Topo

Médica usa fralda em hospital do Rio por medo de contágio e falta de EPI

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

22/05/2020 04h01

Resumo da notícia

  • Relato integra ação do MPT-RJ, que exige melhorias no Miguel Couto
  • Enfermeira que fez vídeo diz que não há isolamento em ala para covid
  • Infectologista diz que equipamento de proteção é indispensável
  • A Prefeitura do Rio contesta a versão de falta de EPIs nas unidades

Em Wuhan, na China, primeiro epicentro do novo coronavírus, profissionais da saúde chegaram a usar fraldas para otimizar o tempo de atendimento aos pacientes com covid-19. Uma médica do Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, zona sul do Rio, adotou a mesma prática, mas por outro motivo: medo de contrair o vírus ao retirar o traje de proteção para ir ao banheiro, já que cada profissional recebe por plantão apenas um capote de tecido —o número e o tipo não são os ideais.

O recomendado é ter à disposição por plantão ao menos dois trajes descartáveis e um impermeável, para quando houver contato com pacientes. O temor se agrava em meio a denúncias de problemas de isolamento na unidade de saúde, o que amplia o risco de contaminação. O relato foi anexado a uma ação civil pública movida pelo MPT-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), que exige uma série de melhorias no hospital.

O UOL teve acesso a um vídeo que mostra o risco de contágio em uma ala de pacientes com covid-19 no Miguel Couto. Desde o começo da pandemia, três profissionais de saúde do hospital morreram após serem infectados.

O traje de proteção usado pela médica é chamado de capote, uma espécie de roupão para proteger a profissional. Mas o equipamento na unidade é o de tecido —especialistas recomendam o uso do capote impermeável para minimizar os riscos de contágio em meio à pandemia. Segundo a ação do MPT-RJ, cada profissional recebe apenas um traje por plantão.

Esse tipo de capote é uma fonte de contaminação. Os profissionais de saúde precisam ter cuidado para não se infectar. Essa médica decidiu trabalhar de fralda por seis horas, para não precisar ir ao banheiro. É um cenário de degradação

Guadalupe Turos Couto, procuradora do MPT-RJ

O infectologista Marcos Lago, coordenador de infecção do Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio, diz que os capotes de tecido não são recomendados para ambiente hospitalar. "Se espirrar, as gotículas grudam no tecido e podem contaminar o profissional. Ele não pode ficar exposto", explica.

Segundo Lago, o ideal é que os profissionais de saúde usem equipamentos descartáveis. Ele também diz que é indispensável o acesso a um traje com maior proteção quando os profissionais estiverem em contato com pacientes.

"O profissional deve ter, no mínimo, dois capotes descartáveis por plantão, para o dia a dia, com uma gramatura [espessura do equipamento] mínima em área de covid, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde. Mas é preciso ter outro capote para colocar por cima quando houver o contato com o paciente", orienta o infectologista.

21.mai.2020 - MPT-RJ denuncia uso de capotes de pano no Hospital Municipal Miguel Couto, na zona sul do Rio, insuficientes para minimizar riscos de contágio por covid-19, doença causada pelo novo coronavírus - Arquivo - Arquivo
21.mai.2020 - MPT-RJ denuncia uso de capotes de pano no Hospital Municipal Miguel Couto, na zona sul do Rio, insuficientes para minimizar riscos de contágio por covid-19, doença causada pelo novo coronavírus
Imagem: Arquivo

Lago diz que esse capote para proteção no contato com o paciente pode ser o impermeável ou até mesmo o hidrofóbico, que também protege o profissional contra gotículas. "Quando o profissional for examinar o paciente no leito, é preciso usar um capote de pano grosso e cirúrgico por cima, para protegê-lo contra fluídos."

Lago também concorda com a necessidade de uma capacitação para lidar com os EPIs (equipamentos de proteção individual), minimizando os riscos. "É uma questão de gestão pública. Há muitos profissionais treinados para dar cursos desse tipo", diz.

Enfermeira virou paciente em ala de covid

A ação civil pública também denuncia a precariedade da ala destinada para pacientes com covid no Miguel Couto. Uma das pacientes que aparece no vídeo era uma enfermeira, que saiu da linha de frente da unidade para se tornar mais uma paciente infectada dentro do hospital.

Sob a condição do anonimato, a responsável pela gravação do vídeo falou ao UOL sobre a falta de cuidados em uma área que deveria ser isolada.

O isolamento tem que ser respiratório. E isso só existe se tiver, entre um ambiente e outro, uma antessala com pressão negativa de ar. O ambiente de isolamento tem que ter um filtro bacteriano. Mas temos um ar-condicionado central. Então, toda a contaminação vai se espalhando

Segundo ela, 15 profissionais de enfermagem do setor de cirurgia vascular, onde ela atua, contraíram o vírus. É o equivalente a 57% dos funcionários da ala. "Esse setor foi o que mais impactado porque está em um espaço fechado, sem filtro bacteriano. No início, a gente não tinha nem EPI", relata.

20.mai.2020 - Leitos de pacientes têm distância inferior ao ideal, denuncia ação civil pública do MPT-RJ, que revela situação do hospital municipal Miguel Couto, no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro - Arquivo - Arquivo
20.mai.2020 - Leitos de pacientes têm distância inferior ao ideal, denuncia ação civil pública do MPT-RJ, que revela situação do hospital municipal Miguel Couto, no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro
Imagem: Arquivo

O que diz a Prefeitura do Rio

Procurada pelo UOL, a Prefeitura do Rio rebateu a denúncia registrada em vídeo, anexado à ação civil pública, ao dizer ter destinado um banheiro para os funcionários na ala destinada a pacientes com covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. "Além disso, há um espaço reservado para alimentação, reduzindo a circulação dos profissionais pelas outras áreas do hospital", disse a Secretaria Municipal de Saúde, por nota.

A pasta também contestou a informação de que faltam EPIs. "Todos os itens estão dentro dos padrões e normas técnicas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Saúde. Os profissionais recebem os equipamentos no início de seus plantões, incluindo os profissionais terceirizados".

A Secretaria Municipal de Saúde também disse já oferecer atendimento psicossocial aos profissionais de saúde. "A equipe da psicologia da unidade oferece assistência a todos os funcionários que desejarem acompanhamento, incluindo apoio por videochamadas, assim como nas outras unidades de saúde", escreveu.