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Negacionistas rejeitam covid até quando perdem amigos, desabafa médico

Bernardo Drapier, médico intensivista que atua na linha de frente contra covid-19 - Divulgação/Prefeitura de Santos (SP)
Bernardo Drapier, médico intensivista que atua na linha de frente contra covid-19 Imagem: Divulgação/Prefeitura de Santos (SP)

Mauricio Businari

Colaboração para o UOL, em Santos (SP)

17/03/2021 19h57

Cerca de um ano após o primeiro atendimento oferecido a um paciente com covid-19, o médico intensivista Bernardo Drapier, 32 anos, é mais um dos inúmeros profissionais de saúde que estão na linha de frente ao combate da doença. Ele afirmou que chega a trabalhar até 48 horas sem descanso, está exausto e diz estar espantado com a postura de quem nega a existência do novo coronavírus.

Contratado por um hospital de Santos (SP), ele diz que os negacionistas da pandemia mantêm a postura mesmo diante da morte de um parente, cônjuge ou amigo.

"Desde o ano passado, quando surgiu a doença, fala-se que ela não passaria de uma gripezinha, sem consequências, que só atingiria pessoas idosas e com outras doenças, que pudessem agravar o quadro. Mas eu vi várias pessoas que pensavam assim, até mesmo jovens e sem comorbidades, e que chegaram a morrer pela doença ou então perderam entes queridos", conta Drapier, lembrando que muitas vezes essas pessoas continuam não acreditando na existência da doença e na gravidade do que está acontecendo.

Essas pessoas continuam acreditando que a morte foi por outro motivo, que estamos superestimando os dados com relação à covid, que o falecido pode ter morrido de infarto, AVC, qualquer outra coisa. Menos covid-19. Infelizmente, essa é uma conversa que ainda estamos ouvindo bastante
Bernardo Drapier

Bernardo já pegou covid-19 e tomou as duas doses da vacina - Divulgação/Prefeitura de Santos (SP) - Divulgação/Prefeitura de Santos (SP)
Bernardo Drapier, médico intensivista que atua na linha de frente contra covid-19
Imagem: Divulgação/Prefeitura de Santos (SP)

Exausto pela carga de trabalho exigida por conta da falta de pessoal especializado, ele coleciona muitas histórias difíceis, carregadas de sofrimento e dor. Drapier acredita que as pessoas que não respeitam restrições e se arriscam em aglomerações podem ser divididas em dois grupos.

O primeiro grupo é justamente o dos negacionistas, das pessoas que "não estão nem aí", que se dizem cansadas da pandemia e não querem mais saber do assunto, simplesmente ignorando tudo o que está acontecendo. Já o segundo grupo são das pessoas que precisam trabalhar para sobreviver e dependem de ofícios que obrigam delas a presença física.

"Esse segundo grupo de pessoas é muito difícil de julgar. Existem pessoas que trabalham em serviços essenciais e dependem de transporte público. E isso definitivamente não é culpa delas, mas de falta de planejamento do poder público", analisou.

Agravamento da pandemia

Drapier revela que o hospital em que trabalha, assim como muitos no litoral paulista, já encontra-se em lotação máxima. Semana a semana, novos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) estão sendo abertos para atender a crescente demanda. E, apesar da contratação de novos profissionais, a equipe que está na linha de frente desde o ano passado está completamente desgastada, exausta. Somado a isso, o peso de não conseguir salvar todos os pacientes que dão entrada com quadros graves deixa uma sensação de frustração nos profissionais.

Não poder salvar todas as vidas é muito frustrante, ainda mais quando a gente sabe e percebe que o número de óbitos nas UTIs são ainda piores. Fazer atestado de óbito é algo que eu nunca vou me acostumar. Mas o pior de tudo é ter que avisar à família sobre a morte de um parente. Mesmo depois de já ter feito isso centenas de vezes desde o ano passado, isso é algo com que eu nunca vou me acostumar
Bernardo Drapier

O médico afirmou que já teve covid-19, tomou as duas doses da vacina e, mesmo assim, não visita os pais há oito meses, afinal a vacina não garante 100% de imunização e o fato de a pessoa já ter sido infectada não a impede de contrair novamente o vírus.

Eu tenho a minha família em Curitiba, que são meus pais. Faz aproximadamente 8 meses que não os vejo, por temor de contaminá-los. Conversamos sempre por vídeo, mas o medo que eles se contaminem é maior. E tenho também a minha noiva, que também é médica e atende na linha de frente, no combate à covid-19. Assim como eu, ela trabalha muito também. Esse ano a gente substituiu as relações de casa pelas relações de trabalho
Bernardo Drapier

Críticas a quem defende tratamento precoce

A discussão em torno de tratamentos profiláticos é outro grande problema enfrentado nas linhas de frente. O médico, que já atendeu centenas de pacientes com a doença, nos mais diversos graus de complexidade, diz que torceu para a existência de um tratamento precoce para a covid-19. Mas que o tempo demonstrou que essa era uma falsa esperança.

Seria muito bom se a cloroquina funcionasse da forma que era proposta no início da pandemia, se a invermectina tivesse uma ação in vivo (nas pessoas) tão boa quanto funciona in vitro (no laboratório)...seria muito bom se a gente tivesse um tratamento precoce em que a gente não precisasse esperar um quadro se agravar para tratá-lo em unidade de terapia intensiva. Seria muito bom...mas infelizmente a gente não tem nada disso. A solução é a vacina. Ela que pode diminuir o número de casos e também acabar com os casos graves
Bernardo Drapier