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Dois em cada três casos de covid já ocorrem fora das capitais dos estados

Região Metropolitana do Recife já anunciou reabertura de shoppings, mas convive com explosão de casos na região Agreste Imagem: Agência Estado

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

23/06/2020 04h00

O novo coronavírus está avançando a passos mais largos entre as cidades do interior do que as capitais do país. O UOL analisou o número de casos de cada um dos 26 estados durante 30 dias (entre 19 de maio e 18 de junho) e atestou que, de cada três casos confirmados, dois eram em cidades do interior.

A interiorização do vírus ocorre em todas as regiões do país. Em 19 de maio, as capitais tinham, somadas, 133.441 casos confirmados de covid-19. Um mês depois, esse número alcançou 361.885 — uma alta de 171%. Já entre as cidades do interior, esse percentual foi de 340% — pulou de 133.334 casos, em 19 de maio, para 587.736, em 18 de junho. Não está incluída nessa conta o Distrito Federal.

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Esse avanço pode ser percebido nos números dos estados, 21 dos 26 estados já possuem mais casos de covid-19 em cidades cidades do interior — apenas Acre, Bahia, Rio de Janeiro, Rondônia e Roraima tinham em 18 de junho as suas capitais com mais casos.no país.

Dos 26 estados, 24 tiveram aumentos maior no número de casos no interior que na capital. As exceções ficaram com a Bahia e o Rio de Janeiro, com uma aceleração maior nas capitais Salvador e cidade do Rio em relação às outras cidades.

"Lamentavelmente essa interiorização está ocorrendo. Ela era esperada e é preocupante porque as estruturas de saúde muitas vezes não dão conta. Isso deve acabar sobrecarregando as cidades-pólo e as as próprias capitais em em vários locais do país", afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Fernando Rosado Spilki.

Outra preocupação é que nas cidades do interior há menos recursos laboratoriais — o que deve tornar ainda mais difícil a situação de diagnóstico. "Nem sempre nesses locais há laboratórios disponíveis e próximo para poder fazer os testes. A questão do rastreamento de contatos também é mais difícil", diz.

"Infelizmente, algumas comunidades muito pequenas tinham a impressão de que o vírus não ia chegar. E aí entra a questão da atitude das pessoas, que nem sempre acaba sendo a mais adequada."

Avanço disforme

O cientista e coordenador do comitê científico do Consórcio Nordeste, Miguel Nicolelis, ressalta o espalhamento do vírus pelo país não é uniforme, mas em termos gerais o país ainda está em uma fase crítica da epidemia.

"Eu vejo ainda uma situação muito preocupante. Nós fizemos uma avaliação da situação de 131 cidades do Brasil. Foram cinco escolhidas por estado, e quando você vê as curvas, vê uma sincronia de subidas e de picos de casos aumentando. Os ritmos podem ser diferentes, mas o diagnóstico global do país ainda é de uma fase de explosão",
afirma.

No caso das regiões Norte e Nordeste, ele lembra que a interiorização tende a ser mais problemática.

"O que vai acontecer é um êxodo de pacientes para as capitais, principalmente nas regiões mais delicadas. Isso é uma das consequências da gravíssima falta de comando nacional, que deveria ter uma sala de situação emitindo alertas contínuos dos 1.000 locais de alto risco em tempo real", diz.

Diante desse cenário, o cientista acredita que não é momento de flexibilizar atividades econômicas.

"Isso está ocorrendo porque há pressão econômica não só de empresários e comerciantes, mas de boa parte da população que não tem como sobreviver sem apoio. Mas temos de saber que não é o momento [da reabertura]. Não se pode subestimar o poder de letalidade de vírus e não avaliar o que é essencial de funcionar nesse momento", acredita.

Nicolelis ainda ressalta que as regiões regiões Centro-Oeste e Sul, que registram os menores números de casos até aqui, estão começando a sofrer com esse processo de interiorização do vírus e devem se preparar para altas nas próximas semanas.

"Pensavam que essas regiões estavam imunes, não estão. Está claramente vindo ondas para elas. No Paraná, por exemplo, está vindo uma onda do oeste do São Paulo, cujo interior está em explosão de casos. Do ponto de vista científico de dados, estamos com curvas ascendentes, que requerem que o isolamento social seja mantido, ampliado e, em alguns lugares, estabelecidos 'lockdown'", comenta.

Ações de isolamento falharam

No Nordeste, a interiorização do vírus é um desafio inclusive aos estados que já viveram picos e colapso em suas capitais, como é o caso de Pernambuco.

No estado, a Região Metropolitana do Recife já anunciou reabertura de shoppings e praias, mas convive com a explosão de casos na região Agreste —onde está a maior cidade do interior, Caruaru (a 130 km do Recife), que desde a semana passada conta com um hospital de campanha estadual.

"A gente tem visto essa região com uma especial preocupação. Ainda temos um aumento intenso de casos na região", conta o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo.

Segundo Carolina Paz, coordenadora do curso de medicina do Campus do Agreste da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), esse espalhamento do vírus pelo interior na região era algo já esperado.

"Não necessariamente está vindo apenas da capital. Como Caruaru é uma cidade de comércio, ele iria chegar de toda forma, mesmo que não tivesse vindo de Recife", explica.

Ela ainda explica que o vírus tenha chegado primeiro em capitais de fluxo de turistas, como Recife, onde estão os aeroportos mais movimentados. Entretanto, Paz acredita que ações poderiam ter reduzido a disseminação do novo coronavírus nas cidades interioranas.

"O espalhamento em si é um sinal de que as medidas tomadas não foram suficientes. Se as autoridades públicas tivesse levado mais concretamente o isolamento, os números poderiam ter sido bem melhores. No interior, as pessoas não estão respeitando o isolamento, e isso contribui e muito
para que o espalhamento continue sem cessar", pontua.

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