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Com covid-19, Bolsonaro se expôs e colocou saúde em risco, dizem médicos

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

07/07/2020 15h09

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desrespeitou as recomendações de quem está diagnosticado com o novo coronavírus e pode ter colocado em risco a saúde de jornalistas que o entrevistaram quando fazia o anúncio do exame que deu positivo para a covid-19. A opinião é de médicos infectologistas ouvidos pela reportagem, que afirmam que o correto seria Bolsonaro permanecer em isolamento e sozinho.

"Acho irresponsável alguém que acabou de receber o diagnóstico da doença e, sabidamente sintomático, ficar se expondo ao público. É prejudicial. Todos sabemos que ele é negacionista e, portanto, nem sabe quais são os cuidados que tem que tomar para evitar contaminações", diz o infectologista Caio Rosenthal. "O correto seria ele ficar em isolamento e sozinho", complementa o médico.

O presidente revelou, mais cedo, em entrevista à TV Brasil, que recebeu diagnóstico positivo. Ontem, ele sentiu alguns sintomas da doença e fez o exame em Brasília. O resultado foi divulgado no fim desta manhã.

"Começou domingo, com uma certa indisposição, se agravou na segunda-feira, com cansaço, indisposição e febre de 38 graus. O médico da presidência apontou a contaminação por covid-19, fui fazer uma tomografia no hospital", disse o presidente.

Para a infectologista Joana D'Arc, que atua no Distrito Federal, "todos os pacientes com [o exame] RT-PCR positivo devem ficar isolados por 14 dias e fazer testagem dos contatos; a máscara não elimina as outras medidas."

"Recomendamos o isolamento, se afastar do público e se manter sozinho. Isso é para evitar a contaminação de outras pessoas. Hoje, até pela nova forma de transmissão viral através do ar, a gente acaba expondo às pessoas. A máscara não elimina o distanciamento e o isolamento", diz a médica.

A máscara cirúrgica protege mais o próximo, mas ela não filtra todas as partículas, por isso nós recomendamos o isolamento e testar as pessoas próximas.
Joana D'Arc, médica infectologista

"O ideal seria que ele tivesse mantido o distanciamento físico. Como houve a aproximação, foi "menos pior" que o presidente estava usando máscara", explica o médico Leonardo Weissmann, da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

Nos momentos finais da entrevista que concedia em Brasília, Bolsonaro retirou a máscara após pedir aos repórteres que se afastassem. "É para vocês verem minha cara. Eu estou tranquilo, estou bem, tudo na paz", afirmou.

Apesar disso, Bolsonaro afirmou que está tomando as precauções para não contaminar terceiros. "Vou seguir o protocolo, como outros cidadãos, raramente recebendo pessoas apenas para assinar documentos", explicou o presidente.

Depois da entrevista, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) emitiu nota afirmando que Bolsonaro "cometeu mais um crime". "Nesta terça-feira, rompendo o isolamento recomendado pelos médicos, recebeu jornalistas de veículos que considera alinhados com suas políticas para informar pessoalmente que está contaminado com o coronavírus. Na ocasião, o presidente esteve próximo dos jornalistas e chegou a retirar a máscara.", diz o texto.

"Com essa atitude, infringiu o Código Penal, que, em seu artigo 131, que diz: 'Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio. Pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa.'", afirmou a ABI.

O SJPDF (Sindicato dos Jornalistas do DF), também em nota, disse que o "presidente da República, positivo para a COVID 19, colocou em risco os jornalistas e as equipes ao fazer o anúncio". O órgão diz que vai oficiar às empresas jornalísticas para que suspendam a cobertura presencial no Palácio do Planalto.

"Também solicitamos às empresas que testem e afastem todos os profissionais que estiveram expostos, nos últimos 10 dias, às coberturas que tiveram contato com o presidente da República e quaisquer membros do Executivo", diz o sindicato.

Cloroquina

Na entrevista, Bolsonaro afirmou que está se tratando com as substâncias hidroxicloroquina e azitromicina, conforme decisão de sua equipe médica. As drogas, que protagonizam um lobby de Bolsonaro desde o começo da pandemia, não têm eficácia comprovada e ainda podem gerar efeitos colaterais aos pacientes.

No último sábado (4), a OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu retirar definitivamente a hidroxicloroquina de seus testes realizados pelo mundo. As pesquisas com a substância já haviam sido suspensas por falta de resultados positivos. Nos EUA, a agência que regula o mercado de remédios retirou também a autorização emergencial para o uso do remédio.

Ao colunista do UOL Jamil Chade, o Itamaraty afirmou que recebeu doações dos Estados Unidos de "doses" de hidroxicloroquina. "(...) A doação de doses de hidroxicloroquina foi feita pelo governo dos Estados Unidos e muito bem recebida pelo governo brasileiro. A doação chegou ao Brasil por via aérea e foi entregue ao Ministério da Saúde, a quem cabe a distribuição", disse o Itamaraty em 26 de junho.