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Em meio à pandemia, enfermeiros de Ibiúna (SP) estão há 3 meses sem salário

UBS Vargem do Salto, em Ibiúna, quando foi inaugurada, em 2016 - Reprodução/Facebook/Prefeitura de Ibiúna
UBS Vargem do Salto, em Ibiúna, quando foi inaugurada, em 2016 Imagem: Reprodução/Facebook/Prefeitura de Ibiúna

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

11/12/2020 04h00

Após nove meses trabalhando em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) em Ibiúna, no interior de São Paulo, a enfermeira Thábata Cristina decidiu se desligar do emprego. O motivo foi a falta de pagamento dos últimos três meses de salários.

A prefeitura diz que a responsabilidade é de uma empresa terceirizada, contratada para gerir os serviços de saúde. Esta, por sua vez, relata constantes atrasos nos repasses feitos pelo município.

Em meio a uma pandemia na qual os profissionais de saúde chegaram a ser aplaudidos por seu trabalho, na cidade a 80 km da capital paulista os profissionais de enfermagem estão sem os salários de setembro, outubro e novembro. Também há relatos de atrasos em vale-alimentação, férias e 13º salário. Segundo apurou o UOL, o problema não é novo, mas piorou nos últimos meses.

"Não mereço passar por isso, não. Comprar comida no crédito? Para", diz Thábata. Ela já havia trabalhado como enfermeira no município entre julho de 2018 e outubro de 2019, mas decidiu sair justamente pela falta de salário. Retornou em março, mas, quando viu que o problema só havia piorado, decidiu sair novamente.

"O que me fez 'criar coragem' para sair foi o dia em que cheguei na casa dos meus pais e meu pai estava chorando de dor devido a um problema nos olhos. Ele estava sem dinheiro para ir ao médico e comprar a medicação, e eu estava indo trabalhar sem um real no bolso para poder ajudar."

Deixei ele lá, chorando, juntei minhas forças e fui trabalhar. Para não ter o mínimo. É uma situação que eu não desejo para ninguém, é humilhante.
Thábata Cristina, enfermeira em Ibiúna

A empresa contratada para prestar os serviços de saúde na cidade é a organização social Adev (Associação Amigos em Defesa da Vida). Em audiência de conciliação com a prefeitura de Ibiúna no dia 21 de outubro, a prestadora disse que, desde o início do contrato, tem ocorrido atraso nos repasses. "Sem esses repasses em dia, não há como a associação pagar [os salários]", disse na ata da audiência, à qual o UOL teve acesso.

O Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo também informou que os atrasos são recorrentes e descartou que o motivo seja a falta de dinheiro. "Foram diminuídas as quantidades de unidades de saúde, de modo que esse repasse não tem caráter econômico de falta monetária."

No documento da audiência, o sindicato relatou o recebimento de denúncias constantes por parte de trabalhadores desesperados porque não teriam mais dinheiro nem para o deslocamento.

Os profissionais estavam sem salário desde agosto. No último dia 27 de novembro, foi pago o salário daquele mês, mas ainda faltam os de setembro, outubro e novembro, que deveria ter sido pago no último dia 5.

Na ata da audiência, a prefeitura também informou ter ocorrido um "lapso temporal" nos meses de junho e julho. Esses meses foram pagos em parcelas nos meses seguintes. Também houve atraso no pagamento de vale-alimentação desde julho —o valor foi pago em novembro.

Juliana* diz que também houve atraso nos pagamentos no fim do ano passado, impactando o 13º salário. Mas nunca um atraso havia se prolongado tanto tempo, segundo ela. "Sempre ficava um ou dois meses sem pagar. Quando ia completar três meses, eles pagavam", conta. Diz que até mesmo os pagamentos de férias não têm sido cumpridos.

O salário do marido tem sido a única renda do casal, que tem uma filha pequena. Juliana diz que por enquanto os dois têm "empurrado" as dívidas, mas já viu colegas em situações precárias. "Tem gente que está passando necessidade, que não consegue trabalhar porque não tem o mínimo, nem para comer."

Por estar em uma pandemia e sob estado de emergência, a categoria não pode entrar em greve, mas, de acordo com Valéria*, mesmo se pudessem, eles não deixariam a população desassistida. "Não estamos deixando a população sem atendimento, afinal eles não têm nada a ver com isso que está acontecendo."

Além da falta de salários, Valéria também se queixa das péssimas condições da unidade de saúde na qual trabalha. "O laboratório que estava realizando coletas de sangue parou, tiveram dias que dispensamos paciente por falta de materiais essenciais para um curativo."

Ela conta que até financiamento coletivo os funcionários precisaram fazer para comprar produtos de limpeza e higiene.

Eu moro em casa de aluguel, imagina todo mês essa pressão. Tem profissional que tem filhos, é bem pior. Ficamos empurrando o mês. Eu acordo para trabalhar desanimada.
Valéria*, enfermeira em Ibiúna

Ao menos duas audiências de conciliação foram feitas no Ministério Público do Trabalho com a Adev e a prefeitura. Na última, em 11 de novembro, foi determinado que o município apresentasse informações sobre a quitação das verbas em atraso até o dia 13 de novembro, sob risco de ter a situação judicializada e os bens congelados.

O repasse, no entanto, só foi feito no dia 26 de novembro, no valor de aproximadamente R$ 130 mil, que serviu para o pagamento dos salários e encargos do mês de agosto. Um novo repasse é aguardado para esta quinta-feira (10), porém ainda não havia sido feito até a publicação desta reportagem.

O UOL procurou a Prefeitura de Ibiúna que, por sua vez, alegou problemas em seus sistemas e por isso não poderia informar os valores repassados à Adev. Mas adiantou que "o pagamento dos funcionários é feito pela própria empresa terceirizada". Caso a prefeitura envie um posicionamento mais detalhado, ele será incluído.

A organização social Adev também foi procurada por e-mail às 19h20 de quarta-feira e novamente às 15h30 de ontem, além de uma tentativa de contato telefônico às 16h07, todas sem sucesso. Quando a associação enviar um posicionamento, ele será inserido no texto.

* Os nomes foram modificados a pedido dos entrevistados por medo de sofrerem retaliações.