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Após variante e piora na pandemia, especialistas recomendam lockdown em SP

Lucas Borges Teixeira e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

28/01/2021 04h00

A chegada de uma variante do novo coronavírus e o aumento de internações em São Paulo levaram médicos e pesquisadores a recomendar que sejam implementadas medidas mais rígidas no estado, como o lockdown, para conter a escalada dos números. A média móvel de mortes no estado está no patamar de agosto de 2020 e os leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em São Paulo passaram da marca de 70% de ocupação, semelhante ao registrado em maio.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) diz que a variante identificada no Brasil já está se disseminando por outros países. Membros do Centro de Contingência do Coronavírus também são favoráveis a adequações que freiem o avanço da covid-19, mas o governo de João Doria (PSDB) não chega a falar em fechamento do comércio e da circulação.

"Neste momento, o que você precisa em São Paulo é um lockdown, como as cidades europeias acabaram fazendo depois que se deram conta do que era a variante do Reino Unido", diz Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins e membro do Observatório Covid-19 BR, iniciativa que reúne pesquisadores de diversas áreas para monitorar a pandemia no Brasil.

"Alto risco"

Segundo o médico Alexandre Naime, chefe da infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a nova variante do coronavírus tem um risco de infectividade 70% maior. "Isso precisa ser encarado como de alto risco e determinar, sim, um fechamento mais restritivo, algo próximo de lockdown", diz Naime, também consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

Por isso, eles acreditam que, no mínimo, todo o estado de São Paulo já deveria estar na fase vermelha do Plano São Paulo, de retomada econômica. No momento, algumas regiões, como a metropolitana, estão parcialmente na fase laranja —que foi abrandada para permitir o funcionamento de mais setores da economia.

"Cada vez que agrava o problema, mudam a regra para deixar a classificação mais branda", diz Naime. "E não é isso que vai resolver. Isso só vai remediar."

Se a gente não fizer isso agora, vai reviver todo o drama que a gente já viveu até aqui com a pandemia, mas talvez de forma piorada
Monica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins e do Observatório Covid-19 BR

Variante demanda vigilância

Tanto Bolle quanto Naime pontuam que é preciso dar especial atenção à vigilância epidemiológica —ou seja, aos estudos, pesquisas e acompanhamento dos casos—, principalmente em razão da descoberta de novas variantes do vírus. "Para saber se a variante está circulando majoritariamente, nós temos que pesquisar. Não existe essa informação."

A gente está trocando o pneu com o carro andando. Fazendo ciência com a pandemia em andamento. Então tem que ter paciência mesmo. Por isso, a precaução é melhor
Alexandre Naime, chefe da infectologia da Unesp e consultor da SBI

"Nessa cegueira total em que a gente está atuando, com uma variante que é mais transmissível, o risco de deixar as coisas funcionando, não fazer nada, é enorme", diz a professora do Johns Hopkins. "Neste momento, é pelo bem coletivo e pela necessidade coletiva de se frear as cadeias de transmissão. Vai ter sacrifício nisso? Vai. Não tem como fugir do sacrifício, infelizmente."

Centro de Contingência também recomenda aperto, mas estado não fala em lockdown

Caso os números sigam aumentando, o secretário estadual da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, confirmou que o governo poderá alterar os indicadores que norteiam o Plano SP —uma demanda antiga do Centro de Contingência— mas o lockdown não é considerado pela gestão Doria.

No início do mês, o Plano SP já reduziu a taxa de ocupação de UTI considerada para regressão para a fase laranja, a segunda mais restritiva, de acima de 75% para acima de 70%. Uma luta do Centro de Contingência é que acima de 70% já passe para a fase vermelha.

Se essa mudança ocorresse agora, de acordo com os últimos dados divulgados pela secretaria, outras seis regiões —além das sete atuais— regrediriam para a vermelha, incluindo a Grande SP.

"Estamos acompanhando os números [diariamente] e ainda não vimos essa necessidade, mas, se continuar [com aumentos], faremos todas as mudanças necessárias", afirmou o secretário ao UOL.

Para o coordenador do Centro de Contingência, Paulo Menezes, tudo dependerá da evolução dos números nestes próximos dias. Segundo ele, os últimos dados diários têm indicado estabilidade e precisam ser analisados.

Se for apenas um respiro para que continue a subir, devemos tomar medidas [mais restritivas]. Caso haja uma estabilidade maior, nós vamos avaliando. Nada está descartado."
Paulo Menezes, coordenador do Centro de Contingência

"Única chance"

Os especialistas dizem que há resistência tanto dos representantes da área econômica quanto de políticos a entenderem e adotarem medidas mais restritivas. Mas um dos principais empecilhos, acreditam, está na falta de conscientização e no comportamento da população a respeito da necessidade do resguardo para que se possa enfrentar a pandemia.

"Mesmo que você imponha a fase vermelha, a população vai aderir? As pessoas vão de fato tomar cuidado?", questiona Bolle. "Isso é um problema sério porque foi tão desacreditado [o endurecimento de restrição] ao longo do tempo, inclusive pelo próprio governo federal. Então parte da população não acredita que isso ajude em alguma coisa, e aí você não tem adesão. Mas tem que ser tentado. Porque a única chance que existe de frear a cadeia de transmissão."

Naime, por sua vez, pontua que talvez o estado de São Paulo tenha se precipitado com as medidas de restrição mais severas no início da pandemia, em março do ano passado. "Quando a gente precisar fechar de verdade, não vai ter fôlego. Eu acho que o estado de São Paulo fechou muito cedo em março, quando tinha uma baixa transmissão [do vírus]."

Representante do Observatório Covid-19 BR, Bolle diz ser importante que responsáveis por serviços não essenciais, como bares, restaurantes, salões de beleza, academia, entendam ser importante baixar as portas neste momento.

Quem é contra a medida justifica que seria possível atuar com uma capacidade menor de atendimento —além de se sentir injustiçado por não haver fiscalização sobre quem não segue as determinações das autoridades.