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SP: Colocar municípios "no fim da fila" de prioridades pode ser ilegal

01.dez.2020 - O secretário de Desenvolvimento Regional de SP, Marco Vinholi, e o governador João Doria (PSDB-SP) em encontro com prefeitos sobre covid-19 - Governo do Estado de São Paulo
01.dez.2020 - O secretário de Desenvolvimento Regional de SP, Marco Vinholi, e o governador João Doria (PSDB-SP) em encontro com prefeitos sobre covid-19 Imagem: Governo do Estado de São Paulo

Arthur Stabile

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/01/2021 20h48

O governo de São Paulo afirmou hoje que pode colocar "no fim da fila" de suas prioridades cidades cujos prefeitos não seguirem o Plano SP. Especialistas em Direito consultados pelo UOL alertam para possível inconstitucionalidade da decisão.

"Apenar a população daquele respectivo município a receber vacina depois porque o prefeito descumpriu algum acordo não faz o menor sentido, viola o princípio da igualdade", avalia Irapuã Santana, doutor em direito e ex-assessor do ministro Luiz Fux no STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo ele, a decisão é "inconstitucional" por fazer com que "outras pessoas sofram as consequências de um ato do prefeito".

Hoje, o governador João Doria e seus auxiliares se reuniram no final da manhã de hoje para tratar das diretrizes do estado para o próximo biênio, incluindo o plano estadual de imunização, o Plano São Paulo, de reabertura econômica e flexibilização da quarentena durante a pandemia da covid-19, e a política de retomada econômica.

Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional de São Paulo, disse aos prefeitos que o governo vai priorizar "aqueles que seguem Plano São Paulo" nos atendimentos: "Vidas estão nas mãos de cada um de vocês. Vamos priorizar aqui aqueles [prefeitos] que seguem o Plano São Paulo nos atendimentos. Aqueles que forem irresponsáveis vão para o fim da fila neste momento".

O jurista argumenta ser possível, para o governo estadual, buscar a "responsabilização dos prefeitos por conta de alguma irregularidade ou ato". A fala vai de acordo com o citado por Vinholi sobre acionar o Ministério Público contra cidades que "não tiverem seguido as regras fundamentais da saúde" para responsabilizar "prefeitos, que vão sofrer ações".

Ex-promotor do Ministério Público de São Paulo, o agora advogado Roberto Tardelli considera "ilegal" a seleção anunciada pelo governo.

"Não dá pra fazer esse tipo de critério: 'O município que foi mais bonzinho ganha o chocolate primeiro, e o que foi mais malzinho vai para o fim [da fila]'. Isso não existe", critica. "Não se pode punir a população, pode punir o prefeito. É ilegal, um rugido para assustar os prefeitos", completa.

Doria, presente na entrevista, encorpou o recado: "Tivemos recentemente experiência majoritariamente boa de prefeitos que foram corajosos na proteção da vida. Alguns poucos não agiram como deveriam, mas esperamos que exceções não mais aconteçam", declarou.

Tardelli defende, inclusive, que as cidades que descumpriram as regras sanitárias deveriam ser as primeiras a receber a vacinação.

"O que se viu em termos de aglomeração nas praias é um absurdo e projeta um mês de janeiro medonho para o estado. A culpa não é do munícipe, do seu João, da dona Maria, que moram em Caraguatatuba, por exemplo, eles são vítimas disso", afirma.

Segundo a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o governador tem a autonomia para tomar tal decisão. No entanto, ficará à mercê de ações judiciais que questionem o porquê da demora do governo do estado em responder a demandas de determinadas cidades.

"Num primeiro momento, [Doria] pode indicar essa ordem de prioridade dentro de um critério específico, o qual, mais uma vez, poderá ser questionado. O MP e qualquer cidadão terá legitimidade para levar ao Poder Judiciário a questão", explica ao UOL.

A magistrada considera normal o questionamento jurídico de decisões tomadas por políticos, seja ou não envolvido com o combate à pandemia de coronavírus.

Ela usa de exemplo o governo federal, comandado por Jair Bolsonaro (sem partido). "Vários decretos do presidente da República são objeto de discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) e, não raras, às vezes são suspensos e/ou declarados inconstitucionais", pontua.