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Erro em obra de R$ 1,6 milhão deixa UBS sem rede de oxigênio em São Paulo

A UBS Humaitá, na região central de São Paulo - Anahi Martinho/UOL
A UBS Humaitá, na região central de São Paulo Imagem: Anahi Martinho/UOL

Anahi Martinho

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/03/2021 11h53

Uma reforma de mais de R$ 1,6 milhão custeada pela Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo deixou uma UBS (Unidade Básica de Saúde) sem rede de fornecimento interno de oxigênio. A UBS Humaitá Dr. João de Azevedo Lage, localizada no bairro da Bela Vista, região central, agora depende apenas de cilindros de oxigênio portáteis.

O Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), que administra a unidade, recebeu um repasse de R$ 166 mil em dezembro de 2019 para fazer a reforma, mas não entregou a obra nem devolveu a quantia.

A reforma da unidade acabou sendo realizada com outro recurso, um investimento de R$ 1,6 milhão do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) por meio do programa Avança Saúde.

A obra, feita entre abril e outubro de 2020, danificou a rede canalizada de gases medicinais que havia antes na unidade, segundo apurou a reportagem. A estrutura é responsável por transportar oxigênio para o tratamento de pacientes com síndrome respiratória, um dos principais sintomas da covid-19.

Um erro na obra danificou essa rede interna, deixando a unidade dependente de cilindros portáteis de 6 metros cúbicos, que precisam ser reabastecidos a cada dois ou três dias. A Anvisa recomenda o uso desse tipo de cilindro apenas para emergências e transporte de pacientes.

UBS Humaitá tem usado cilindros portáteis com oxigênio - Anahi Martinho/UOL - Anahi Martinho/UOL
UBS Humaitá tem usado cilindros portáteis com oxigênio
Imagem: Anahi Martinho/UOL

Em pacientes com quadros leves e moderados de covid-19 são administrados de dois a cinco litros de oxigênio por minuto. Casos mais graves podem precisar de fluxo de até 15 litros por minuto. Em média, um único paciente com caso moderado de covid-19, fazendo inalação a dois litros/minuto, gasta um cilindro desse a cada dois dias.

A UBS não é estruturada para internar pacientes com casos graves de infecção pelo novo coronavírus. "Casos mais graves nem chegam aqui", afirmou Tatiane Rodrigues, gerente da unidade. No entanto, a UBS atende pacientes com casos leves e moderados da doença, que também precisam de inalação.

A Secretaria de Saúde afirma que, até agora, ninguém ficou sem oxigênio e que, "devido ao aumento do número de casos de pacientes com síndrome gripal, a unidade está reforçando a disponibilidade de cilindros por precaução".

Tubulação foi roubada

O sistema que foi danificado é formado por uma "bateria" com cinco ou seis cilindros de 10 metros cúbicos cada um, interligados por válvulas que levam o oxigênio através de uma tubulação até uma saída na parede das salas de emergência e medicação, por onde o paciente recebe o gás. A reportagem flagrou essa estrutura desativada.

A mesma rede é responsável pelo fornecimento de ar comprimido, que também não está funcionando. A unidade passou a depender de um aparelho portátil para obter o ar comprimido.

Segundo a Secretaria de Saúde, houve ainda um roubo de parte da tubulação de oxigênio, que já foi reposta. O sistema, no entanto, continua com "funcionamento parcial", diz a pasta.

Registros de saída de oxigênio e ar comprimido não funcionam com problema na rede - Anahi Martinho/UOL - Anahi Martinho/UOL
Registros de saída de oxigênio e ar comprimido não funcionam com problema na rede
Imagem: Anahi Martinho/UOL

O que dizem Iabas e prefeitura

Ao ser procurado pela primeira vez, o Iabas negou ter recebido qualquer repasse da prefeitura referente à obra. Após insistência da reportagem, o instituto confirmou que assinou termo de "acréscimo de recursos para investimentos a serem aplicados na reforma da UBS Humaitá", no valor de R$ 999.889,51 e que recebeu 16% desse valor, mesmo sem fazer a obra.

O Iabas afirmou também que "a empresa responsável pela reforma está realizando os ajustes necessários para adequá-la e que o valor será realocado para a nova reforma ou devolvido integralmente, conforme orientação da pasta".

"Os 16% já designados ao instituto poderão ser utilizados para a reforma de outra unidade da região central. No momento, o instituto aguarda novo cronograma e plano de ação para uso do investimento em outra unidade", informou o Iabas.

Contrato para o Iabas reformar a UBS Humaitá - Arte/UOL - Arte/UOL
Contrato para o Iabas reformar a UBS Humaitá
Imagem: Arte/UOL

Por meio de nota, a Secretaria de Saúde respondeu que a UBS Humaitá passou por uma "ampla reforma estrutural, com a implantação de acessibilidade, infraestrutura de prontuário eletrônico, troca de telhado, portas, pisos e construção de sanitários", que totalizou o valor de R$ 1.607.217.

A secretaria confirma que antes da reforma a unidade contava com rede canalizada de gases medicinais, que "segue em funcionamento parcial atualmente, após furto de tubulação ocorrido no telhado da unidade, mas o reparo já foi realizado".

O comunicado afirma ainda que "nenhum usuário que necessitou de oxigênio ficou sem ser assistido, pois a unidade conta com cilindros de oxigênio para situações de urgência e emergência".

Sobre o repasse feito ao Iabas, a secretaria diz que não foi emitida ordem de serviço e que vai "remanejar os investimentos".

Iabas investigado

O presidente do Iabas, Cláudio Alves França, que assina o contrato da reforma da UBS Humaitá, foi alvo de investigação da Polícia Federal na operação Placebo, que culminou com o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).

Em São Paulo, o Ministério Público apura irregularidades em pelo menos dois contratos da entidade com instituições públicas de saúde. Em janeiro, o MP recomendou à gestão Bruno Covas (PSDB) a suspensão do contrato com o Iabas.