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Estados ignoram alta de casos e UTIs cheias e reabrem economias no Nordeste

Nordeste tem metade das novas mortes por Covid-19 - Reprodução
Nordeste tem metade das novas mortes por Covid-19 Imagem: Reprodução

Carlos Madeiro

Colaboração para UOL, em Maceió

01/07/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Com o segundo maior número de casos de covid-19 entre as regiões do país, Nordeste coloca em prática planos de reabertura econômica
  • Os nove estados da região tinham até ontem 480 mil casos e 19.278 mortes confirmadas pelas secretarias estaduais de saúde
  • Oito dos nove estados estavam ontem com mais de 70% dos leitos de UTI ocupados
  • Recomendação é que locais onde a ocupação de leitos de UTI chegue a 80% devem decretar isolamento mais rígido
  • O Rio Grande do Norte, estado com a maior taxa de ocupação de leitos de UTI da região (95%), inicia retomada hoje

Com o segundo maior número de casos de covid-19 entre as regiões do país, o Nordeste está colocando em prática planos de reabertura econômica, especialmente em suas capitais, que ignoram muitos locais com ocupação quase total de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Os nove estados da região tinham até ontem 480 mil casos e 19.278 mortes confirmadas pelas secretarias estaduais de saúde. Oito dos nove estados estavam ontem com mais de 70% dos leitos de UTI ocupados —o que poderia ser um parâmetro seguro para pensar em flexibilizar o isolamento.

Para o comitê científico do Consórcio Nordeste, a recomendação é que locais onde a ocupação de leitos de UTI chegue a 80% devem, ao contrário de reabrir, decretar isolamento mais rígido (o lockdown) para assegurar que não faltem vagas.

Mas as medidas do comitê —que foram inicialmente seguidas por todos os governadores— não estão mais no radar na maior parte da região.

Quem inicia hoje a mais contestada retomada é o Rio Grande do Norte, estado com a maior taxa de ocupação de leitos de UTI da região: 95% dos 154 leitos públicos estavam ocupados ontem. Na rede privada, essa ocupação chegava a 90% das 111 vagas de terapia intensiva. Durante toda a semana passada, pacientes ficaram na fila de espera por vagas.

O plano de retomada do estado é composto por três fases e deve durar 35 dias. Segundo a governadora Fátima Bezerra (PT), a medida veio com aval do comitê científico estadual e diante da queda no número de internações e taxa de retransmissão. Entretanto, para ela há uma necessidade de os empresários cumprirem as regras sanitárias e as medidas protetivas aos empregados para não haver novas restrições.

"A retomada deve ser muito organizada e responsável para que não tenhamos um retrocesso, como ocorreu em outros Estados. Se houver aumento da contaminação e da ocupação de leitos não hesitaremos em voltar a restringir as atividades para proteger a vida das pessoas", disse.

A medida, porém, é vista com grande preocupação por cientistas locais —e foi expressa em nota divulgada ontem do comitê consultivo de especialistas da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte. "Importante considerar que o Índice de Isolamento Social do estado tem caído há várias semanas, ainda que medidas mais restritivas tenham sido implementadas", afirma o texto.

Além disso, outros pontos pesam contra o estado reabrir. "A situação epidemiológica em que se encontra o Rio Grande do Norte, hoje, não comporta os critérios e parâmetros compatíveis com uma recomendação de flexibilização do distanciamento social e reabertura", afirma o professor José Dias do Nascimento Junior, do Departamento de Física da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e que faz parte do comitê.

No caso, a taxa de Rt indica quantas pessoas, em média, uma pessoa infectada repassa o vírus. No caso do Rio Grande do Norte, essa taxa ontem estava em 1,3, segundo o professor, o que quer dizer que 10 pessoas contaminam 13.

"Segundo a própria OMS [Organização Mundial de Saúde], para reabrir é preciso um Rt menor que um por vários dias e uma ocupação de leitos abaixo de 70%. Isso seria o mínimo para se falar em abertura, e acho que nenhum estado do Nordeste ainda tem", diz.

Em Alagoas, onde o índice de ocupação de UTIs ontem era de 83%, o governador Renan Filho (MDB) também anunciou que Maceió inicia sua retomada no próximo sábado (3), com reabertura de comércio de rua, salões de beleza e igrejas —estes dois últimos de forma limitada.

"Há uma nítida redução da epidemia em Maceió, e temos também a ampliação do número de leitos. Vamos iniciar essa transição com retorno de algumas atividades não essenciais. Isso é um passo importante, mas vamos manter o decreto de isolamento no interior por mais 15 dias para termos mais tempo de verificar essa tendência de queda nessas cidades", afirmou.

Demais estados

No Maranhão, São Luís foi a primeira capital nordestina a reabrir a economia, no dia 25 de maio, com a reabertura do comércio. A cidade reabriu no fim de semana bares e restaurantes na Grande São Luís. Na região metropolitana da capital, a ocupação de leitos —que já foi de 100%— estava ontem em 79%.

No Ceará, Fortaleza entrou em uma segunda fase no dia 22, autorizando o início de novas atividades, como os restaurantes, que poderão atender com horário restrito de funcionamento. O "Plano Responsável de Abertura das Atividades Econômicas e Comportamentais" foi colocado em prática no dia 1º de junho. No interior, entretanto, várias cidades seguem com alta no número de casos e decretos de isolamento em vigor. No estado, a taxa de ocupação de leitos de UTI estava ontem em 69%.

"Pelo fato de Fortaleza continuar diminuindo todos os indicadores de óbitos e de casos confirmados, mantendo baixa a taxa, dentro dos critérios estabelecidos pela Saúde, de ocupação de leitos de UTI e enfermarias, a decisão é que passa para a segunda fase, que também será de 14 dias", afirmou o governador Camilo Santana (PT).

Em Pernambuco, a Grande Recife teve o comércio de rua, salões de beleza, concessionárias e locadoras de veículos reabertos no dia 15 com algumas restrições. Os treinos de futebol também foram permitidos na mesma data. No dia 22 foi a vez dos shoppings abrirem também com limitações. Hoje, no estado, apenas as regiões da zona da mata e agreste seguem com restrições rígidas de isolamento. No estado, a ocupação de leitos de UTI estava em 77% ontem.

Na Paraíba, onde 62% dos leitos de UTI estavam ocupados ontem, a flexibilização teve início na capital, João Pessoa, com regras de distanciamento social no dia 15. A segunda fase do plano de flexibilização entrou em vigor na segunda-feira, liberando escritórios de profissionais liberais, além dos treinos para atletas profissionais e funcionamento de lojas de materiais de construção. Na segunda-feira (6), a circulação de ônibus será retomada.

Sergipe reabriu as atividades na segunda-feira, com a execução do "Plano de Retomada Econômica". O documento traz exceções de alguns setores do comércio para quatro municípios da Grande Aracaju (Barra dos Coqueiros, Aracaju, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão). Na capital, por exemplo, o comércio só pode funcionar das 9h às 16h, e igrejas e salões de beleza ficaram fechados. A taxa de ocupação de UTIs estado ontem estava em 74%.

Em Teresina, no Piauí, amanhã tem início um pequeno lockdown de quatro dias, que vai até o domingo. Nesse período, haverá restrição de algumas atividades para conter o avanço da covid-19 e preparar a cidade para a retomada das atividades econômicas a partir do dia 6 —que prevê reinício de setores da indústria, agropecuária e construção civil. A segunda etapa, com início previsto para o dia 13, vai reabrir concessionárias e autopeças. No estado, 76% dos leitos de UTI estavam ocupados ontem.

Em Salvador, o prefeito ACM Neto (DEM) anunciou ontem a prorrogação, por mais sete dias, dos decretos que suspendem as atividades na capital da Bahia —estado que está com 78% dos leitos de UTI ocupados.

"Nesse período, vamos alinhar com o governo do estado protocolos de seguranc?a e chegar num entendimento para executarmos, juntos, um plano de retomada para nossa cidade. A gente entende que o prazo é necessário para que seja produzido um único protocolo com o estado", diz.