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Podemos fazer melhor, diz ex-secretário de Mandetta sobre combate à covid

Do UOL, em São Paulo

17/07/2020 16h08

Wanderson de Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde e um dos principais auxiliares do Ministério da Saúde durante o comando de Luiz Henrique Mandetta, disse hoje no UOL Entrevista que o trabalho de combate ao coronavírus poderia ser melhor feito do que vem sendo apresentado atualmente.

Na entrevista conduzida pelos colunistas do UOL Diogo Schelp e Constança Rezende, ele criticou os militares que estão cuidando da pasta atualmente, sob comando do ministro interino Eduardo Pazuello, mas reforçou que dentro das Forças Armadas há especialistas experientes na saúde pública.

Sobre esse tema [saúde pública], eles [os militares] não dominam. Dentro das Forças existem profissionais da área de saúde muito habilidosos, que conhecem. Mas não são os que estão no Ministério, são especialistas em outras áreas, logística, de compra. A saúde pública não é uma grande Amazon, uma grande loja de distribuição de insumos.

Ele também disse que, enquanto estava no Ministério, os técnicos falavam por meio da imprensa para a sociedade, buscando uma linguagem passiva de compreensão a todos. Segundo ele, isso, atualmente, não ocorre. "Muitas dessas questões estão sendo feitos, mas falta transparência", afirmou, reiterando que o trabalho que vem sendo feito atualmente continua refletindo as dificuldades de sempre. "Não tivemos uma solução muito adequada ainda", complementou.

Saúde pública é isso: transparência, muito respeito ao próximo do ponto de vista da compreensão que cada pessoa tem.

Continuidade do plano nacional

Quando Mandetta foi demitido do Ministério da Saúde, em abril, a covid-19 havia matado menos de 2.000 pessoas no país. Hoje, o acumulado de óbitos já é de mais de 76 mil. Para o ex-secretário, a tragédia humana teria sido possivelmente menor caso o governo federal tivesse seguido o plano de contenção da doença da gestão anterior.

"Nós estávamos num trabalho de construção de um plano nacional, de coordenação de planos de resposta de emergência. Para responder a uma pandemia com essa complexidade teria sido fundamental dar continuidade àquele trabalho, independente de sermos nós ou não, mas que permitisse uma concatenação e uma articulação entre as iniciativas estaduais de distanciamento social, para que a gente pudesse adequar à realidade de cada localidade", disse.

Casos leves fora do hospital

Questionado sobre as mudanças nas orientações sobre o momento de se procurar um hospital ao sentir sintomas leves, o ex-secretário disse que continua com a mesma medida: só ir ao local ao apresentar sintomas de falta de ar, "que a gente chama de síndrome respiratória aguda grave". "Isso no mundo inteiro é dessa maneira e vários países utilizam essa definição de caso. Nós fizemos a nossa definição não foi da nossa cabeça. Nós seguimos padrões internacionais de detecção", disse.

Ele explicou que a recomendação é: no primeiro momento, numa pandemia, principalmente numa emergência como essa, os vírus tendem a ser mais letais no início, e se tornam mais transmissíveis e menos letais ao longo do tempo, em um processo de adaptabilidade.

"A epidemia de agora não é a mesma epidemia do início do semestre passado. O conhecimento que médicos dispõem hoje, de manejo, os casos que apresentam desconforto respiratório podem cursar com muito melhor qualidade se forem introduzidos com a máscara de oxigênio apenas, que são observações e evidências construídas ao longo do tempo", afirmou.

"Muita dificuldade" com testes

Oliveira afirmou que teve "muita dificuldade" na pasta para conseguir que a testagem para o novo coronavírus fosse feita em um nível satisfatório. "Tivermos que fazer aquisição complementar com a Opas [Organização Pan-Americana da Saúde]. A composição dos testes moleculares carece de swabs, que são como cotonetes grandes, precisa de 2 por tubo, um pro nariz um para garganta, porque isso aumenta a qualidade da amostra e reduz os falsos negativos", disse.

"O Ministério iniciou um chamamento público para aquisição, só que o mundo todo estava vivendo o desabastecimento de insumos. Nós tivemos problemas muito complexos que eu acho que ainda não estão superados, porque a testagem ainda tem se demonstrado um desafio muito grande para o Brasil", acrescentou.

Vacina da covid sem patente

De acordo com Oliveira, vacina é um assunto complexo. "A vacina do Butantan e da Fiocruz são promissoras, no entanto não temos certeza se estas serão as melhores vacinas. Talvez uma vacina na fase 1 seja uma corrida contra o tempo, é mais uma corrida de regularidade", disse.

"A vacina que eu desejo é que seja em uma dose, que seja destilada no nariz, que não precise de injeção, que seja mantida em temperatura ambiente para que pudesse ser transportada para qualquer lugar do Brasil, que precise menos de uma cadeia logística completa, isso é a vacina ideal", afirmou.

Ele diz acreditar que o Brasil deveria liderar uma discussão para que não seja colocada patente nessas vacinas.

"A gente está falando de uma vacina muito crítica. Eu creio que as empresas e governo que estão botando dinheiro nisso exigissem que não tenha patente. Assim como o doutor [Albert] Sabin desenvolveu a vacina contra poliomielite não colocou patente e beneficiou milhares de pessoas. Quanto mais empresas produzindo a mesma vacina de qualidade, maior a capacidade de protegermos e de voltarmos a ter uma economia pujante, crescimento econômico e estabilidade", afirmou.

Bares cheios

Oliveira disse também que parte do problema da pandemia do novo coronavírus são as pessoas que vão a bares sem usar máscaras. No começo de julho, as ruas do Leblon, no Rio de Janeiro, ficaram lotadas após bares e restaurantes terem sido autorizados a reabrir as portas ao público.

O problema não é abertura do bar, do restaurante. O problema é a aglomeração, o respeito ao próximo. Aquelas pessoas que estão ali, que estão sem máscara, em aglomeração, são todas parte do problema e não parte da solução.

"O responsável pelo bar, sozinho, não tem capacidade de controlar. Ele pode até colocar orientações, mas, se não tivermos educação social, a gente vai ter explosão de casos. Essas pessoas não estão entendendo que o problema não é a covid-19, o problema é quando elas precisarem de um hospital porque quebrou o pé, sofreu um acidente e não tiver leito", complementou.

Perfil

Ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde Wanderson de Oliveira, um dos principais auxiliares do Ministério da Saúde durante o comando de Luiz Henrique Mandetta.

Doutor e mestre em epidemiologia pela faculdade de medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Wanderson de Oliveira trabalhou durante 16 anos no Ministério da Saúde. Ele ocupava o cargo na secretaria de Vigilância em Saúde desde o começo da gestão de Mandetta e era apontado como um dos principais formuladores da estratégia para enfrentar o novo coronavírus.

Por conta de sua presença nas entrevistas coletivas sobre o avanço da Covid-19 no Brasil, Wanderson acabou se tornando um dos rostos mais conhecidos da pasta. Servidor público federal, atuou ainda no Ministério da Defesa e foi professor da Escola Fiocruz de Governo, em Brasília.

Enfermeiro epidemiologista do Hospital das Forças Armadas, também coordenou a resposta nacional à pandemia de influenza e à síndrome da zika congênita. Ele tem especialização pelo programa de treinamento em epidemiologia aplicada ao SUS, pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Georgia, nos Estados Unidos. É especialista em epidemiologia pela Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, também nos EUA.