Topo

Covas: decisão sobre lockdown sai na quarta, mas "depende da população"

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

21/05/2020 18h55Atualizada em 21/05/2020 22h01

Resumo da notícia

  • Em entrevista ao UOL, prefeito de SP diz que decisão de fechamento será anunciada ao lado de Doria
  • Tucano afirma que periferia tem 10 vez mais mortes e que a pandemia escancara a desigualdade social
  • Com câncer, Covas está há 2 meses dormindo na prefeitura e diz ter medo de morrer
  • Prefeito pede apoio de moradores para aumentar isolamento social e critica comportamento de Bolsonaro
  • "Podem me xingar de tudo, só não podem dizer que eu sou um omisso", afirma

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), afirmou, em entrevista ao UOL, que a resposta sobre o lockdown na cidade será conhecida na próxima quarta-feira e pediu apoio das pessoas ressaltando que é preciso colaboração para vencer o coronavírus.

Covas afirmou também que o número de mortos é dez vezes maior nas periferias e que a pandemia escancara a desigualdade social na capital. O tucano ainda declarou que é pré-candidato, não importa qual seja a decisão do Congresso Nacional sobre o adiamento das eleições.

O tucano recebeu a reportagem na sede prefeitura, onde está dormindo há quase dois meses. Em tratamento de câncer, admitiu que tem medo de morrer na pandemia.

Decisão sobre lockdown será divulgada na quarta

O megaferiado é considerado a tentativa derradeira de aumentar o isolamento social, que ontem fechou em 51% diante dos 48% de terça. Conseguir elevar ainda mais o percentual é a forma de evitar o lockdown. O prefeito se negou antecipar uma posição sobre o assunto e afirmou que a decisão será tornada pública semana que vem.

Dia 27, quarta-feira, a gente deve anunciar, ao lado do governador João Doria [PSDB], o que acontece a partir de 1º de junho [primeiro dia após a vigência do decreto da atual quarentena].

Ocorre que para flexibilizar a quarentena é preciso de 14 dias consecutivos de queda no número de casos, algo que a capital não pode mais atingir. Além disso, os parâmetros internacionais preveem acionamento do lockdown quando as UTIs têm ocupação acima de 90% — os leitos da rede municipal têm 92%. O prefeito disse mais uma vez que seguirá as recomendações da ciência.

"Nós estamos muito tranquilos porque todas as medidas até agora foram respaldadas e foram orientadas pelo comitê de saúde. Vai ser a mesma coisa na quarta-feira que vem."

Vencer o coronavírus depende das pessoas

A administração de São Paulo testou duas medidas que foram revogadas por não atingir o efeito desejado: bloqueio em vias e introduzir um rodízio ampliado. Questionado se o recuo não compromete a credibilidade da prefeitura e dificulta que a população siga as recomendações, Covas não demonstrou arrependimento por recorrer as medidas que tinha disponível.

"Podem me xingar de tudo, só não podem dizer que eu sou um omisso. A prefeitura está tentando tudo que está ao alcance de suas mãos para poder mostrar para a população a importância de ficar em casa. Todas as ações foram bem implementadas, mas elas dependem também da participação das pessoas".

O prefeito afirmou que não tem medo de ônus político ao tomar atitudes contra a pandemia. Mas ele ponderou que sem a adesão das pessoas não há ação para restringir circulação, seja rodízio, bloqueio ou multa, que faça efeito.

Se as pessoas persistirem em sair, a gente não vai vencer o vírus. Tudo que está nas mãos da prefeitura estamos fazendo. Mas depende também da colaboração das pessoas

Sem isolamento social haveria 30 mil mortes

A adesão à quarentena não é o ideal estipulado pelos especialistas em saúde, mas o prefeito declarou que o percentual atingido teve efeito. Covas falou que, sem metade da população que aderiu ao isolamento social, o número de mortes da covid-19 chegaria a 30 mil pessoas.

Mas a pandemia ainda está em curva de aceleração e a Secretaria Municipal da Saúde estima que serão necessários mais 700 respiradores em São Paulo. O prefeito mostrou otimismo em obter os equipamentos.

"A gente está trabalhando com o governo federal e o governo estadual. Estamos apostando em startups que estão fazendo protótipos a preços mais baixos".

Coronavírus é dez vezes mais letal na periferia

As regiões com maior número de morte na cidade São Paulo estão nas periferias. Para o prefeito, a situação é consequência da desigualdade social existente na capital.

Infelizmente é um dado triste. Tem a ver com o problema habitacional que temos na cidade, com questão de moradias irregulares. É um problema de alimentação. O vírus escancara a nossa desigualdade social

Covas disse que há um trabalho de conscientização das UBS e cita a Brasilândia, uma das regiões com mais mortes. Ele acrescentou que a criação de novos leitos em hospitais é para atender estas pessoas.

"Todo este trabalho que estamos fazendo de ampliar leitos é para periferia, para a população SUS dependente, depende exclusivamente do SUS para ter um leito".

Tratamento e enterro digno são prioridades

Antes de chegar o Brasil, a covid-19 atingiu cidades da Ásia e Europa, levando caos a grandes cidades. Houve falta de leitos, pessoas sem atendimento morrendo em casa e enterros coletivos. São Paulo tentou evitar esta realidade.

"A gente tem conseguido atender a duas premissas básicas. Primeiro, ninguém fica sem atendimento. Todo mundo que está buscando atendimento na rede municipal está recebendo. Segundo, dar um enterro digno àquelas pessoas que, infelizmente, estão perdendo suas vidas."

Logo no começo da crise de saúde, São Paulo contratou 220 coveiros, comprou 38 mil caixões e abriu 13 mil valas em cemitérios.

Valas cemitério - Werther Santana/Eestadão Conteúdo - Werther Santana/Eestadão Conteúdo
Imagem: Werther Santana/Eestadão Conteúdo

Batalha da comunicação pelo isolamento social

Conseguir fazer as pessoas ficarem em casa é um trabalho de conscientização e convencimento. Mesmo com apelos, o índice de isolamento social caiu no começo de abril e se estabilizou num patamar abaixo dos 55% considerados mínimos para a o sistema público dar conta da covid-19. O prefeito prefere não falar em derrota na batalha da comunicação e diz que é um tema a ser estudado.

Mas ele não se isenta em comentar as posturas e discursos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Para Covas, o comportamento do presidente contribui para as pessoas desrespeitarem o isolamento social.

A partir do momento que o presidente diz que é uma gripezinha claro que isto criar uma confusão de discurso na cabeça das pessoas

Covas não fala de eleição, mas é pré-candidato

Nesta semana, o Congresso Nacional anunciou que vai começar a discutir o adiamento das eleições municipais, marcadas para 4 de outubro. O prefeito nunca escondeu o desejo de um segundo mandato. Só que a data do pleito pode mudar por causa da pandemia.

Bruno Covas evita se manifestar sobre as regras eleitorais em tempos de coronavírus por enxergar conflito de interesses. Mas ele disse que se mantém pré-candidato.

"Sou completamente parcial já que sou interessado em relação ao resultado [das regras eleitorais]. O que posso adiantar, é qualquer que seja a decisão do Congresso Nacional, eu sou pré-canditato".

Quase dois meses dormindo na prefeitura

O prefeito lembrou que no começo do ano as televisões mostravam cenas de países asiáticos com todos de máscara na rua e parecia algo completamente fora da realidade brasileira. Mas o coronavírus chegou à cidade que ele administra.

Acho que todas as decisões tomadas até agora eram decisões que em nenhum momento eu achei que tivesse de tomar

Entre todas as coisas do "velho normal", como diz Covas, o que ele mais sente falta é de dormir em casa. Para evitar circular pela cidade, o prefeito passa as noites no prédio da prefeitura. Enquanto muito fizeram de suas casas o escritório, com ele ocorreu o contrário.

"Estou morando aqui na prefeitura desde que iniciou esta pandemia para evitar circulação pela cidade. Estou praticamente há dois meses morando aqui na prefeitura. Quando puder voltar para casa será grande comemoração."

Prefeito diz ter medo de morrer

Bruno Covas enfrenta um câncer e apareceu a covid-19. Ele admitiu que tem medo de morrer. Mas fica mais tranquilo porque já estava em uma fase do tratamento que é menos prejudicial ao organismo e não debilita o sistema imunológico.

"Claro [que tenho medo de morrer]. Acho que todo mundo tem medo da morte. É um medo natural. O que me deixa menos preocupado é que o início da pandemia era exatamente o momento que eu estava saindo do tratamento quimioterápico e indo para o tratamento da imunoterapia. A quimioterapia baixa sua imunidade e deixa você no grupo de risco."

O prefeito é submetido semanalmente a um acompanhamento que verifica qualquer alteração nos parâmetros de saúde. Mesmo com os cuidados, precisou adiar as agendas fora da prefeitura.

"Eu já estava com minha imunidade normal e, inclusive, autorizado a voltar a fazer agenda externa. Eu comemorei. Se pegar meu Instagram, tem um vídeo meu comemorando. Foi a semana que iniciou a quarentena aqui na cidade de São Paulo. O que me deixa menos preocupado é que desde o início desta pandemia eu tenho tido um acompanhamento semanal dos meus médicos e estou com meu sistema imunológico normalizado."