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Morte que suspendeu pesquisas da CoronaVac foi registrada como suicídio

Felipe Pereira e Guilherme Mazieiro

Do UOL, em São Paulo

10/11/2020 13h32Atualizada em 11/11/2020 10h11

A morte de um voluntário de 32 anos que causou a suspensão das pesquisas da vacina CoronaVac não foi relacionada com os testes ou com a covid-19 por autoridades ligadas à pesquisa. Segundo o UOL apurou, o caso é tratado como suicídio por pessoas envolvidas com o estudo e foi registrado dessa forma no boletim de ocorrência da Polícia Civil. O laudo do IML (Instituto Médico Legal) ainda não foi concluído.

O caso foi usado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para interromper as pesquisas da vacina que eram lideradas pelo Instituto Butantan, em parceria com o laboratório chinês Sinovac. A Anvisa alega que a decisão foi técnica.

A decisão causou surpresa e irritação em autoridades de saúde do estado de São Paulo, que classificam a decisão do governo federal de desleal. O descontentamento existe porque os responsáveis pela pesquisa não enxergam o suicídio como um efeito adverso relacionado à vacina. Eles dizem ainda que não é a primeira morte de voluntários da CoronaVac.

No começo do estudo desta vacina, uma pessoa morreu em Porto Alegre — informação tornada pública somente hoje. Nesta ocasião, uma investigação foi aberta e ficou constatado que o voluntário havia tomado placebo, substância que não tem o princípio ativo. Por este motivo, os testes continuaram.

No final de outubro, ocorreu em São Paulo o caso que suspendeu as pesquisas. Ainda não se sabe se foi aplicada a vacina ou o placebo, mas o homem era voluntário no Hospital das Clínicas de São Paulo, que deu início a uma investigação e comunicou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisas e a Anvisa. A conclusão do HC foi que não houve relação com a pesquisa.

O controle de quem toma placebo e quem toma a vacina de fato é feito por uma comissão internacional. Somente estes técnicos podem responder se o homem de 32 anos tinha recebido a CoronaVac ou não. Esta informação ainda não é de conhecimento das autoridades de saúde de São Paulo.

As autoridades paulistas reclamam que a Anvisa resolveu suspender os testes antes de pedir explicações.

Anvisa diz que tomou decisão técnica

O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, disse hoje que os documentos que relatam a morte, enviados pelo Instituto Butantan, estavam "incompletos" e "insuficientes".

De acordo com ele, a decisão foi tomada por um órgão técnico da Anvisa, a GGMED (Gerência Geral de Medicamentos), sem passar pelo colegiado dos diretores.

"Diante de informações incompletas, a área técnica só tem uma decisão a tomar [de suspender a pesquisa]. Nos desenvolvimentos tem eventos adversos, como dor ou vermelhidão. E tem graves, que vão desde internação com risco, sequela e até mesmo ao óbito", declarou Barra Torres.

Profissionais ligados ao estudo conduzido em São Paulo enxergam na situação um uso político. Eles contam que o caso vinha sendo tratado de forma técnica por cientistas da Anvisa e estranham que tudo mudou de maneira repentina. A avaliação é que a morte chegou ao conhecimento de pessoas com interesse não científicos que trataram de "criar um fato".

Pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou as redes sociais para atacar o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Um usuário perguntou se o Brasil poderia comprar e produzir a vacina. Em resposta, o presidente citou três dos efeitos listados hipoteticamente pela Anvisa e ainda recordou uma de suas desavenças com Doria, sobre a obrigatoriedade ou não dos imunizantes.

"Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", escreveu.

Na nota emitida na noite de ontem, a Anvisa citou todos os efeitos adversos graves previstos para a interrupção de testes, mas não especificou qual foi verificado no caso do voluntário de São Paulo.

O governador não participou da entrevista coletiva desta manhã nem respondeu diretamente aos ataques do presidente.

Descontentamento dos pesquisadores

Os profissionais envolvidos com a pesquisa dizem ainda que a decisão da Anvisa atrasa a vacina e mancha a reputação de instituições científicas brasileiras. O Instituto Butantan tem 119 anos de história e produz a maioria das vacinas usadas no país. Além disso, voluntários na pesquisa podem ficar com medo por causa da polêmica criada.

Segundo os pesquisadores, a Anvisa recebeu a comunicação da morte no dia 6 de novembro e ficou em silêncio durante 72 horas. O primeiro comunicado com o Instituto Butantan só se deu ontem, por e-mail, às 20h40. E a suspensão da pesquisa ocorreu às 21h05.

Na manhã de hoje, o secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, havia afirmado que a morte do voluntário teve "fator externo" e que o imunizante desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac se mostrou seguro até agora.

CVV

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente.