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"Acabou o oxigênio": os relatos do colapso nos hospitais de Manaus

Bruna Chagas

Colaboração para o UOL, em Manaus

14/01/2021 19h00

"Acabou o oxigênio de toda uma unidade de saúde. Tem muita gente morrendo! Pelo amor de Deus!". O clamor feito pela psicóloga Thalita Rocha em um vídeo gravado em frente ao SPA (Serviços de Pronto Atendimento) de Redenção, em Manaus, mostra a situação dramática que vivem os hospitais da cidade em virtude do aumento de casos de covid-19.

Assim como ela, médicos e familiares entraram em desespero e usaram as redes sociais relatando a falta de cilindros de oxigênio para atender pacientes internados em diversos hospitais, vítimas do novo coronavírus.

No Hospital Platão Araújo, uma mulher não identificada pede socorro em outro vídeo, solicitando cinco oxigênios para o hospital. Nas imagens, ela afirma que o local está dividindo cilindros de oxigênio para manter os pacientes.

O presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mário Viana, divulgou um vídeo na manhã de hoje, afirmando que vários hospitais já estão sem oxigênio para atender as pessoas. Entre eles o HUGV (Hospital Universitário Getúlio Vargas), onde os profissionais de saúde estão tendo que usar ambu (balão de oxigênio manual), para manter a vida de alguns pacientes.

Ele chama a atenção para a gravidade da situação e pede que o governo entre com socorro imediato para evitar mais mortes: "Transportar oxigênio de outros estados em caráter de guerra é uma necessidade para salvar vidas. Que Deus nos ajude!", desabafou.

O hospital federal, recentemente integrado no plano de emergência com 60 leitos, enviou uma nota ao UOL informando que recebeu oxigênio. "O HUGV informa que recebeu oxigênio para estabilizar temporariamente a situação de todos os pacientes e continua não medindo esforços para normalizar a situação em definitivo".

Há outras unidades de saúde que estão à beira do colapso, como o Hospital Platão Araújo, SPA Colônia Oliveira Machado e SPA da Redenção, dos quais circulam vídeos de parentes desesperados pedindo ajuda e mostram o caos que se instalou na capital amazonense em meio a pandemia.

Autora do vídeo em frente ao SPA Redenção em que clama por ajuda, Thalita Rocha explicou que só quem vê o desespero de pessoas pedindo "ar" sabe o que é isso.

Nunca pensei que oxigênio seria mais que ouro. Nunca pensei em ver pessoas pedindo socorro, em pleno desespero, clamando para respirar. Desespero total e um monte de gente correndo sem saber para onde correr
Thalita Rocha

No SPA da Colônia Oliveira Machado, zona norte de Manaus, outro vídeo mostra um jovem pedindo ajuda para ter mais oxigênio no local. Ele filma profissionais de saúde retirando os cilindros usados em uma ambulância para serem transferidos para o hospital.

A capital amazonense registrou ontem 198 enterros e mantém uma média de mais de mil novos casos diários do vírus.

Parentes compram oxigênio para familiares internados

Em desespero, familiares em Manaus compraram oxigênio para levar ao hospital ou mesmo ficar em casa onde o parente está internado ou fazendo tratamento. É o caso da funcionária pública Marluce Gonzaga, que comprou para ajudar o filho que está com mais de 50% do pulmão comprometido por causa da doença.

"Manaus está abandonada. Em nenhum hospital tem oxigênio. Tivemos que unir forças e juntar dinheiro para tratar meu filho. Graças a Deus, as tias e parentes, estamos fazendo tratamento em casa, mas e quem não pode? Como fica a população?", desabafou.

Já o cantor Dani Sá fez uma vaquinha na internet pedindo ajuda para mãe dele, dona Graça, e muitos amigos ajudaram, como foi o caso da estudante de medicina veterinária, Vitória Costa, que acompanhou de perto todo o drama vivido pelo amigo.

"Dona Graça estava muito mal no corredor do Hospital 28 de Agosto, não tinha leito no hospital e já escutávamos boatos sobre faltar oxigênio em breve. Por isso fizemos uma vaquinha virtual pedindo ajuda e conseguimos o oxigênio por meio das redes sociais. Hoje ela está em casa com o oxigênio agora", contou a amiga.

Plano de abastecimento

Em relação ao abastecimento de oxigênio nas unidades hospitalares, o governador do estado, Wilson Lima (PSC), ressaltou que todas as medidas para solucionar as dificuldades logísticas de abastecimento do produto, apresentadas pela empresa responsável, estão sendo adotadas junto ao governo federal.

"O Estado do Amazonas está tomando algumas providências relacionadas à questão do oxigênio. Nós já entramos com uma ação na justiça contra a empresa para garantir que ela abasteça em quantidade suficiente a rede hospitalar para atender nossos irmãos acometidos da covid-19. Nós estamos numa operação de guerra onde os insumos, sobretudo a questão do oxigênio nas unidades hospitalares, hoje, é o produto mais consumido diante dessa pandemia", disse Lima.

Em nota enviada ao UOL, a secretaria estadual da Saúde (SES-AM) informou que desde que foi informado pela empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio para as unidades de Saúde do estado das dificuldades para manter o abastecimento, o governo afirma que empreendeu todos os esforços para adquirir o item, tendo ido buscá-lo, inclusive, fora do Estado.

Ainda assim, por conta dos elevados números de internações, a empresa passou a não conseguir suprir a demanda da rede estadual. De acordo com a secretaria, o consumo diário de oxigênio no mês chegou à 76,5 mil m³, enquanto a produção da empresa é de cerca de 28,2 mil m³, segundo dados apresentados ao Comitê de Resposta Rápida - Enfrentamento covid-19, composto pelos governos estaduais, municipais e federal.

Para atender a demanda, tanto dos hospitais públicos quanto dos hospitais privados, as fornecedoras White Martins, Carbox e Nitron precisavam entregar 76.500 m³ diariamente. No entanto, a capacidade de entrega das empresas tem sido somente de 28.200 m³/dia, de acordo com o governo. Para sanar o déficit de 48.300 m³ diários, a operação está buscando em Fortaleza e São Paulo o insumo para trazer até Manaus em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira).

Em nota enviada ao UOL, a White Martins informou que a demanda é o triplo da capacidade da unidade em Manaus (25.000 m³/dia) e que aumentou a capacidade para 28.000 m³/dia. "Com o objetivo de somar esforços para suprir a alta demanda dos hospitais em Manaus, a White Martins tem comprado oxigênio de fornecedores locais", informou a empresa.

Transferência de pacientes e toque de recolher

Wilson Lima anunciou nesta quinta, em pronunciamento nas redes oficiais do governo do Amazonas, novas ações para o combate à pandemia. As medidas incluem o toque de recolher no estado entre às 19h e às 6h, a suspensão do transporte coletivo de passageiros em rodovias e rios, e a transferência de pacientes para quatro estados e o Distrito Federal.

"Estamos decretando o fechamento das atividades de circulação de pessoas, entre 19h e 6h da manhã, exceto atividades e transporte de produtos essenciais à vida. E aí teremos o funcionamento de farmácias, mas para entrega de delivery e entrega por demanda. A circulação de pessoas que trabalham em áreas estratégicas e essenciais como saúde, segurança pública e imprensa também fica assegurada", explicou Lima.

O governo fará o translado dos pacientes para os cinco estados e montou um grupo de apoio psicossocial para pacientes e familiares. Segundo o governador, o estado de Goiás já disponibilizou o hospital universitário em Goiânia para atender os pacientes, que serão acompanhados por uma equipe de médicos, enfermeiros e de atendimento psicossocial. Além de Goiás, participam do plano de cooperação Piauí, Maranhão, Distrito Federal e Rio Grande do Norte.