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Covid-19: SP, Manaus e Belém já chegaram ao pico de contágio, diz Gabbardo

Do UOL, em São Paulo*

05/06/2020 15h14Atualizada em 05/06/2020 18h48

No UOL Entrevista desta sexta-feira, o médico João Gabbardo dos Reis, chefe do centro de combate à covid-19 em São Paulo, defendeu uma avaliação regionalizada da situação da pandemia do novo coronavírus no estado. Segundo Gabbardo, o pico da curva de contágio já foi alcançado nos grandes centros, e por isso faz sentido repensar as políticas de isolamento para esses lugares. A conversa foi conduzida pelos colunistas Carla Araújo e Josias de Souza, do UOL.

O aumento [no número de casos] ocorre por um aumento na evolução da doença no interior dos estados. Nos locais que começaram a epidemia há mais tempo, como Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, São Paulo, a curva já está em velocidade reduzida, em declive. Por isso, vamos ter por um tempo um aumento na curva no país, mas não necessariamente significa aumento e piora na epidemia onde aconteceu de forma mais intensa.

Gabbardo, porém, evitou falar em flexibilização, assegurando que os cuidados serão tomados levando em consideração à situação de cada região.

"Temos vários cenários, e precisam ser tratados de forma distinta. É difícil estabelecer regras para a população do Brasil inteiro. Por isso, é possível que haja tratamento. Não chamaria de flexibilização, mas de avaliação de cenários epidemiológicos distintos", explicou.

Segundo Gabbardo, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta, São Paulo tem avaliado a possibilidade de liberar determinadas atividades onde a situação se apresenta mais favorável, mas deixou claro que não se trata de um relaxamento generalizado das medidas adotadas até aqui.

"Em alguns locais, pode haver redução do isolamento e os indicadores apontarem para crescimento da epidemia ou redução da capacidade de leitos, e isso vai apertar as orientações de isolamento. Por isso que não chamo de flexibilização, chamo de plano. Não tenho dúvidas que temos que ser flexíveis em alguns locais e em outros, não. Quando iniciamos o isolamento, a orientação era ganhar tempo para que o sistema de saúde pudesse se fortalecer. Isso era necessário", afirmou, lembrando a análise feita na situação ao redor do mundo.

"Cloroquina para todos é alto risco"

Gabbardo defendeu que apostar na cloroquina para todos os pacientes da covid-19 é algo desnecessário e que envolve risco.

Qualquer gripe seria tomar cloroquina, imagina. Isso pode ter um número muito grande de efeitos colaterais.

Segundo o médico, mesmo sendo um medicamento já conhecido e utilizado contra malária e outras doenças, a dosagem da cloroquina para casos de covid-19 é maior, o que potencializa os efeitos colaterais da substância.

Durante toda entrevista, Gabbardo se esquivou de fazer críticas diretas à atual gestão do Ministério da Saúde e ao presidente da República. Porém, afirmou que a proposta de Jair Bolsonaro (sem partido) de isolar apenas as pessoas consideradas como integrantes do grupo de risco, resultaria em um número ainda mais elevado de mortes.

"Terminaríamos a curva mais rapidamente, mas teríamos colapso do sistema e número de óbitos muito maior. Não tenho dúvida de que a forma que o Brasil enfrentou a pandemia, com governadores e prefeitos que assumiram a defesa do isolamento, foi adequada, correta e reduziu o número de óbitos."

Falta de estrutura hospitalar no interior

Questionado sobre a estrutura hospitalar existente no estado de São Paulo, Gabbardo admitiu que os hospitais das grandes cidades estão melhores equipados dos que as unidades das cidades do interior.

Ele citou os números de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em São Paulo e Nova York como exemplos. Acrescentou, porém, que mesmo com essa disparidade, é possível iniciar a flexibilização em alguns locais — e, se necessário, dar um passo para trás caso o relaxamento não dê certo.

Nova York, que tem população parecida com a capital de São Paulo, tinha 1.200 leitos de UTI [antes da pandemia]. São Paulo tinha 3.200 leitos de UTI. Em São Paulo, todas as pessoas que faleceram não faleceram por colapso do sistema de saúde. Não houve óbito por desassistência.

Máscaras poderiam ter sido recomendadas antes, diz Gabbardo

Entre as medidas adotadas no Brasil para o combate à pandemia do novo coronavírus, pelo menos uma delas poderia ter sido adotada mais cedo, admitiu Gabbardo: o uso de máscaras.

"O exemplo prático era o uso da máscara. Seguimos a OMS [Organização Mundial da Saúde], que dizia que ela não era relevante. Hoje, teríamos iniciado o uso de máscara como barreira física para reduzir possibilidade da transmissão de forma mais precoce."

O médico reconheceu ainda que houve demora para a aquisição de respiradores e equipamentos de proteção individual (EPIs). No entanto, segundo ele, como Estados Unidos e países de Ásia e Europa registraram casos antes, começaram antes a comprar os equipamentos.

"Hoje, semanalmente chega avião com máscara da China que compramos 240 milhões na época do [ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta. Cada voo traz 15 milhões de máscaras. Isso é só um exemplo de como era difícil esse mercado; com o tempo, conseguimos fortalecer as pessoas e equipes de saúde com esses equipamentos, e também porque os estados e municípios também fizeram aquisições. Tudo isso para mostrar que o Brasil se fortaleceu para enfrentar essa epidemia", completou.

'Não houve interferência do governo'

Integrante da equipe do ex-ministro Mandetta no Ministério da Saúde, Gabbardo garantiu não ter havido qualquer tipo de recomendação da cúpula do governo federal para que a pasta fizesse algo diferente do que estava fazendo, mas apontou falta de harmonia entre o que diziam os técnicos da pasta e o Executivo — sem citar Jair Bolsonaro.

"Quando havia confronto das ações do ministério e reações do governo federal, não com orientações, mas com manifestações do tipo 'não uso máscara, vou no meio do povo'... É isso que o ministro [Mandetta] falou, sobre a população não saber a quem ouvir. Se tivéssemos uma forma mais harmônica de trabalhar, poderíamos ter feito com estados e cidades uma negociação melhor para o isolamento, que ficou muito solto", lamentou.

Por isso, continuou o médico, agora tem sido mais difícil relaxar as políticas de quarenta impostas pelos governos regionais.

"Entrar no isolamento é fácil, sair é muito mais difícil. Movimentos que são muito arriscados podem ter aumento nos casos, internações, óbitos, então os processos de controle tem que ser muito firmes, precisos. Temos que ter capacidade de agir no momento oportuno e não deixar passar esse tempo", avaliou.

Brasil superou resposta dos EUA

João Gabbardo não gostou das críticas feitas hoje pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil.

Segundo Trump, se os norte-americanos tivessem adotado respostas como a de brasileiros e suecos contra a covid-19, seu país poderia ter dois milhões de mortes.

Em contraponto, Gabbardo afirmou que o Brasil teve uma resposta mais rápida à pandemia que os Estados Unidos.

"Se compararmos o atendimento e a resposta que os Estados Unidos deram, que Nova York deu no atendimento das pessoas com coronavírus, ganhamos de 5 a 0. Em Nova York, as pessoas morriam porque não tinha respirador, os médicos definiam quem deveria ir para o respirador. Foram criados protocolos para definir quem poderia ter benefício melhor e as outras pessoas ficaram sem acesso. Não é possível que os Estados Unidos possam propor que o Brasil teve um atendimento e uma resposta inadequada", disse Gabbardo.

* Participaram dessa cobertura Anais Motta, Emanuel Colombari, Flávio Costa, Gustavo Setti e Talyta Vespa (redação) e Diego Henrique de Carvalho (produção)