que tirar a minha máscara para transmitir para ela o que ele falava", conta Arlene, que diz logo ter percebido o incômodo da filha. "É perigoso. Eu ficava muito preocupada", concorda Nathalie.

Em casa, a mãe procurou alternativas na internet e encontrou um tutorial que ensinava a fazer a máscara adaptada — só foi necessário ajustar o molde às suas medidas. Arlene diz que, apesar do plástico transparente na região dos lábios, a máscara não incomoda mais do que as que são feitas integralmente de tecido.

"Toda máscara incomoda. Para mim, [a máscara adaptada] tem o mesmo nível de incômodo que a de tecido. Eu respiro normalmente porque o tecido vai até o nariz", explica.

"Fiquei muito aliviada porque deu certo, deu para entender, e [com a máscara] era um risco a menos", diz Nathalie. Contente, a filha decidiu postar uma foto da mãe usando a máscara nas redes sociais — e a publicação acabou viralizando.

"Fiquei feliz, porque é uma coisa que muita gente não sabia. E pessoas deficientes auditivas que viram a postagem se sentiram representadas. Até fiquei de enviar máscaras para duas meninas do Rio de Janeiro, vou mandar pelo correio", conta Arlete.

"Não consigo ir à padaria"

Mesmo com a adaptação de máscara feita pela mãe, Nathalie conta que perdeu muito de sua independência com a pandemia e a necessidade do uso de máscaras nas ruas.

"Não consigo fazer coisas simples, como ir à padaria. Percebi que fiquei ainda mais reclusa", diz.

Ela faz um apelo para que, neste momento, as pessoas pensem em quem tem deficiências auditivas. "Quando se fala em acessibilidade, todo mundo pensa no cadeirante", pondera.

"As pessoas não têm informação. Inclusive, um rapaz foi grosseiro comigo [nas redes sociais] e me acusou de obrigar ela a fazer leitura labial em vez de usar Libras, mas eu nunca obriguei", diz Arlene. "Dentro da surdez tem muita diversidade", conta.